* Por Fernando Taliberti
Em uma manhã ensolarada de um ano inesquecível, ainda cheirando a álcool depois de dar um banho de spray nas sacolas de compras que acabara de trazer da portaria segurando pelas pontas dos dedos, cheio de insegurança, respirei por um minuto. Era todo o tempo que eu tinha antes de desenterrar meu laptop de uma pilha de materiais didáticos e desenhos infantis, sob o qual se escondia, para entrar em reunião, por videoconferência, é claro. O formato de interação não era novo para mim, que já adotara o modelo remoto em minha startup havia mais de seis anos. Novo era ser interrompido pelo meu filho pedindo ajuda para entrar na sua aula, também online, segundos após dar bom dia aos outros participantes, e ainda ofegante pela correria.
Cenas parecidas aconteciam o tempo todo do outro lado da tela de cada uma das pessoas presentes naquela reunião. Não é a toa que, de acordo com um estudo conduzido pela Microsoft com milhares de entrevistados (denominado The New Future of Work, a maior parte (57%) tenha sentido aumento da carga de reuniões, da troca de mensagens instantâneas (65-72% e até 115% entre gestores), ao mesmo tempo em que se sentiam menos conectados com os membros de seus times (66%) e mais nervosos e estressados (85%). Dar conta das tantas mudanças na forma de se trabalhar que esta pandemia nos impôs não foi fácil para ninguém.
Mesmo assim, muitas pessoas, embora sintam falta dos escritórios, não querem voltar à rotina de trabalho que tinham. Em uma pesquisa com 1000 americanos, 39% dos respondentes afirma que pedirá demissão se for obrigado a adotar uma dinâmica sem flexibilidade para o trabalho remoto. Em outra pesquisa, 55% dos millennials questionam a conveniência de retornar.
Diante de fatos como esses, parece só haver uma resposta para a grande maioria das empresas: o híbrido é o futuro do trabalho. Mas o que será que isso significa? A resposta não é trivial nem para gigantes de tecnologia como Apple e Google, que já enfrentaram funcionários bastante contrariados ao anunciarem que precisariam voltar para o escritório, mesmo que por parte da semana. 40%, 60% existirá uma fórmula mágica que otimize satisfação, produtividade, engajamento e tudo mais o que precisa ser equilibrado? Será que a resposta está mesmo em um percentual?
Mesmo sem respostas, muitas empresas já colocaram mãos à obra, literalmente, e começaram a adequar seus escritórios para um desconhecido futuro do trabalho. Menos baias, mais espaços de convivência e salas de reunião, com modernos equipamentos de videoconferência. Assim, em uma bela manhã ensolarada de algum lugar do futuro, depois de longos 45 minutos dando sua contribuição para o aquecimento global com seus carros presos no trânsito para chegar ao escritório, os funcionários que ali estiverem presentes podem se impressionar com a qualidade da estrutura para reuniões híbridas e esquecer de se perguntar “espere, se as outros participantes da reunião não estão aqui, porque me desloquei mesmo?”
A pergunta é legítima e deve ser feita. As mudanças pelas quais passamos nesta pandemia nos fizeram questionar muitas coisas que sempre fizemos porque… bem, porque sempre fizemos. Não porque faziam sentido. A verdade é que a digitalização acelerada está ajudando a desconstruir um modelo de trabalho fabril, baseado em horários rígidos e supervisão. A mudança ainda tomará tempo, mas não podemos perder a oportunidade de questionar se o caminho pelo qual está indo faz sentido.
Por que as pessoas sentem falta do escritório? Porque lá dá para ter aquela conversa de corredor, no cafezinho, aquele papo de feedback com olho no olho, aquela discussão rabiscando no quadro branco. Não precisamos ter esses tipos de interação todos os dias, mas se é para ter parte do tempo no escritório é para se dedicar a elas. A trocar com quem está lá. Por isso o trabalho híbrido faz sentido, mas reuniões híbridas não fazem sentido.
Essa não é uma realidade que todos puderam experimentar antes da pandemia. Mas eu cometi muito esse erro. Reuniões com a maior parte do time presente e um ou dois pendurados via vídeo, sem conseguir ler o que está no quadro branco, nem escutar direito o que estávamos discutindo entre nós presencialmente. O aprendizado? Se alguém estiver remoto, idealmente todos devem estar, mesmo que estejam na mesma sala. Funciona melhor se cada um se conectar por vídeo de seu próprio computador.
Mas então, se a reunião no escritório deveria ser só com quem está no escritório, qual é o percentual adequado de tempo lá? Particularmente acho que essa é a pergunta errada. A pergunta certa é: qual é o melhor uso que posso fazer dos encontros presenciais. Para ter aquela conversa um-a-um que vai muito além do que está sendo dito, a reunião de planejamento com muito rabisco e Post-it, a celebração que merece um almoço (ou um happy hour), o embarque do novo funcionário que precisa se sentir em casa e ver sua performance decolar rapidamente. Na hora de decidir o futuro do trabalho na sua empresa, não pergunte quanto, pergunte como.
Fernando Taliberti é empreendedor brasileiro, fundador, mentor e investidor de startup, escritor e palestrante com foco em modelos de trabalho inteligentes, saúde mental, intraempreendedorismo, cultura de inovação e digital. Formado em Engenharia de Produção pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), também possui especialização em Product Growth Marketing pela Tera e mestrado em e-business e Tecnologias para Gestão pela Politecnico di Torino, Itália.