O Marco Civil da Internet foi aprovado ontem pela Câmara dos Deputados. O projeto regulamenta o uso da internet em território brasileiro e agora passar por votação no Senado Federal.
O pesquisador brasileiro Silvio Meira opinou sobre o tema em texto e o advogado Pedro Ramos da Baptista Luz Advogados e pesquisador do Núcleo de Direito, Internet e Sociedade da USP, que participou de mesa sobre o tema esta semana no Startupi, comentou alguns pontos da aprovação comigo.
Leia abaixo.
Mudanças
Acho que as mudanças foram dentro do esperado. A mudança da neutralidade da rede não é auto-aplicável e vai precisar de um regulamento e um decreto da presidência, mas isso era uma discussão política. Optou-se deixar claro que esse decreto deve ser limitado e deve focar em regular as exceções e cumprir o que está no Marco Civil. Na prática faz pouca diferença, mas devem ser ouvidos pelo Executivo a Anatel e o CGI antes de elaborar uma regulamentação.
Outra mudança importante foi a questão dos Data Center em território nacional. Após o escândalo do Snowden de vazamento de dados, a resposta enfática a espionagem no momento foi que empresas americanas ou brasileiras que operam aqui tenham dados em território brasileiro. Essa questão da hospedagem de dados não passou e tem consequências importantes: ela não leva em conta a capacidade da rede, por exemplo, e passa por outros problemas como a estrutura fraca nacional e o de que a espionagem agora poderia ser feita por órgãos brasileiros.
Fora de área
Esse artigo (que dava ao executivo o direito de ordenar que sites que prestassem serviços a usuários brasileiros guardassem dados em território brasileiro) foi trocado por uma cláusula dizendo que seja lá onde estiverem os dados, valem, para os usuários brasileiros, as leis do Brasil. Como vai funcionar isso com sites que não têm escritório aqui?
Isso é um problema que não está 100% resolvido no Marco Civil. Caso você faça uma compra num site americano e tenha um problema, pelo Marco Civil, será aplicada a lei brasileira, mas você vai ter que ter uma decisão de um juiz brasileiro que vai ordenar que um juiz americano aplique a lei em território americano. É possível pelas regras de direito internacional, mas é extremamente custoso e lento esse processo. Essa é uma questão que o Marco Civil não resolve e fica em aberto, mas a vantagem é a liberdade, pois se você só pudesse comprar em e-commerce estrangeiro que tem sede no Brasil você até o ano passado não compraria nada em loja estrangeira pela internet e seria um absurdo.
Movimento “a internet é livre e assim deve permanecer. Diga não ao Marco!”
Discordo frontalmente dessa visão que se baseia numa concepção política “quanto menos lei, melhor”, um liberalismo estilo o Tea Party americano. Leis vêm enfatizar liberdades individuais e incentivar a economia. Leis de concorrência, por exemplo, que impedem monopólios são muito importantes para o mercado. A insegurança que existe hoje por não ter lei de internet é muito pior. Em 2012, por exemplo, o presidente do Google foi preso por não retirar um vídeo que falava mal de um político. O juiz entendeu que era culpa dele. Hoje um juiz tem o poder de fazer esse tipo de mandato. O Marco Civil quer trazer maior segurança pro indivíduo.
O Marco Civil está muito mais como uma norma para expandir liberdades individuais do que restringir.
Todo mundo sai ganhando com o Marco Civil. Caso você queira montar um pequeno canal no Youtube, de piadas, você vai precisar de várias garantias: neutralidade de rede, liberdade de expressão e segurança jurídica em relação a responsabilidade. Hoje o Porta dos Fundos, por exemplo, sofre ações constantes. O Marco Civil dá segurança para que este canal funcione normalmente.
Senado
Acho que não vão ter mudanças radicais no Senado. Percebo em minhas conversas em Brasília que estão todos confiantes que o Senado aprove o mesmo texto da Câmara sem muita discussão. As teles podem criar objeções, claro, porque a elas não interessa a neutralidade que acba com diferenciação de serviços e novas formas de cobrança por outros produtos.