Por Bruna Galati
Em 2005, aos 77 anos, o Professor Sérgio Mascarenhas – físico e químico e fundador do Instituto de Física e Química da Universidade de São Paulo (IFSC/USP) – foi diagnosticado com hidrocefalia, doença que provoca acúmulo de líquido em cavidades do cérebro. Mascarenhas fez uma cirurgia cutânea para implantar uma válvula que drena o excesso de líquido e retornou a sua vida normal. Após passar pelo procedimento invasivo, se questionou se era possível mudar a realidade de tratamentos como esse. Então, realizou experimentos que provaram que o crânio é expansível e que essa deformação pode ser captada por fora.
Depois de 4 anos de pesquisa, com o apoio da Fapesp, o professor desenvolveu o método brain4care, único procedimento não invasivo do mundo, sem necessidade de cirurgia, capaz de acessar a morfologia do pulso da pressão intracraniana (PIC) e sua tendência ao longo do tempo. Essa inovação, além de auxiliar os médicos na predição de patologias e no acompanhamento de pacientes em quadros, como AVC, hidrocefalia, trauma, meningite, entre outras doenças, abre caminho para estabelecer na medicina um novo sinal vital.
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Anos mais tarde, em 2014, para transformar essa descoberta em uma solução para a saúde, Mascarenhas se uniu a ex-alunos e empresários para desenvolver a tecnologia e fundar a startup brain4care. A liberação da tecnologia pela Anvisa, no Brasil, aconteceu em 2019, e pelo FDA (Food and Drug Administration, a agência reguladora de saúde dos Estados Unidos) em 2021.
Atualmente, a tecnologia brain4care encontra-se em utilização comercial em mais de 60 hospitais e clínicas no Brasil, e conta com mais de 60 publicações científicas de estudos realizados em centros de referência, como USP, Unifesp, Universidade do Porto e Cleveland Clinic. A solução já impactou mais de 20 mil pessoas.
Brain4care impacta vidas
Em 2017, a brain4care foi uma das sete startups – e única brasileira – aceleradas pela Singularity University. Além disso, foi finalista do Global Grand Challenge Awards by Singularity University, reconhecida pelo uso da tecnologia exponencial para impactar positivamente a vida das pessoas em escala global. Durante a estada na Singularity University, a equipe da Brain4Care recebeu validação de neurologistas proeminentes da Universidade de Stanford. O CEO da startup, Plinio Targa, compartilha: “Eles nos disseram que tornamos o sinal vital neurológico, anteriormente inacessível, acessível. Ficamos empolgados com as possibilidades. Disseram que iríamos impactar um bilhão de pessoas com a nossa solução.”
Mas o surgimento da brain4care não foi uma jornada fácil, especialmente porque a startup tem uma base científica. De início, a equipe estava mais voltada para a pesquisa técnica do que para a gestão de um negócio. A dificuldade começou na transição da descoberta científica para o mundo empresarial, que envolveu a obtenção de financiamento para transformar suas pesquisas em produtos reais.
“Em 2016, o professor pediu minha ajuda e a do Carlos Bremer para o desenvolvimento do negócio, desenvolvemos um plano e começamos a botar em prática. Aceitamos o desafio, começamos a estudar a área, uma vez que somos de engenharia, e contribuímos com um pouco de capital. Entendíamos que a descoberta era relevante e resolvemos ajudar”, afirmou o CEO da startup Plinio Targa.
A visão estava estabelecida: a brain4care se tornaria a primeira healthtech do mundo a transformar a pressão intracraniana em um sinal vital comum acessível a todos. Para alcançar isso, eles precisavam de um plano robusto e de uma equipe com expertise diversificada. “Criamos um plano abrangente para os próximos quinze anos. Os primeiros cinco anos foram cruciais, envolvendo a transformação de nosso produto mínimo viável em uma tecnologia do século XXI – um sensor com um aplicativo amigável, capacidades de nuvem, inteligência analítica e independência das estruturas hospitalares.”
Para executar esse plano, a brain4care precisava de recursos. “Para tornar a solução uma startup era necessário ter investimento. Iniciamos discussões com potenciais investidores do Brasil e do exterior. No entanto, a maioria queria comprar nossa patente ou controlar mais da metade de nossa startup. Isso não estava de acordo com nossa visão.”
A abordagem alternativa foi se envolver com empreendedores brasileiros que tinham tanto os recursos quanto o desejo de serem pioneiros nessa solução transformadora. Plinio explica: “Propusemos a eles a oportunidade de dar o primeiro passo para estabelecer um novo sinal vital para a humanidade. Estabelecemos um fundo offshore no formato global padrão, que não cobrava taxas de desempenho. Em vez disso, compartilhava os custos. Através desse fundo, arrecadamos US$ dezessete milhões nos primeiros cinco anos e lançando as bases para a brain4care.”
Solução inovadora
Hoje, a brain4care desenvolve e oferta tecnologia pioneira de monitorização não invasiva de variações de pressão e complacência intracraniana. Isso é feito por meio de um dispositivo wearable (um sensor posicionado na cabeça do paciente com uma banda de fixação), conectado via internet a uma plataforma analítica, que fornece em poucos minutos informações adicionais que qualificam o diagnóstico, orientam a terapêutica e indicam a evolução de distúrbios neurológicos.
“Com um simples toque na cabeça, o sensor gera dados traduzidos em parâmetros que indicam se um paciente está progredindo ou deteriorando. Nosso aplicativo permite que os médicos interpretem esses resultados, mantendo sempre a clínica e o médico na vanguarda do cuidado com o paciente”, afirma o CEO.
O sistema de monitoramento neurológico pode ser aplicado a uma ampla gama de pacientes com distúrbios neurológicos, desde traumatismos cranianos até tumores cerebrais e derrames. Esse sensor também é importante em cirurgias cardíacas, por exemplo, porque os pacientes frequentemente enfrentam riscos neurológicos devido à necessidade de manter o fluxo sanguíneo cerebral constante, e como eles não podem fazer procedimentos invasivos após a cirurgia delicada, a solução da startup é recomendada.
Para ter acesso a solução da brain4care, os hospitais e clínicas pagam uma mensalidade, que Plinio associa com o plano mensal da Netflix. O valor por equipamento é de cerca de R$ 5 mil por sensor e os médicos recebem todo suporte e ensinamento para usar o aparelho. A startup tem sede em São Carlos, um escritório em São Paulo e uma subsidiária em Atlanta, nos Estados Unidos para apoiar a expansão internacional. O próximo passo da startup é expandir a solução para os Estados Unidos e para a Europa.
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