Por Bruna Galati
Apenas 20% das pessoas que fundaram startups no Brasil são do sexo feminino, afirma o Mapeamento do Ecossistema de Startups de 2022, realizado pela Abstartups em parceria com a Deloitte. Dessas, nem 3% levantaram fundos de Venture Capital. E algumas investidoras-anjo brasileiras querem mudar esse cenário.
Erica Fridman e Flávia Mello observaram essa lacuna de equidade de gênero na inovação e nos aportes e entenderam que não era um problema apenas entre as fundadoras, mas também nas mesas de rodadas de investimento em startups iniciais, uma vez que só 13% eram mulheres, segundo a Anjos do Brasil.
“Olhamos para esses números, nos desafiamos a contribuir para a solução desse problema e criamos a Sororitê, uma rede de investidoras que pretende reunir e engajar mulheres dispostas a investir em startups em estágio inicial fundadas por outras mulheres”, explica Flávia, que diz que a rede é baseada em pesquisas que comprovam que mulheres são mais propensas a investirem em outras mulheres.
A rede foi criada em abril de 2021 e já reune mais de 80 investidoras que, juntas, aportaram mais de R$ 4 milhões em 12 startups femininas. “Muitas das investidoras assinaram o primeiro cheque conosco e isso só comprova como existe um espaço realmente interessante para trabalharmos mais a inclusão de gênero, do lado do investidor que consequentemente vai traduzir em mais mulheres sendo capitalizadas como fundadoras”, afirma a fundadora.
Mas além de aumentar a representatividade feminina no ecossistema, a Sororitê foi lançada com o objetivo de quebrar esse ambiente predominantemente masculino e masculinizado. “Isso quer dizer que há grupos de anjo com filosofias muito agressivas, intimidadoras e violentas para avaliar startups. Participei de algumas reuniões em que investidores falavam que o empreendedor tinha que tomar porrada e passar por situações de certa forma humilhantes. Não acreditamos nisso, então abrimos um lugar que fosse mais inclusivo, tanto para a investidora se sentir à vontade para participar, quanto para a fundadora se sentir acolhida nesse processo difícil de captação”, explica Flávia.
Início sem mar de rosas
Sair de um emprego tradicional e empreender no início de 2021 foi um desafio para Flávia, mas ela buscava o sentido do que está fazendo. “Eu particularmente, quanto mais ouvia sobre o tanto de opressão que a mulher passava na sociedade, com todas as camadas adicionais de opressão como raça e classe social, mais me dava conta de que para mim fazia muito sentido dedicar minha carreira para contribuir para a correção dessas injustiças. Além disso, também existia o entendimento de uma oportunidade de negócio negligenciada pelos investidores tradicionais por desconhecimento ou preconceito”, explica sobre o surgimento da Sororitê.
A maior dificuldade no início de seu empreendimento foi não encontrar suporte e espaço onde ela se sentia acolhida e onde as suas dúvidas seriam bem-vindas, e sentia que os espaços que existiam eram bem intimidadores. “Se eu tivesse a Sororitê na época que comecei, teria sido melhor, mas sorte que criei logo no início quando senti que precisava desse espaço com outras mulheres para me conectar, falar de negócios e ter investimento-anjo”, completa.
Começo como investidora-anjo
Flávia Mello se formou em marketing e atuou em diversas agências de publicidade. Após anos cuidando de grandes marcas e startups do Brasil e exterior, percebeu que não tinha ideia de onde as mulheres fundadoras de startups estavam, o que elas faziam, quais startups estavam construindo e como ela poderia ajudar esse ecossistema. A curiosidade abriu portas para que ela conhecesse mulheres criando produtos e soluções incríveis.
“Uma das startups que conversei e me engajei, me chamou para ser investidora-anjo quando ela abriu captação e eu nem sabia se podia ser investidora-anjo. Para mim era muito distante e eu mal sabia o que era investimento, então foi um convite que abriu meus olhos e me fez entender que existia essa possibilidade de aporte”, compartilha Flávia sobre seu papo com a Rafaela Frankenthal, fundadora do SafeSpace, um software para empresas que tem uma inteligência artificial de compliance para identificar má conduta dentro do trabalho.
A publicitária se encantou pelo ecossistema e queria ver mais do mundo das startups e como não era possível empreender em todos negócios que tivesse interesse, entendeu que poderia se juntar a esses projetos através do investimento-anjo.
Investimento no DNA
Em 2011, Maria Rita Spina foi convidada pelo seu irmão – Cassio Spina, fundador da Anjos do Brasil – para ajudar em um projeto dentro do ecossistema de startups. “Fui me envolvendo e me apaixonando pelo ecossistema de investimento e startups. Depois de 2 anos, essa passou a ser minha atividade principal.”
Por 11 anos atuou como Diretora Executiva da Anjos do Brasil, nos quais pode contribuir para a construção do mercado e atualmente faz parte do Conselho da Anjos do Brasil, assim como da Artemísia e da Rede Mulher Empreendedora.
Em 2013, fundou o MIA – Mulheres Investidoras Anjo, para fomentar a presença de mulheres investindo e fundando startups. Os temas de diversidade e impacto são pontos fundamentais na sua atuação. “Trazer visibilidade para as mulheres que já investem em startups, desmistificar o volume de capital necessário e facilitar a conexão de mulheres que querem começar a investir são exemplos de ações simples, mas que tem resultado para aumentar o número de investidoras mulheres”, afirma.
Para Maria Rita, o investimento em startups é uma atividade efetuada em conjunto, com troca de informação e coinvestimentos fundamentais para o sucesso de um aporte. A MIA surgiu com o objetivo de facilitar esse processo e tornar o investimento viável para que existam mais mulheres investidoras. “Esse é um ponto chave para o desenvolvimento e crescimento do mercado, pois agrega mais capital e também mais diversidade de análise e de pontos de vista tanto para a seleção das startups quanto para o apoio ao negócio pós-investimento”.
Como aumentar os investimentos em startups lideradas por mulheres?
De acordo com o Boston Consulting Group, cada dólar recebido por uma mulher fundadora ou cofundadora gera mais receita que o mesmo dólar nas mãos de um fundador homem. Para cada dólar de investimento levantado, as startups gerenciadas por mulheres geraram 78 centavos de receita, enquanto as startups gerenciadas por homens geraram apenas 31 centavos. Mas por que os números de investimento em startups lideradas por mulheres ainda são baixos e como mudar esses resultados?
A investidora-anjo vê dois pontos chave, o primeiro é a conscientização por parte dos investidores de que os dados e pesquisas apontam resultados melhores nos investimento em startups que tenham mulheres entre seus fundadores. O segundo é a preparação dos processos de seleção das redes de investimento anjo para evitar os vieses que excluem startups lideradas por mulheres. “Esse trabalho tem resultados incríveis, como se vê nos da Anjos do Brasil, pois, das 30 startups investidas pela rede em 2011, mais de 50% tinham fundadoras mulheres.”
O mercado ainda precisa entender que diversidade no investimento agrega valor para todas as atividades, e o investimento-anjo é uma das mais beneficiadas com o aumento da participação feminina, pois seu conceito embute o smart money, e pessoas diferentes ajudam com experiência, conhecimento e conexões variadas, fundamentais para negócios como startups que atuam em ambientes de incerteza. “Colocar métricas de diversidade e buscar intencionalmente profissionais que possam tornar a equipe de investimento mais diversa é chave. Outro ponto relevante é o comprometimento da alta liderança do fundo com o tema e a disponibilidade para compartilhar poder de decisão.”
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Diversidade como chave do negócio
Itali Collini, diretora da Potencia Ventures, também acredita que construir um portfólio mais diverso no time de investimento é fundamental para aumentar os índices de aporte em startups distintas. A mais recente aposta da Potencia Venture – grupo global de investimento de impacto -, é na construção de portfólio, com o programa Potencia UP, voltada para empreendedores diversos como mulheres, pessoas negras, da comunidade LBGTQIA+, pessoas com deficiência, periféricas ou 60+.
O programa vai selecionar 20 startups com impacto em educação ou empregabilidade que tenham, pelo menos, um MVP (mínimo produto viável). Durante um ano, todas as empresas passarão por uma comunidade de benefícios e integração para construção de capital financeiro, intelectual e educacional, incluindo aulas de inglês, mentorias coletivas e individuais, conexão com investidores e apoio na estruturação da rodada. Durante o período, a Potencia elegerá cinco delas para investimento de cheques de até US$ 100 mil, a depender da necessidade da startup.
Itali começou na empresa em janeiro de 2022 e compartilha que foi uma grande felicidade poder trazer a visão dela de diversidade e inclusão no ecossistema de startups para um fundo pioneiro de investimento de impacto. “Quando comecei minha carreira, trabalhei em áreas mais rígidas e tradicionais do que o mercado de investimento em tecnologia e isso impunha desafios culturais, até mesmo situações de discriminação explícita, foi nesse momento que resolvi virar investidora-anjo e investir na diversidade. Como a Potencia Ventures é um grupo de investimento focado em negócios de impacto social nos setores de educação e empregabilidade, a tese e a cultura fazem muito sentido com meus valores.”
No entanto, a diretora compartilha que os desafios de ser mulher no mercado de investimento continuam em alguma escala e para mudar isso, o segredo é mostrar para as mulheres que há opções dentro do mercado para elas, além de mudar o mindset dos investidores e do mercado como um todo. “A nossa luta para ocupar espaços começa a dar frutos e o sucesso de mulheres investidoras e empreendedoras encoraja outras mulheres a trilhar esses caminhos, por isso é tão importante dar visibilidade para aquelas que têm feito um bom trabalho.”
Por fim, Itali compartilha a sua maior dica como investidora, para inspirar mulheres a entrarem no ecossistema: “aprenda junto com outras mulheres e busque oportunidades de negócio que você acredita como pessoa e profissional”. Ela lembra que é essencial estudar o produto ou serviço da investida, se há público-alvo e mercado apto a aderir à solução, se a forma de monetização é plausível e se tem inovação envolvida no negócio. “Se todas as etapas se confirmarem, a chave é acreditar naquilo que estamos apostando, avaliar se estamos sendo coerentes com nossos valores e o impacto esperado no negócio”, completa.
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