*Por Fausto Reichert
O mercado SaaS está em constante evolução. E, neste ano, em especial, tem apresentado desafios inéditos para a área de crescimento das empresas (o famoso growth). Pesquisas e relatórios de fundos de investimento que acompanham o mercado — como Iconiq Capital, Bessemer Venture Partners e Valor Capital — identificaram alterações importantes, sobretudo nos indicadores-chave, revelando distorções de visão de crescimento, demanda, custos e investimentos. Os resultados, desta vez, não fogem do que é evidenciado no mercado brasileiro.
O mercado chegou a criar o termo “inverno das startups”. Foi quando boa parte das empresas de SaaS passaram — e algumas ainda estão neste momento — por dificuldades na captação de novas rodadas de investimentos. Tiveram uma reavaliação de seus valuations, com alto percentual de descontos, somada a novas exigências de resultados positivos em EBITDA, baixos custos operacionais e alta margem bruta. Agora, com as pesquisas, contamos com novos benchmarkings para que os empresários possam avaliar seus negócios.
Os indicadores tradicionais — como NRR, CAC e GRR —, embora continuem relevantes, precisam ser interpretados com cautela neste novo cenário. Em razão disso, trago algumas ideias para que todos possam analisar no seu contexto, visto que cada empresa e cada nicho podem ter uma realidade distinta:
NRR – Net Revenue Retention (Retenção de Receita): a taxa de retenção da receita antes possuía sua expectativa acima de 120% a cada mês. Ou seja, tinha-se a previsão de que os clientes da carteira comprassem mais do mesmo produto (upsell) ou adquirissem um segundo produto (cross sell). Com isso, os valores referentes às perdas das mensalidades das contrações ou cancelamento de contratos (churn) acabavam, por si só, fazendo com que a empresa, mesmo com as perdas, acabasse por crescer.
Neste momento, vê-se uma redução da expectativa neste indicador. Mesmo que as empresas de SaaS sigam investindo em novos e melhores produtos e, principalmente, tenham aumentado as equipes de acompanhamento dos clientes na busca pela excelência no uso e nos resultados com seus produtos, uma taxa com 105% já é considerada excelente.
CAC – Customer Acquisition Cost (Custo de Aquisição de Clientes): sobre a expectativa de investimentos em marketing e vendas, os valores eram apenas limitados ao caixa, desde que dentro de períodos de 18 até 24 meses — ou seja, dentro do período de cada nova captação financeira. O resultado era medido em múltiplos de crescimento da receita recorrência (MRR) no período total. Em outras palavras, isso ocorria quase a qualquer custo, com um indicador nem sempre verdadeiro. O tempo de vida do contrato pagante (LTV) deveria ser um simples múltiplo, desde que superior a três vezes o custo total da sua aquisição.
O considerável aumento dos custos com mídias pagas (ADS), devido ao aumento da concorrência no âmbito digital, onde todos estão buscando pela atenção de seus clientes alvos, faz com que os leilões de palavras-chave e espaços em feeds cresçam ano após ano. Em alguns mercados verticais, os custos já chegaram ao limite de saturação de preço diante do custo máximo com mídia retornável (ROAS).
A realidade dos times de marketing, vendas, growth e receitas é agora uma briga ferrenha para que seus investimentos retornem, dentro do período máximo de 12 meses, com os valores das mensalidades recorrentes recebidas no período. E, também, que o LTV seja agora, superior aos múltiplos de 3 para garantir retorno (EBITDA).
GRR – Gross Revenue Retention (Margem Bruta): a margem bruta, perante o faturamento da empresa e seus custos básicos de manutenção, podia chegar a 50%. Isso porque eles eram totalmente subsidiados pelo caixa robusto das captações, mas a realidade mudou muito. A margem para se chegar a um modelo saudável em SaaS agora é acima de 70%. Isso fez com que as equipes de infraestrutura, suporte, implantação e customer success fossem repensadas, assim como suas ferramentas, equipamentos e fornecedores. A cadeia de valor do mercado foi completamente alterada.
Se a redução de custos é necessária e a permanência do cliente é ainda mais importante, todos os itens que compunham esses custos foram ou estão sendo reavaliados por muitas empresas do setor. Já fica evidente que, em diversos casos, os maiores cortes ocorreram nos times de atendimento e sucesso. Às vezes, para atender às dúvidas básicas dos clientes, a IA foi a solução encontrada para substituir o capital humano. Porém, grandes empresas de infra também sentiram o peso das negociações e renovações contratuais.
No mercado americano, o mercado de software responde por 2% do PIB — sem contar todo o segmento de tecnologia. No Brasil, todo o setor de tecnologia reunido não atinge 1%. Assim, fica evidente o grande potencial de crescimento a ser explorado por aqui. Isso deverá ser impulsionado pela digitalização das pequenas e médias empresas, maioria no país e que passaram a buscar por soluções de software que lhes garantam maior eficiência operacional e tornem mais escaláveis seus modelos de negócios.
No entanto, ainda que aqui seja um mercado promissor, temos alguns pontos importantes a serem tratados de forma adequada para uma política transversal e estratégica, tais como:
Investimento governamental em educação: é evidente a carência na formação de novos talentos para o segmento de software, o acrônimo de STEM (Science, Technology, Engineering, and Mathematics, ou Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática). Para isso, falta um maior investimento e melhor qualidade na formação nacional.
Concorrência por talentos: algumas entidades de classe relatam desafios da concorrência internacional que busca mão de obra no país para atuar de forma remota. Ou, mesmo, na contratação do conhecido BPO por projetos de exportação de tecnologias gerais — os quais acabam por levar muitos profissionais a trabalhar diretamente para empresas do mercado externo. Em alguns casos, para produtos que serão posteriormente vendidos aqui no Brasil.
Evasão fiscal: ocorre sonegação de impostos pelas empresas locais, que acabam por contratar produtos SaaS de multinacionais. Não efetuam o recolhimento dos impostos de importação de software como serviços. Há casos extremos, com compras realizadas com cartões de pessoa física, em que apenas a tributação do IOF fica explícita, tendo em vista que não há o transporte de uma mercadoria e um simples acesso de login se faz necessário. Por isso, é bastante complexo para o governo fiscalizar e, muitas vezes, tudo isso é feito simplesmente pelos empresários locais desconhecerem a legislação tributária em vigor.
As tendências de investimento em empresas SaaS estão em constante evolução. As principais tendências tecnológicas atuais incluem:
Foco em soluções específicas para segmentos de mercado: os investidores estão buscando empresas SaaS que ofereçam soluções específicas para segmentos de mercado (nichos). Exemplos disso são as startups verticalizadas, que atuam em saúde, educação e agronegócio.
Empresas com modelo de negócios escalável e sustentável: cada vez mais, as startups são procuradas por interessados em empresas com um modelo de negócios escalável, que possam gerar retornos no longo prazo, mas que demonstram experiência ou capacidade do time na execução de um crescimento sustentável.
Empresas com forte tração no mercado: os negócios que já possuem um número significativo de clientes e receita, que possam comprovar seu PMF (Product Market Fit, ou Produto Validado no Mercado), tendem a atrair mais investimentos. Para isso, devem provar os unit economics, ou indicadores econômicos controláveis.
Empresas com potencial de crescimento internacional: não menos importante para os investidores são as empresas que detenham ou que já nasceram com evidente potencial de crescimento internacional e que possam competir em mercados globais. Isso porque mais facilmente serão vistas com alto potencial de “saída”. Ou seja, quem investe já pensa no retorno sobre a venda da sua participação acionária — seja por um M&A ou IPO.
Inteligência artificial e machine learning: Empresas de SaaS que utilizam efetivamente e que detenham conhecimento específico em uso e comercialização de produtos com inteligência artificial e machine learning tendem a alcançar melhor visibilidade e atrair o interesse dos investidores.
Para fechar o tema com duas grandes provocações, trago novidades que estarão, em pouco tempo, se tornando métricas populares para empresas de SaaS no Brasil. Aquela antiga regra para todos os gastos perante a receita, conhecida pelo 40/40/20/20, também pode estar com os dias contados. Ao analisar as últimas pesquisas e empresas listadas em bolsa, facilmente encontramos métricas diferentes:
P&D – Pesquisa e desenvolvimento: tem 40% de expectativa, mas a realidade do mercado é uma operação com 26% da receita.
S&M – Vendas e Marketing: busca-se um percentual de 40%, e o realizado com a realidade do custo de aquisição é de 48%, já posicionado na realidade do alto custo de aquisição (CAC).
COGs – Custo de Produto Vendido: com os altos investimentos em retenção e crescente custo de infraestrutura, saiu da base de 20% para a realidade de 28%. É acima da expectativa e não representa a expectativa e das reavaliações de valuation que estão ocorrendo neste momento.
G&A – Gestão e Administração: os custos de 21% têm o número mais próximo da tese de 20%. Mas, mesmo assim, 1% acima do previsto.
E a última, para realmente fechar com chave de ouro, será o impacto no uso da IA no que tange à expectativa de crescimento e margem de lucro. Entra em jogo aqui a boa e velha “regra dos 40” que está com seus dias contados, e logo já vou explicando para quem ainda não é familiarizado com ela:
Regra dos 40%: entende-se que a soma do % de EBITDA com o % de crescimento de uma empresa de SaaS deve fechar em 40%. Ou seja, se crescer a uma taxa de 20%, espera-se que tenha também um EBITDA de 20%. Assim, será considerada uma empresa sustentável. Da mesma forma, quando um desses percentuais estiver acima, automaticamente o outro deve ser reduzido. Uma startup que cresça 60% pode até ter um prejuízo de 20% em sua rentabilidade e, ainda assim, será bem avaliada.
Regra dos 60%: com o advento da IA e suas grandes alterações no mercado de SaaS, tudo em andamento exponencial neste exato momento, os mais visionários já preveem que a regra dos 40% irá dar lugar à regra dos 60%, tornando o mercado ainda mais rentável e atrativo. A expectativa é de que, com o uso da IA, haverá uma brutal redução de custos e alteração do modelo de negócios de licenças de uso para custo efetivo por uso, alguns casos por interações. São fatores que devem alterar por completo os resultados de muitas empresas e fazer sucumbir outras que não se adequarem à nova realidade.
Como podemos ver, há muitas novidades para melhorar ou assombrar algumas empresas de SaaS. Mas, com a alta capacidade e adaptabilidade do empresário brasileiro, certamente alternativas, inovações e novos modelos de negócios estão em desenvolvimento neste exato momento. Assim, espero que todos possam crescer, gerar novas empresas e garantir um Brasil melhor para todos.
*Fausto Reichert é Chief Revenue Officer (CRO) da PipeRun
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