* Por Clara Bidorini
Tínhamos acabado de passar pelo Carnaval, cheios de certezas de que o 2020 estava dando bons sinais para inovação aberta, quando fomos obrigados a reagir ao Coronavírus. O distanciamento social de hoje talvez permita que estas reflexões sejam lidas com olhares mais abertos a novas possibilidades.
E é com esse intuito, de abrir novas possibilidades, que espero alimentar um bate papo (digital) para pensar em novas ações, pois estas sugestões foram pensadas inicialmente para o ecossistema de inovação em tempos que já vínhamos convivendo com crises políticas e sociais.
Seguem algumas das minhas reflexões, baseadas em tendências, observações e perspectivas pessoais que espero que sejam alimentadas ao longo dos próximos meses.
O verdadeiro segredo para inovar é mudar o modelo de trabalho
Está cada vez mais claro para o mercado que a aceleração não é resposta para tudo, mas nem sempre o mercado é transparente sobre isso. Existem empresas que já têm maturidade para realizar programas de aceleração e outras que estão se aproximando ao conceito de inovação aberta, ainda que não seja via aceleração.
É um problema? De forma alguma! Problema seria escolher um formato em vez de outro e exaurir as forças na tentativa de convencer sua empresa a mudar de noite para o dia.
Vale ressaltar que relacionamento com o mercado e com startups não equivale a fazer um programa de aceleração. Estar em hubs de inovação, circular, fazer perguntas questionadoras também funcionam como primeira aproximação. Me direciono aqui aos líderes: não transfiram o sucesso de seus projetos de inovação a cadeiras no coworking “x”.
O segredo da inovação aberta está na mudança de mentalidade e ela deriva da realização, do verdadeiro desenvolvimento de projetos hands-on. Em outras palavras, isso garante a verdadeira virada de chave. É preciso deixar claro que squads, coworking, aceleração são apenas meios.
Programas de aceleração são territórios férteis para desenvolvimento de novas competências
O mercado já percebeu que, para diminuir o pipeline de fechamento de projetos com startups, é preciso envolver, capacitar e chamar todas as áreas de negócios para o processo, fazendo parte da inovação. Não cabe mais responsabilizar o Jurídico, Compliance ou Compras como barreiras à inovação. É preciso admitir que o vilão é a resistência à mudança, e não as pessoas que compõem as áreas de negócios.
Desde 2015, tenho trabalhado a inovação aberta em paralelo com áreas de Recursos Humanos, com o objetivo de entender a cultura das empresas e das unidades de negócio e o esforço em implementar as famosas competências ágeis, premiar soft skills de perfis questionadores e curiosos.
Programas de aceleração são momentos por vezes únicos em uma empresa, onde muitos recursos são alocados com um único objetivo: dialogar com o mercado. Nesses momentos, incentivar pela diversidade, interdisciplinaridade (não multidisciplinaridade) e lideranças inspiradoras são etapas essenciais para o sucesso de todos.
Acelerar não é facilitar. Acelerar é entregar resultado
O mercado está saindo de um modelo de programas apenas de mentoria para programas com metodologia real para o desenvolvimento de projetos. Não porque as startups (e as corporações) não precisem de mentoria. Pelo contrário. Precisam, e muito. A mentoria é necessária, mas não é exaustiva na demanda por resultados aplicados.
A provocação, portanto, é justamente esta. Você faria investimentos para receber dicas sobre um problema ou para ter meios práticos que viabilizem a resolução?
Resolver, claro. Esse, pelo menos, é o meu critério norteador. Já fui da corporação e já fui consultora. Entendo que o nosso sucesso é medido pelos resultados que trazemos, porque é dessa forma que criamos um legado. Os programas de open innovation que ajudo a construir têm como objetivo ter legados sólidos. É o que entendo como diferencial.
Mulheres e diversidade
Embora ainda estejamos longe de alcançar representação da sociedade no mundo do empreendedorismo, esses últimos dois anos têm trazido três grandes novidades: o surgimento de aceleradoras focadas em mulheres e fundos de apoio a mulheres empreendedoras (exemplo da Go on Women, Be.Labs, B2Mamy, A.M.E.I da Yunus, o fundo WE da Microsoft), o aumento do número mulheres fundadoras de startups e movimento de empreendedorismo da comunidade afrodescendente, como Movimento Black Money, AfricaTech, Vale do Dendê, Blackrocks.
É imprescindível que, em 2020, o mercado trabalhe para dar cada vez mais espaço a iniciativas e aceleradoras que tragam essa representatividade à sociedade. Assim, abre-se o leque para diversidade de gênero e raça. Outros bons exemplos já existem e estão em atividade. Conheça: Maturijobs, Empodera, Jobecam; Todes, Diversity in a Box, Impulso Beta. Eu mesma, que cofundei um projeto focado em apoiar pessoas em estado de refúgio, o Programa Namoa, me identifico em levar para frente essa condição.
Portanto, é mandatório ampliar o olhar. E buscar uma colaboração de igual para igual com todos os players de mercado.
Clara Bidorini é head de Corporate Venture na Kyvo Design-Driven Innovation, plataforma de inovação que desde 2017 só atua com programas de inovação corporativa baseados em service design e sem contrapartida acionária. Trabalha com open innovation desde 2014, é professora de design estratégico e empreendedora.