Marc Andreessen, fundador da Netscape e co fundador da a16z, fundo de venture capital do Vale do Silício, diz que o mercado é o fator mais importante para o sucesso ou para o fracasso de uma startup: “quando um time excepcional encontra um mercado ruim, o mercado vence. Quando um time não tão bom encontra um mercado enorme, o mercado também vence”.
O alinhamento perfeito entre produto e mercado é essencial para uma startup ter sucesso, ou seja, se uma startup focar em um mercado que realmente precisa de um produto ou serviço, mesmo que se cometam muitos erros estratégicos e táticos, a chance de triunfo, ainda assim, é enorme.
De nada adianta ter um time sensacional e uma execução impecável, se o mercado não estiver maduro para receber esse produto, e sem que exista uma grande oportunidade com uma demanda significativa e escalável, a startup dificilmente conseguirá investidores. Aqui vale fazer uma exceção importante: startups com produtos que envolvam pesquisa e desenvolvimento não se encaixam nesse conceito, afinal, buscam capital exatamente para desenvolvê-lo.
A validação que demonstra que um produto ou serviço está sendo aceito pelo mercado, é o que chamamos de product-market fit. Esse ajuste do produto ao mercado é um processo de identificação de uma hipótese de valor convincente, somada a uma tentativa de articular a suposição de que um cliente, provavelmente, usará este produto ou serviço. Por isso, se a startup não entender exatamente qual o problema que está querendo resolver, é muito difícil criar a solução, ou melhor, o produto.
Um exemplo de ajuste de produto ao mercado, onde a startup acabou endereçando um problema completamente diferente é a empresa PayPal, que quase quebrou ao apostar no desenvolvimento de software para criptografia focado em dispositivos móveis corporativos. Eles até acertaram no produto, mas erraram feio no tempo de mercado, pois apesar de ser uma tecnologia que se provou importante, ninguém precisava dela em 1998. Depois de pivotar pelo menos umas 6 vezes, a PayPal achou o seu ajuste de produto ao mercado, tornando-se uma plataforma de transferência de dinheiro. Foi comprada pela eBay por US$1,5 bilhão em 2001 e abriu capital em 2002.
Quer um exemplo bem mais próximo? É só lembrar a dor de cabeça que é quando o aplicativo do whatsApp não funciona (ou é bloqueado) por algumas horas. Ninguém consegue ficar sem (pelo menos não aqui no Brasil). Apesar do seu modelo de monetização ainda estar passando por ajustes e incrementos, o WhatsApp possui clientes mais do que fiéis, é quase uma empresa de utilidade pública. Foi comprada pela Meta por US$ 19 bilhões, mais de US$ 40 por usuário, em 2014.
É fácil entender quando o ajuste do produto ao mercado não está indo bem: os clientes não percebem o valor do produto ou do serviço oferecido, o número de usuários demora para aumentar, não existe crescimento orgânico e o ciclo de vendas leva muito tempo.
Já, a sensação de que o ajuste do produto ao mercado está no caminho certo, tem sintomas claros, mas multidimensionais que precisam ser analisados em conjunto. Por exemplo, o simples aumento da receita pode levar a conclusões equivocadas, pois, por si só, não pode ser tomado como uma validação do ajuste do produto ao mercado. Indícios comerciais e comportamentais precisam ser somados ao resultado financeiro, e a vontade de resolver o problema é um gatilho fundamental para chegar lá.
Alguns sinais clássicos de “oceano azul”, ou seja, de que o mercado está pronto e aberto para o seu produto:
Crescimento orgânico e retenção de clientes
O primeiro dever de casa para ter sucesso no ajuste de produto ao mercado é saber quem é o seu cliente. A análise do ICP, Ideal Customer Profile, ou seja, o perfil do cliente ideal, é o começo de toda estratégia de criação e venda. Isso porque saber quem, exatamente, é o seu cliente e qual o uso específico que ele faz do seu produto, faz com que a sua startup se posicione da melhor maneira para ter sucesso.
Não esqueça, porém, que o seu cliente e o caso de uso do produto mudam constantemente, junto com as outras variáveis conhecidas para a aquisição do cliente. Toda a estratégia de posicionamento de mercado e marketing depende deste posicionamento e precisa se adaptar de forma ágil. Manter um crescimento orgânico é um indício fortíssimo de ajuste do produto ao mercado, e a métrica mais usada é obter mais de 100 inscrições por dia.
Outro resultado muito importante para ajudar a determinar se você alcançou o ajuste do produto ao mercado, é quando o cliente se mantém ativo, ou usa o serviço de forma recorrente, ou seja, está engajado. O esperado é que, pelo menos, 30% destes clientes permaneçam ativos no dia seguinte à adoção. Quando você tem um número grande de clientes que não retornam, isso mostra que o ajuste de produto ao mercado não está indo bem.
Essa é a hora de reavaliar premissas e, provavelmente, repensar o produto e seus fundamentos. Independentemente da causa, se o seu cliente vai embora com facilidade, não dá para gastar muito para adquirir o cliente, nem com promoções de marketing, até porque os recursos de capital são, normalmente, bem limitados. É preciso reavaliar o seu tipo de cliente e continuar a executar experimentos de mercado não escaláveis, até que se encontre um ambiente favorável para o sucesso.
Evidências de engajamento
É sempre um excelente sinal ter clientes que voltam a comprar o seu produto, não é? Pois bem, Andrew Chen, sócio do a16z, indica uma métrica de uso de, pelo menos, 3 dias por semana para produtos com foco no consumidor e/ou uma taxa de conversão de 5% do modelo gratuito para o pago no SaaS, por exemplo.
Busque parâmetros adequados e atualizados para o setor da sua startup e, se não achar nada específico, controle os dados você mesmo e analise se existe uma tendência de uso e crescimento. A ideia aqui é perceber se o mercado parece estar ansioso pelo produto oferecido.
Retorno do CAC dentro de 6 meses e LTV/CAC superior a 3
CAC – Customer acquisition cost, ou custo de aquisição do cliente.
LTV – Customer Lifetime Value, ou valor do ciclo de vida do cliente.
Agora que a gente já lembrou destes dois conceitos, vamos entender melhor porque são itens importantes para o ajuste do produto ao mercado.
O tempo de recuperação do valor que foi gasto para conquistar um cliente, ou CAC (customer acquisition cost), é muito importante porque determina quanto dinheiro a startup precisa para crescer. O resultado desta métrica indica o número de meses que se leva para recuperar, em termos de caixa, o valor investido na aquisição de um novo cliente. É aqui que a gente consegue identificar quanto tempo, em média, um cliente leva para gerar lucro para a empresa.
Assim, se os clientes demoram um ano inteiro até que o seu custo de aquisição seja pago, para que comece a ter lucro, a startup terá que esperar mais de um ano para poder reinvestir esse valor gasto na aquisição. Ou seja, a necessidade de capital de giro acaba sendo grande.
Por outro lado, se o CAC é recuperado imediatamente, como por exemplo quando se vende um setup de produto que inclua uma margem financeira, ou mesmo uma cobrança de taxa anual antecipada, o valor pode ser reinvestido na aquisição de novos clientes, sem que haja a necessidade de mais investimento externo, ou mesmo corte de custos. Este é um movimento que reduz a diluição dos fundadores e favorece o aumento do número de usuários, um índice importante para a avaliação financeira da startup.
Mas, qual é o tempo ideal de recuperação do CAC? Bom, esse valor é calculado com base no custo de capital para os investidores de capital de risco. Por isso, nos mercados mais desenvolvidos, onde o capital é abundante, cerca de doze meses é uma média aceitável.
Como no Brasil o custo de capital é maior, o tempo de recuperação precisa ser menor. Apenas como parâmetro, a pesquisa Brazil SaaS Landscape 2017 mostra que, 60% das empresas participantes recuperaram o seu CAC em menos de 6 meses. Certamente esta não é uma métrica que deve ser analisada de forma isolada, o importante é entender o momento em que a startup está, e se os custos estão acompanhando esses planos.
Já o LTV é o valor do lucro projetado por cliente. Ou seja, é o resultado financeiro que um consumidor vai gerar para a startup durante o tempo em que ele permanecer como tal. As empresas de maior sucesso mantêm esta razão em, pelo menos, 3 para 1, ou seja, um retorno 3 vezes maior do que o valor investido na aquisição do cliente.
Se esta métrica estiver baixa, é provável que a sua startup ainda esteja no caminho do ajuste do produto ao mercado, e certamente ainda não chegou lá, mas cuidado para não cair na armadilha de desistir do cliente cedo demais.
Satisfação de clientes e a decepção dos usuários se o produto não estiver mais disponível
Uma coisa é ter clientes satisfeitos e atingir métricas altas de fidelidade, como o que é medido pelo NPS, ou net promoter score. Outra é ir atrás e entender o real valor sendo criado para os seus consumidores. O NPS ajuda muito, mas também é importante olhar para outras métricas de negócios relacionadas ao seu produto, principalmente aquelas que mostram como ele soluciona a dor dos seus clientes.
Em outras palavras, é preciso medir o que se chama de value to market , ou seja, ter uma melhor percepção do valor agregado que é entregue para o consumidor. Afinal, a satisfação do cliente não pode ser um sentimento, mas sim um resultado objetivo. Aqui temos um conceito que pode parecer contra intuitivo… é preciso entender qual o motivo que leva um cliente a não deixar de usar o seu produto e investir nele.
Sean Ellis, coautor do livro Hacking Growth, tem um conceito bem interessante para o ajuste de produto ao mercado. Ele acredita que se, pelo menos, 40% dos usuários disserem que ficariam muito desapontados se seu produto não existisse mais, isso provavelmente significa que a startup está perto de atingir o ajuste de produto ao mercado. Estes indícios aparecem quando os clientes realmente precisam do produto.
O próximo passo, depois de chegar no ajuste de mercado, é capturar o valor específico e tangível que está sendo criado e aumentar a receita da startup. O truque é repetir esse sucesso muitas vezes, com diferentes produtos e serviços, sempre olhando para as oportunidades de receita incrementais. Assim, a sua startup vira uma “maquininha” escalável de produtos de sucesso, podendo escolher investir naqueles que trazem a melhor margem, receita adicional e eficiência.
Capricha aí que a gente se encontra pelo caminho!
Carol Strobel é Sócia fundadora da Antler no Brasil e sócia operacional da Redpoint eventures, com mais de 20 anos de experiência em investimentos em tecnologia, construção de negócios e projetos de transformação digital. Foi diretora da Intel Capital para a América Latina por mais de uma década e diretora de inovação de empresa de capital aberto. Consultora digital reconhecida e conselheira de empresas de capital aberto.