De acordo com dados do IBGE, cerca de 5% da população é surda, esse número representa 10 milhões de pessoas. Dessas, 2,7 milhões não ouvem nada. A educação é um direito de todos. Porém, quando se trata de inclusão, pessoas com deficiência auditiva se enquadram em porcentagens muito baixas de formação. Segundo um outro estudo, realizado pelo Instituto Locomotiva e a Semana da Acessibilidade Surda em 2019, cerca de 7% dos surdos brasileiros têm ensino superior completo, 15% frequentaram a escola até o ensino médio, 46% até o fundamental, enquanto 32% não têm um grau de instrução.
Visando mudar esse cenário e garantir a inclusão de crianças e adolescentes surdos nas escolas e na música, Gildário Lima, CEO e fundador da Tron – startup de educação robótica, juntamente com o influenciador Whindersson Nunes desenvolveram o projeto MR para surdos, um dispositivo que leva sensações musicais a pessoas com deficiência auditiva.
Para entender melhor como funciona o projeto, o Startupi conversou com Gildário, que de pronto explicou: “Independente de qualquer coisa o Whindersson tem um lado empreendedor e busca por ideias transformadoras que agregam soluções à vida das pessoas. O fato da Tron ser uma startup piauiense ajudou com o desenrolar da parceria. Juntamos o útil ao agradável e, desde a primeira vez em que falei com ele sobre o projeto, ele demonstrou interesse e topou fazer parte disso com a gente”.
Whindersson está contribuindo com todas as demandas, infraestrutura e custos para o desenvolvimento do projeto que, até o momento, de acordo com o CEO, consumiu muito mais capital intelectual do que dinheiro. Aproximadamente já foram investidos R$ 100 mil em testes e equipamentos e é estimado que mais R$ 300 mil sejam investidos para tornar a tecnologia estável.
Pessoas surdas também podem sentir a música
Gildário conta que a ideia de criar o MR para surdos surgiu quando fez uma visita costumeira às escolas e dentre elas estava a Escola Antônio Araripe, localizada na cidade de Tauá no estado do Ceará. Lá ele conheceu a aluna Maria Rita, estudante com deficiência auditiva. Com o auxílio de uma intérprete, a questionou como conseguia acompanhar as colegas e desenvolver a coreografia, já que não podia escutar a música.
Ela então explicou que depende fortemente de feedbacks visuais e que precisava se concentrar muito para memorizar os passos e tentar manter o ritmo, mesmo não conseguindo sentir a música. “Eu assumi naquele momento o compromisso de tentar, com o uso de robótica aplicada, desenvolver um dispositivo que auxiliasse pessoas como ela a sentirem a música por meio de estímulos mecânicos”, comenta.
O projeto MR para surdos tem como objetivo central ajudar na inclusão de pessoas surdas no mundo da música e também permitir que essas pessoas possam acompanhar de maneira mais sensível shows e eventos que sejam focados em comunicação musical. Para criar o MR, a Tron utilizou arduinos, que são placas de prototipagem eletrônica que permitem o desenvolvimento de projetos de automação residencial, como apagar as luzes automaticamente, regular a temperatura do ar-condicionado, entre outros.
O aparelho é capaz de captar vibrações sonoras em três estágios: ambiente, com o uso de um sensor de ruído; conexão com uma fonte sonora por meio de conexão Bluetooth, como, por exemplo smartphone executando músicas no Spotify e por último, sinais e áudios previamente processados para uma melhor experiência com o dispositivo.
O processamento ocorre em milissegundos, o que torna o processo de captação, processamento e estímulo rápidos, reproduzindo uma sensação de tempo real de feedbacks. O sinal captado é regularizado por meio de calibração, que podem ser feitas de maneira manual ou automática. A intensidade da onda pode variar de acordo com a intensidade da captação e a frequência de vibração. O objetivo do processamento é retornar um sinal fluido, espacial e que tenha ao máximo uma relação de similaridade com a estrutura de som captada.
Atualmente a startup utiliza uma espécie de cinto que distribui radicalmente as vibrações, sendo uma das principais diferenças dessa tecnologia os diferentes graus de peso das vibrações, simulando: graves, médios e agudos sonoros. O melhor local até o momento para utilização é a região do tórax. Cada música tem sua assinatura e essas mesmas serão transferidas para estímulos mecânicos, ou seja, o aparelho transmite diferentes sensações de acordo com a música e sonoridade. Além disso, ele também possui usabilidade no processo de aprendizado de música, pois é possível perceber o tempo musical de maneira cognitiva via tato.
Com o objetivo de realizar impacto social e fácil acesso a todos, inclusive à população de baixa renda, o projeto será documentado e disponibilizado sob licença aberta (open source) baseada em impressora 3D e componentes eletrônicos acessíveis, sendo assim, possível o desenvolvimento em escolas que possuem o método Tron, ou laboratórios Maker sediados em universidades e centros técnicos de ensino. Gildário também destaca que é provável que uma versão comercial seja desenvolvida para atender a uma quantidade maior de pessoas e também estrutura de shows e eventos.
Com o apoio dado pelo artista Whindersson Nunes, a startup realizou três testes do MR, sendo o primeiro no dia 24 de abril, — Dia Nacional da Língua Brasileira de Sinais, nos bastidores do show do artista em Fortaleza, no qual algumas pessoas surdas foram selecionadas para experimentá-lo em primeira mão. O segundo foi realizado durante um congresso educativo do SESC e SENAC do Ceará, e o terceiro teste foi realizado no show do humorista em Teresina, Piauí no dia 18 de junho deste ano. Com a tecnologia, os estudantes perceberam a fluência sonora com que o show foi conduzido por meio da emoção das palmas e das apresentações musicais. A startup também foi convidada a realizar o seu quarto teste no próximo Rock In Rio — que ocorre entre os dias 2 e 11 de setembro.
“A experiência foi inesquecível para essas pessoas, o projeto agora segue para uma etapa de aperfeiçoamento em tamanho, peso e eficiência de 5 horas de show, com uso de uma única carga de baterias. Acreditamos que o próximo teste será em uma quantidade de 20 participantes de forma simultânea”, comenta o CEO da startup, que também foi convidada a participar de um teste no próximo Rock In Rio — que ocorre entre os dias 2 e 11 de setembro.
“Com iniciativas como essa, a Tron cumpre o seu papel de startup disruptiva, que por meio da inserção da cultura tecnológica em escolas, usando a Robótica Educativa, promove os alicerces para a construção de um futuro melhor, inclusivo e com tecnologia humanizada a favor da sociedade”, conclui o CEO.