* Por Fausto Reichert
Numa era não muito distante, as startups deveriam atender uma única necessidade (chamada de “dor” pelo mercado), dominar um canal de vendas e jamais — sim, jamais! — atuar com algum serviço que não fosse escalável globalmente. Mas agora tudo isso mudou.
A nova fase de crescer com lucro
Há poucos anos, se quisessem captar dinheiro para impulsionar a expansão do negócio, as empresas deveriam ter um pitch deck devidamente formatado para, além de tudo, demonstrar como iriam escalar e dominar o mercado global.
As teses de crescimento das startups eram estruturadas em fases de investimentos com uma média de 18 meses. Elas combinavam com a “queima de caixa” ou período em que o empreendedor deveria gastar o dinheiro recebido para unicamente crescer.
Agora, os pitches buscam demonstrar que o investimento ainda será para escalar crescimento, mas o Ebitda passa a fazer parte do dia a dia dos empreendedores, que visam o equilíbrio entre investimento e lucro.
Solucionar uma única necessidade em um único canal de aquisição
Muitos empreendedores ficaram pelo caminho na busca por investimentos, pois seus produtos atendem mais de uma “dor” ou necessidade do futuro cliente. Esse tópico, aliás, era literalmente rechaçado pelos investidores profissionais. Motivo? Seria impossível atingir níveis extremos de crescimento se a empresa tivesse de dividir atenção entre o produto principal e produtos complementares nas fases iniciais.
Além disso, atuar com dois ou mais canais de aquisição era considerado uma heresia do gestor de marketing (CMO). A tese era de que o total domínio de um único canal consumiria menos dinheiro e traria mais especialização para a startup — e, assim, não ocuparia mais dinheiro para gestão e investimento em múltiplos canais.
Riscos foram negligenciados e futuros, suprimidos
Devido à dependência de um único canal de aquisição e ao atendimento a uma única dor, facilmente os empreendedores passavam por sérios apuros. Mas, ancorados em capital abundante, é possível desenhar novas rotas. Dessa forma, um novo caminho para a startup e para o capital investido poderia ser facilmente idealizado.
Os riscos e a conjuntura econômica foram ferozes, em uma tempestade perfeita. Ou melhor: tempestade desesperadora. Isso porque os canais de aquisição de inbound foram insuficientes, e o canal de mídia paga se tornou o caminho mais comum — ambos passando a consumir capital de uma forma nunca imaginável.
Fuga do capital para mercados mais seguros
Diante de menores riscos e altas taxas de juros, o capital dos investidores profissionais migrou em boa parte para mercados mais maduros, considerados “seguros”. Em razão disso, as rodadas de investimentos não ocorreram conforme planejado.
O cenário econômico mundial fez com que muitos investidores profissionais optassem por não seguir investindo em startups. E, com isso, o caos se faz presente até hoje em muitas delas.
Futuros abreviados e demissões em massa
Em resumo: os canais de vendas passaram a ter altos custos, enquanto as alternativas de produtos para vender tornaram-se reduzidas. Com isso, sobrou para os empreendedores resolverem aquilo que lhes restou: empresas diluídas com vários sócios investidores, valuation baixo e margens inexistentes.
O desenho de novas rotas gerou demissões em massa (lay-offs). E, também, todo e qualquer custo que não fizesse parte da composição da existência das startups foi cortado. Em alguns casos, essas manobras não foram ou não serão necessárias, levando à falência e à extinção de empresas e empregos.
Evitar o churn é uma grande necessidade
Redução de custos não é suficiente para a sobrevivência das startups. Assim, a retenção dos clientes na carteira e pagando as mensalidades com uso efetivo, como transacionando em portais ou marketplaces, passou a ser vital. Afinal, conquistar novos clientes é muito caro.
Ações para evitar o cancelamento dos contratos e manter as receitas passaram a ser o alvo para manter a carteira, ao lado da opção de vendas de novos produtos. As áreas de pós-vendas, vendas farmer, customer success recebem toda atenção dos empreendedores que promovem campanhas de indicações em um novo canal de vendas de baixos custos. Com isso, métricas como NPS, C-SAT, CES, entre outras, agora fazem parte do dia a dia das empresas.
Prestação de serviços adicionais
Alternativas como a criação de serviços complementares que possam ocupar as equipes e evitar as demissões passaram a ser aceitas, até mesmo apenas para manter a atual carteira de clientes pagantes.
Os investidores profissionais agora aceitam que as empresas de SaaS detenham áreas de serviços complementares. Mesmo que atinjam uma máxima de 30% do faturamento das startups, isso não as descaracteriza. E, se os valores ocorrem a cada mês, hoje são incorporados integralmente ao valuation das startups.
Em suma, neste momento, faz ainda mais sentido, atender às necessidades dos clientes, agindo para que eles permaneçam pagantes, tendo assim a possibilidade de gerar Ebitda positivo depois de todas as reduções de custos efetuadas. E, além disso, é fundamental encontrar canais de aquisição mais baratos, contando com indicações de atuais clientes ou finders. Tudo isso pode garantir alternativas de sobrevivência às startups em tempos tão desafiadores.
* Fausto Reichert é Chief Revenue Officer (CRO) da PipeRun