* Por Allan Augusto Gallo Antonio
Criada em 2009, pelo misterioso Satoshi Nakamoto, o bitcoin é a primeira e a mais conhecida criptomoeda do mundo. No entanto, dizer apenas isso não ajuda muito, pois muitas pessoas continuam a ter dificuldade para entender como funciona essa interessante tecnologia – em parte pelo altíssimo grau de inovação que a criptomoeda representou, mas também em parte pelo desconhecimento de certas noções de economia que seriam muito úteis nessa empreitada. Esse artigo pretende auxiliar nesse entendimento de forma simples.
Em linhas gerais, o bitcoin é uma forma de ativo, da mesma maneira que ações de uma empresa. É um ativo particular, no entanto, pois almeja ser moeda, tal qual dólar, libra ou euro, por exemplo.
De acordo com a teoria econômica, a moeda é conhecida por ser a liquidez por excelência – isto é, por ter capacidade de saldar imediatamente qualquer compromisso ou obrigação financeira. Para um ativo ser moeda é preciso que atenda as funções de ser (1) meio de troca, (2) unidade de conta, (3) reserva de valor e (4) padrão de pagamento diferido no tempo. A bitcoin ainda não atende plenamente todas essas funções.
Ao contrário das moedas já conhecidas, o bitcoin é totalmente digital e não é emitida por nenhum governo. O seu valor é determinado apenas por sua oferta e demanda no mercado. Parece assustador? Inseguro? Parece, mas não é.
Dando sustentação institucional e segurança ao bitcoin, existe um gigante livro-razão (sistema de registros) chamado de blockchain, que funciona por meio de blocos encadeados e criptografados de informações. Nesses blocos estão tanto as informações das partes envolvidas na compra e venda de bitcoins, como também detalhes sobre a própria operação financeira. As informações dos blocos ficam registradas e são públicas, mas os negociadores não podem ser identificados nominalmente e, embora isso não seja suficiente para garantir o completo anonimato, acaba por garantir mais privacidade nas transações, uma vez que os intermediários (incluindo o governo) não participam e nem fiscalizam as transações.
Dada a tecnologia de criptografia e a descentralização da moeda, nenhum bitcoin pode ser confiscado. Além de poder movimentá-lo pagando taxas geralmente menores das praticadas pelo mercado financeiro regular, é possível também fazer pagamentos por produtos e serviços em empresas como Amazon, Microsoft, Dell, Steam, Shopify e em muitas outras de menor porte, que atuam nas áreas de suplementos, bebidas, viagens e até veículos.
Engana-se quem pensa que o bitcoin só pode ser utilizado em trocas comerciais, pois com a valorização de mais de 575% desde abril do ano passado, ele tem sido cada vez mais utilizado como investimento para diversificar o patrimônio e se proteger contra ações governamentais que depreciam o poder de compra da moeda nacional.
No entanto, nem tudo são flores e é preciso ter atenção quanto a esse assunto – pois dado o seu mecanismo descentralizado de precificação – oscilações e correções consideráveis no preço são uma constante que o usuário precisa internalizar e entender como uma característica da própria criptomoeda.
Apenas para se ter uma ideia, no último dia 24 de abril de 2021, o preço do bitcoin caiu abaixo dos US$ 50 mil pela primeira vez desde o início de março. Na ocasião, a queda representou uma desvalorização de 22% em apenas uma semana. Se por um lado, para muitos usuários da criptomoeda essa desvalorização representou apenas uma chance de comprar ainda mais bitcoins, para usuários mais inexperientes as oscilações podem assustar e levar a decisões de venda precipitadas.
Saber o que é o bitcoin e como ele funciona em linhas gerais é apenas uma parte do caminho para começar a utilizá-lo, pois é preciso saber como adquirir e onde guardá-lo. Atualmente existem três maneiras de adquirir bitcoin: através da mineração, comprando em exchanges ou comprando diretamente de outras pessoas.
A mineração nada mais é que a resolução de um problema matemático. É por meio dela que as transações de bitcoin são confirmadas na internet e inscritas no blockchain. Um terceiro anônimo conectado na rede (chamado de minerador) é responsável por confirmar a transação de compra e venda do ativo entre dois agentes. Por meio de um computador com alta capacidade de processamento, que resolve um complexo problema matemático, o minerador valida as informações das partes e é remunerado com uma pequena fração de bitcoin por isso. A segurança do processo de validação se dá pelo fato de diversos mineradores estarem conectados à rede, competindo uns com os outros, e tentando resolver o problema matemático para receber o fruto dessa “mineração”. Ao final, somente será remunerado aquele cujo equipamento de processamento conseguir resolver primeiro a equação.
As exchanges, por outro lado, funcionam como corretoras de criptoativos, elas são plataformas eletrônicas muito semelhantes aos bancos digitais e a corretoras de ações listadas nas bolsas. O trabalho delas é facilitar a compra, venda e troca de moedas digitais, por meio da conexão entre compradores e vendedores. Pelo serviço que prestam e por oferecerem certo nível se segurança para as transações, as exchanges cobram taxas que podem variar de empresa para empresa.
A terceira e menos conhecida modalidade de aquisição de bitcoins é a transação P2P, abreviação do termo em inglês peer-to-peer, que em português significa par-a-par. Nessa modalidade, um usuário interessado em comprar criptomoedas informa o valor ou quantidade desejada, e caso aceite a cotação do vendedor, faz o pagamento. O vendedor, por sua vez, espera este pagamento compensar e envia os bitcoins para o comprador. Como não é tão conhecido, não existe a intermediação de uma corretora e nem sempre é fácil encontrar vendedores de bitcoin cuja reputação possa ser confirmada publicamente. Esta modalidade ainda não se popularizou no Brasil.
Após adquirir os bitcoins, resta ainda a dúvida de onde armazená-las. Embora as criptomoedas não fiquem armazenadas em nenhum local físico, existem mecanismos de armazenamento chamados wallets ou carteiras em português, que servem para fazer a guarda dos ativos. Existem pelo menos três tipos de carteira para bitcoin: carteiras do tipo software, hardware ou papel (paper wallets). Para guardar o bitcoin o usuário deverá adquirir ou criar a sua carteira em uma plataforma, que contará com uma chave privada única, correspondente ao endereço bitcoin dessa carteira. Todas as vezes que decidir comprar ou vender a moeda digital, esse número de endereço será utilizado. Importante dizer que toda carteira de bitcoin possui uma senha, que jamais deverá ser compartilhada publicamente, pois isso daria acesso aos recursos.
Ao contrário do que dizem os críticos das criptomoedas, o bitcoin representa um avanço nas relações comerciais e uma mudança de paradigma nas relações monetárias do Estado, que agora não detém mais a exclusividade da emissão monetária, embora ainda possua o mecanismo do curso forçado.
Quando o assunto é investimento em criptomoedas, parece razoável ouvir a voz de especialistas em finanças, que geralmente recomendam a diversificação dos investimentos. Não concentrar todo o patrimônio em um único ativo parece o mais inteligente a ser feito em qualquer circunstância. No entanto, recusar a exploração de novas possibilidades e tecnologias parece um erro maior ainda.
Por fim, mais importante do que a sedução pela valorização da criptomoeda, os interessados em entrar neste novo mundo precisam acreditar e entender os fundamentos do projeto da bitcoin. Uma correta compreensão dessa nova tecnologia passa pela ponderação de seus riscos, oportunidades e infinitas potencialidades.
* Allan Augusto Gallo Antonio é formado em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e mestrando em Economia e Mercados pela mesma instituição. É analista do Centro Mackenzie de Liberdade Econômica.