* Por Elber Mazaro
Eu sempre comento o que me inspira a escrever meus artigos e normalmente são demandas e oportunidades específicas que me permitem escrever sobre temas atuais.
A origem deste artigo foi a demanda de um cliente, por uma mentoria ou melhor, um trabalho de advisory, para se definir como deveriam conduzir a gestão do negócio durante este período de crise, especialmente no que diz respeito a estratégia, planejamento e marketing, contra as perdas de clientes e faturamento.
Acredito que a situação deste cliente é semelhante à de muitas pequenas e médias empresas, que tiveram de migrar sua prestação de serviços de presencial para online/digital, e por isso decidi compartilhar a abordagem recomendada e adotada.
O primeiro ponto a se destacar, é que a empresa deste caso, possuía, porque desenvolvemos juntos há alguns anos, um planejamento estratégico pronto, com uma visão, uma missão/propósito, um conjunto de valores, objetivos e estratégias para o crescimento do negócio por alguns anos.
Isto fez toda a diferença, pois havia uma base útil, um ponto de partida para desenvolvermos as estratégias e táticas para o período de crise. Então fica o reforço que mesmo em tempos de Growth Hacking, Agile, Crescimento Exponencial, VUCA, etc., o bom planejamento ainda é importante e faz a diferença.
Na crise, é importante revisitarmos as estratégias, as prioridades e os objetivos, mas se possível devemos manter a essência, o propósito e os valores que deram origem ao negócio.
No caso que trago aqui, já existia a definição de um valor chamado inovação, e isto permitiu que a empresa já estivesse pesquisando a entrega dos serviços digitais, há algum tempo, portanto ela estava mais bem preparada para a transição que se fez necessária e urgente. Eles não saíram do zero, e isto foi fundamental para uma continuidade junto aos clientes, desde o primeiro momento.
Mesmo com a rápida transição feita para o mundo digital, a primeira regra lembrada foi a de manter de as entregas e os serviços com qualidade e excelência (outro valor definido no planejamento estratégico) e com foco no bem-estar e desenvolvimento dos clientes (principal foco/valor da organização).
Adotamos uma abordagem sistêmica, que remete ao PDCA (Plan – planejar, Do – executar, Check – avaliar/aprender and Act – corrigir). Usamos a analogia de um atendimento médico, também já exposta na literatura da administração, e que absorvi de maneira mais clara durante as aulas do professor Marcelo Pedroso, da USP, no mestrado em empreendedorismo, que cursei.
O gestor deve agir como um bom médico, em especial neste momento de crise, quando isto deve ser feito com mais urgência e agilidade, seguindo os seguintes passos:
– Buscar um diagnóstico do paciente, ou seja, uma análise estratégica onde o gestor deve entender os sintomas e pedir os exames; buscando informações, definindo e avaliando as variáveis para poder elaborar um diagnóstico do problema e da situação da organização paciente.
No exemplo deste artigo, o problema é a perda de receita com clientes que não desejam migrar para o modo online, com o desconto inicialmente aplicado para facilitar a transição do físico para o digital, e com clientes que não renovam ou cancelam os contratos, e assim há um impacto direto no fluxo de caixa e na possibilidade da empresa honrar seus compromissos.
– Escolha do tratamento, a partir da consideração das alternativas possíveis, deve-se tomar decisões sobre qual caminho seguir. Então nós identificamos as ações possíveis de serem adotadas, e depois escolhemos a que parecia ser a mais adequada, ou qual o conjunto e os critérios para se seguir com um Plano A, e depois se for o caso migrar para um Plano B ou uma segunda fase de ações e assim por diante. Nós escolhemos agir em três frentes ao mesmo tempo, as quais detalharei mais adiante.
– Aplicar o tratamento, significa para o gestor, executar o plano de ações, ou a estratégia decidida. Preparar-se e agir com todas as partes da organização concentradas em realizar o que foi decidido, cada colaborador convocado para exercer o seu papel, bem definido.
– Finamente, é importante monitorar a evolução do paciente na nossa analogia, ou seja, dos negócios, medindo o impacto das ações, comparando indicadores chave, com as metas e objetivos definidos e fazendo-se as correções necessárias. Deve-se prestar atenção se o tratamento está dando os resultados esperados e se não existem efeitos colaterais, como consequências não previstas pela liderança.
Estamos falando de um ciclo, onde os aprendizados do item quatro alimentam um retorno para o passo um, fazendo-se uma nova análise das variáveis relevantes e uma atualização do diagnóstico, que nos levam a revisar as opções de abordagem estratégica, decidir por como seguir com os ajustes no plano e executar o novo conjunto de ações, que serão gerenciadas para um novo aprendizado, e assim se segue em um círculo.
Mas como isto funciona na prática?
A estratégia definida em conjunto com os administradores do negócio, foi a de dividirmos os esforços e recursos (tempo inclusive), em três grandes pilares:
– Sobrevivência;
– Engajamento/Retenção;
– Inovação.
Retomando o nosso exemplo, fizemos o seguinte em cada um dos três pilares:
Modo Sobrevivência
Foram levantados todos os custos da empresa, quais eram as reservas financeiras, quantos clientes seriam necessários para se manter o equilíbrio entre despesas e receitas (break-even), com que preços. Também foram levantados todos os tipos de contrato dos clientes, os vencimentos e como os clientes tinham se comportado no primeiro momento, das duas primeiras semanas.
A prioridade definida foi a de buscar a máxima redução de custos, por exemplo houve uma negociação inicial com todos os fornecedores, principalmente os mais caros; no caso o aluguel do imóvel tinha o maior peso; e depois, quando se viu que a crise iria durar mais tempo, foi feita uma segunda rodada de negociações em busca de melhores condições (reduções de custo).
O foco estava na busca por descontos, abatimento ou adiamentos de pagamentos, e isto coincidiu com medidas do governo, que permitiram o adiamento do pagamento de impostos, e ajustes na folha de pagamento, por exemplo.
Decidiu-se que funcionários (reduções e cortes) e prestadores de serviços, seriam chamados a participar dos cortes, em um segundo momento, caso as perdas de clientes chegassem no nível considerado muito crítico.
A última opção, que precisa ficar na mesa, é a busca de crédito, ou seja, recursos e financiamento para a sobrevivência por um período, de pelo menos seis meses, neste caso. Foi feita e mantida uma pesquisa sobre quais seriam as melhores opções (BNDES, bancos, sócios, etc.)
Modo Engajamento/Retenção
Neste pilar estratégico, as ações têm foco total nos clientes atuais, e muitas são atividades de vendas e marketing.
O primeiro passo desta área foi levantar todos os contratos, e mapear os mensais, trimestrais, semestrais e anuais. Ficou evidente que não deveria existir a opção mensal, mas infelizmente a empresa não fez a sua lição de casa antes da crise e isto aumentava a exposição e a incerteza no momento da crise.
Cada cancelamento ou renovação, deveria ser tratado individualmente, e um esforço era preciso para se antecipar a conversa com os clientes, levando argumentos de valor na busca de se justificar uma continuidade.
Foram definidos três perfis de clientes: os que tinham sido impactados e tinham perdido a renda, e portanto não poderiam seguir pagando pelos serviços; os que ainda não tinham sido impactados financeiramente, mas por serem cautelosos gostariam de interromper os serviços, talvez por acreditarem que este era supérfluo; e os que apresentavam resistência ou descrença ao novo modelo online.
As ações deste pilar de engajamento e retenção de clientes, foram orientadas para os perfis cautelosos e descrentes do digital, buscando mostrar todo o valor entregue pela empresa e mantido no serviço online, indo do desconto original para a transição, para a necessidade dos serviços que podem trazer atividade e bem-estar em um momento tão difícil, incluindo um cuidado para a saúde mental de quem está vivendo esta crise, o isolamento social e a administração dos relacionamentos, principalmente familiares, em casa.
Outro ponto chave, neste pilar, deixado para o segundo momento, caso a perda de clientes, continua-se a ocorrer de maneira crítica, foi a de apelar para a fidelidade e principalmente para a solidariedade dos clientes, com a mensagem de que mantendo os serviços e contratos, estariam contribuindo para a sobrevivência e continuidade da empresa, com quem muitos construíram vínculos. Uma realidade, abordada com mensagens de transparência sobre a situação e como uma espécie de apelo.
Inovação
O principal objetivo das atividades nesse terceiro pilar, é a busca de novos rendimentos para empresa, através de novos modelos, novos produtos/serviços, e novos clientes, com ofertas que pudessem ser colocados no mercado rapidamente e até aproveitando oportunidades geradas pela crise.
A primeira ação foi a de buscar novos clientes para os mesmos serviços/produtos, uma vez que a questão geográfica não era mais um obstáculo para a prestação de serviços, com todos agora de modo digital.
Antes os serviços eram feitos no imóvel, que tinha um papel chave para uma experiência diferenciada com foco no bem-estar e no desenvolvimento humano. Isto limitava o negócio a um certo raio geográfico, para o atingimento dos potenciais clientes, enquanto no digital esta barreira foi quebrada, podendo-se buscar clientes em qualquer lugar no mundo, desde que ajustando a oferta de valor e a experiência a serem entregues. Eventualmente o preço, também.
Os canais de marketing e as ferramentas precisaram ser ajustadas para buscar alguns perfis de cliente, em todo o Brasil, com algum ajuste na proposta de valor, mas mantendo-se a essência e os diferenciais.
A segunda área de atenção no pilar de Inovação, é a de oferta de novos produtos/serviços para os clientes atuais e novos também. Passou-se a estudar que produtos complementares poderiam ser ofertados, também de maneira digital/online, sempre vinculados ao core do negócio e aos recursos e competências existentes, por exemplo explorando datas festivas (dias das mães e namorados…).
Em ambas a áreas de inovação, mencionadas acima, a decisão foi a de considerar parceiros estratégicos e novos canais, que estariam abertos à uma oferta complementar ou compartilhada, com uma abordagem facilitada pois muitos também estão buscando alternativas, durante a crise.
Estão sendo considerados os players, que atuam com o mesmo perfil de clientes, e que também participam de alguma maneira na cadeia de valor, por exemplo fornecedores diretos e indiretos. Também vale entender a posição de associações e grupos que podem reunir forças de várias empresas do mesmo segmento.
Claro que com três pilares estratégicos e táticos definidos, e dezenas de ações propostas para este período de crise, houve o aumento da pressão e de trabalho para os colaboradores, portanto é preciso se prestar uma atenção especial às pessoas na empresa, e ter uma liderança que possa dar o exemplo e se preocupar com o lado humano, com cada indivíduo/colaborador.
Pode ser necessário, rever as prioridades, e tomar decisões difíceis, como desligamentos, ao mesmo tempo que a crise pode trazer uma oportunidade para se reforçar o perfil desejado de colaboradores, e promover ajustes e correções nas competências relevantes para o momento e para o futuro; então a gestão do capital humano merece uma atenção especial nesta época de crise.
Há, inclusive a oportunidade de se fazer contratações (se o caixa permitir investimentos), pois existem muitos talentos disponíveis no mercado, após as dispensas realizadas no mercado, em especial na área de startups.
O marketing deve estar focado em trazer resultados de curto prazo, com atenção para a geração de demanda, trazendo leads, e promovendo da maneira mais eficiente possível, os valores, produtos e serviços entregues pela empresa e os seus diferenciais. Vale ressaltar a necessidade de se ficar atentos às mudanças comportamentais dos clientes e às oportunidades que estão surgindo.
O branding, se não houver caixa, deve ser colocado em modo standby e as métricas devem priorizar vendas, conversões, geração de leads etc. (mais performance).
Não há espaço, ou seja, condições para muitas reuniões, para burocracia, ou para a demorada busca por todas as informações possíveis, portanto as decisões e execuções, precisam ser ágeis e monitoradas de perto para que se avalie e ajuste as iniciativas o quanto antes. Foco no curto prazo.
Espero que este caso e estas técnicas e ferramentas apresentadas neste artigo, possam trazer algum insight e serem úteis para quem está atuando nesta crise, buscando superar os desafios e obstáculos e até mesmo repensando e reinventando o negócio, para sobrevivência ou crescimento exponencial.
Então mãos àobra!
Elber Mazaro é assessor/consultor, mentor e professor em Estratégia, Tecnologia, Marketing, Carreiras/Liderança e Inovação/Empreendedorismo. Atua há mais de 25 anos no mercado, liderando negócios no Brasil e na América Latina. Possui mestrado em Empreendedorismo pela FEA-USP, pós-graduação em Marketing e bacharelado em Ciências da Computação.