Em vigor desde agosto de 2021, o Marco Legal das Startups transformou o ecossistema de empreendedorismo tecnológico no país. Com o objetivo de estimular o setor e fomentar investimentos, a lei desvinculou investidores-anjo de obrigações trabalhistas ou tributárias das startups e aproximou essas empresas do setor público. O principal veto do texto original, porém, ainda é tema de debate e insatisfação do ecossistema de startups no Brasil: o veto 25/2021.
O dispositivo vetado, artigo 7º da Lei Complementar nº 182 de 01/06/2021, possibilitava que os investidores compensassem eventuais perdas com eventuais ganhos. Na prática, isso significa que, se um investidor perdesse R$100 mil de investimento em uma startup e tivesse 100% de lucro em investimento igual em outra empresa, ele estaria no “zero a zero”. Com o veto, o investidor continua obrigado a pagar as tributações nos lucros, o que significa que ele sairá no prejuízo, ainda que tenha lucrado com um dos investimentos.
Para Cassio Spina, presidente da Anjos do Brasil, o veto desestimula o investimento em startups em estágio inicial no Brasil. “Isso é uma injustiça tributária, especialmente se compararmos com investimentos na Bolsa de Valores, por exemplo. Se eu investir em uma empresa listada na Bolsa com valor de mercado até R$ 700 milhões, eu estou isento desse tipo de tributação. E investir em ações é um risco muito menor do que investir em startups, e ainda tem liquidez diária”, explica o investidor.
Na última semana, o tema voltou a ser votado na Câmara dos Deputados e o veto foi mantido com 285 votos a favor do veto e 85 contra. Quando o veto foi anunciado, em dezembro de 2021, a Associação Brasileira de Startups, principal instituição do setor no país, divulgou uma carta aberta expondo suas insatisfações com o veto do texto original da Lei. Agora, procurado pelo Startupi, Felipe Matos, presidente da Associação lamentou a decisão do Congresso Nacional. “É lamentável que o veto tenha sido mantido, apesar dos esforços do ecossistema em mostrar como ele é prejudicial para as startups. Especialmente num cenário em que as taxas de juro voltaram a subir, o fato de investidores-anjos não poderiam compensar perdas ao pagar imposto sobre ganhos de capital torna esse tipo de investimento ainda mais arriscado e pouco atrativo”, comenta.
O que o veto 25/2021 significa para as startups?
O ecossistema de startups no Brasil está em ascensão. No último ano, segundo o Relatório 2021 Wrapped Brazilian Startups, essas empresas geraram 100 mil novos empregos, e o ecossistema teve um aumento de cerca de 200% no valor investido nesse mercado em comparação com 2020, levantando um total de US$ 9,4 bilhões. Em 2021, cerca de R$ 80 milhões foram aplicados na modalidade de investimento-anjo, constituída por pessoas físicas investindo em startups com capital próprio.
De acordo com alguns especialistas procurados pelo Startupi, o veto traz implicações diretamente para os empreendedores, especialmente os cujas startups estão em início de operação – geralmente, são as que procuram investimento-anjo. Com outros tipos de investimento sendo mais lucrativos e seguros para os investidores, o aporte de capital em startups pode frear. “É um tiro no pé no crescimento do ecossistema é da própria Receita Federal, pois mais investimento em startups se multiplica em crescimento, movimentação da economia e arrecadação de impostos, com ganhos muito superiores a eventuais perdas. É por isso que as principais economias do mundo estimulam e incentivam o investimento-anjo”, afirma Felipe Matos.
Cassio Spina concorda que, o que ele chama de desequiparação do tratamento tributário, possa afastar novos investidores-anjo da atividade no Brasil. “Isso é prejudicial para o empreendedor, porque o investidor pode continuar aplicando o dinheiro dele na Bolsa de Valores e em renda fixa. São os empreendedores que agora vão encontrar uma situação ainda mais desfavorável para captar investimento”, explica.
Já João Kepler, CEO da Bossanova Investimentos, o fundo de venture capital mais ativo da América Latina, acredita que os impactos para o ecossistema não virão imediamente, mas podem aparecer a longo prazo. “Apesar de achar um absurdo o veto, eu não acho que isso vai impactar diretamente no early-stage ou na redução de número de investimentos e investidores porque, no early-stage, a jornada [do investimento] dura mais tempo, é de até 10 anos. Então [para o investidor que investe em empresas em fase inicial] tem muito tempo ainda pra fazer uma suposta compensação, se for o caso. Não vejo o impacto direto nesse momento – apesar de considerar muito importante essa compensação por conta do veto – imediatamente. No médio prazo, pode ser.”
O que diz o governo
A justificativa presidencial para o veto diz que “embora se reconheça a boa intenção do legislador ao criar benefícios de natureza tributária”, a medida sugerida pelo texto original encontra um empecilho jurídico por evitar o recolhimento de receitas sem apresentação da estimativa do impacto orçamentário e financeiro e das medidas compensatórias, “em violação ao disposto no art. 113 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, no art. 14 da Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000 – Lei de Responsabilidade Fiscal, e nos art. 125 e art.126 da Lei nº 14.116, de 31 de dezembro de 2020 – Lei de Diretrizes Orçamentárias 2021.”
Ainda, o veto diz que o artigo 7º do texto original do Marco Legal das Startups descumpre o que é legalmente previsto no art. 137 da Lei nº 14.116, de 2020 da Lei de Diretrizes Orçamentárias 2021, que diz que proposições legislativas que concedam benefícios tributários devem conter cláusula de vigência de, no máximo, cinco anos. O texto finaliza afirmando que o veto se dá, também, por falta de cumprimento do art. 4º da Emenda Constitucional nº 109, de 15 de março de 2021, que estabelece a necessidade de redução gradual dos incentivos e benefícios federais de tributação.