* Por Carlos Tristan
Pode parecer papo furado, mas um dos primeiros pensamentos que me vieram à mente quando decidi criar a minha própria empresa foi: “quero que as pessoas que trabalhem aqui se sintam realizadas e felizes”. Esse era meu sonho.
Na época, eu tinha pouco mais de 25 anos e havia passado por experiências profissionais que me fizeram perceber que muitos dos meus colegas de trabalho se sentiam presos, desmotivados e não se viam representados ou ouvidos pela empresa. Por isso, tanto quanto o capital de giro, clientes e investimento em marketing, era fundamental que nos debruçássemos em cima da cultura que queríamos construir.
Quando falo em cultura, falo mais do que um escritório com pufes, videogame e cerveja no fim do expediente. Essas coisas podem sim ser atrativos para muitas pessoas, mas elas são uma parte muito pequena da expressão dessa coisa maior que chamamos de cultura corporativa.
Ela abrange todas as pessoas que fazem parte de uma empresa, dos C-levels ao estagiário, do fundador ao responsável pela faxina. E sem desmerecer a opinião e individualidade de nenhum dos envolvidos. Com isso em mente, quando decidimos realizar um rebranding da nossa marca, envolvemos diferentes colaboradores com diferentes perspectivas, em um processo cheio de trocas, conversas e escuta, muita escuta.
Quando você é o criador de algo, nesse caso de uma empresa, e se permite ouvir as pessoas que trabalham ali, sobre os sonhos delas para a companhia, o que elas enxergam para o futuro e o que para elas constituem esse negócio, você se dá conta de que cada um desses indivíduos é tão ativo no sucesso desse projeto quanto você.
Pode parecer algo óbvio, mas tenho minhas dúvidas se essa é uma prática tão comum e recorrente o quanto deveria ser na realidade de muitos executivos. Dito isso, o que descobrimos com essa experiência foi justamente um alinhamento entre a visão, missão e valores que constituíam a nossa empresa. A nossa cultura, por mais que não estivesse oficializada até então, existia informalmente no dia a dia de cada uma daquelas pessoas.
Passado um ano desse trabalho, nossa companhia mais do que dobrou de tamanho e número de funcionários, celebramos juntos os 5 anos de empresa e fomos surpreendidos com uma nova realidade que nos tirou o contato físico e nos deu o desafio de manter uma cultura tão jovem agora a distância. A solução escolhida, entre tantas notícias e manuais sobre gestão de pessoas, foi novamente: ouvir.
Ser um ponto de referência no ambiente de trabalho e entender quais ações devem ser tomadas para manter não só a produtividade, mas principalmente a saúde física e mental. Buscamos ferramentas, sistemas e estratégias diferentes para conseguir que todos estivessem confortáveis para falar, colocar seus pontos e sentirem segurança na empresa.
O momento pelo qual estamos passando nos traz uma série de obstáculos. O primeiro é o de não criar alardes. A crise existe, mas se a empresa está financeiramente saudável é preciso que os colaboradores saibam e confiem nas lideranças para atravessar esse momento.
A transparência é fundamental nesse processo e evita que os rumores se espalhem. Coisas simples e rotineiras como reuniões com toda a empresa para abrir os números, alinhar as expectativas e mostrar o desenvolvimento do negócio na prática ajudam a descentralizar as informações e deixar todos na mesma página.
Outro obstáculo é o distanciamento em si. A consultoria Grant Thorton, em parceria com a Fundação Dom Cabral, ouviu 705 profissionais no começo de abril e constatou que, a produtividade aumentou com o trabalho remoto. No entanto, 76% das pessoas que estão trabalhando em casa disseram sentir falta da interação com colegas de trabalho.
Como manter os rituais da empresa em dia e principalmente o onboarding de novos colaboradores sem o contato direto em uma empresa acostumada com a proximidade e troca entre as pessoas? É importante que as equipes tenham momentos de descontração e interação que não seja voltada ao trabalho.
A empresa dos sonhos não é uma empresa. Ao menos não é só uma empresa. Como empreendedor, temos que ter claro o entendimento de que o colaborador dedica muito tempo de seu dia para o trabalho. Não estou falando apenas sobre cuidar de um time de profissionais engajados, mas sim de dar a eles recursos também para a realização pessoal. Talvez, essa seja a parte mais importante. Quando decidi empreender, tinha clara essa missão. Queria construir um negócio que fosse bem sucedido, é claro, mas principalmente que fosse um lugar em que as pessoas tivessem orgulho em trabalhar. Agora, mesmo distante, esse sonho segue mais forte do que nunca.
* Carlos Tristan é cofundador da Squid.