* Por Eduardo Cosomano
Não foi fácil e nem rápido, mas as startups mostraram a que vieram. A potência do ecossistema é relativamente reconhecida pelo mercado e pelos investidores. Com recordes seguidos de aquisições, os eventos de saída provaram não só que as startups promovem disrupção verdadeira em diversos mercados, como também que são excelentes ativos para diversificação da carteira de investimentos. E o que atrai dinheiro atrai de tudo, o que é um novo desafio.
Ainda que o mercado esteja aquecido, diante um cheque parrudo ou em um momento sensível, os empreendedores podem ser tentados a ceder em questões que serão prejudiciais no futuro, de modo que existem diversas variáveis aqui que precisam ser consideradas.
Primeiro, tem o investidor que põe dinheiro, mas faz da vida do empreendedor um verdadeiro inferno. É aquele cara que faz cobranças inapropriadas e inúteis, tirando o olho dos founders da bola. Esse cara pode não ser mal intencionado, muito pelo contrário, mas não entende o jogo e vai atrapalhar. O que eu vou falar pode soar duro, mas é verdade: um incompetente com poder e motivação é uma bomba-relógio.
Há ainda o mal intencionado de fato, que cria um contrato todo voltado para suas necessidades e pode complicar a vida dos empreendedores para valer em um evento de saída (como a venda da startup), em uma nova rodada de captação, ou em qualquer outro momento. Esse é bandido profissional e, exatamente por isso, é extremamente persuasivo. Os empreendedores mais honestos sempre são as maiores vítimas desse tipo. Se você, leitor ou leitora, nunca ouviu falar de um tipo desses, a razão é simples: poucas pessoas contam histórias ruins.
Tirando esses dois perfis do horizonte e considerando profissionalismo e boa fé, vem a questão do alinhamento futuro com a instituição de investimento. O que eu ouvi durante as entrevistas para o livro Saída de mestre: estratégias para compra e venda de uma startup é que fundos de investimentos, por exemplo, geralmente têm uma política de longo prazo com as startups em que investem. É negócio para o empreendedor que tem planos mais longevos com a empresa. Mas, se o evento de saída antecipada for o plano A, pode não ser a melhor alternativa.
Exemplo: ao receber uma proposta de venda da sua startup recém-criada ou recém-investida, o fundo pode vetar a transação, por qualquer motivo, inclusive por acreditar que a empresa pode se valorizar no futuro. Mas, e se a venda for interessante para o empreendedor naquele momento? E se a startup não receber outra oferta de compra? Para o fundo, pode não fazer diferença, afinal ele pode contar com diversas outras na carteira que cobrem aquela diferença. Nesse caso, só o empreendedor perde. Aqui, é uma questão de alinhamento da tese de investimento. Provavelmente, este gap pode ser resolvido com uma negociação prévia ou com um contrato considerando eventos de saída (dando poder de decisão ao empreendedor), mas é preciso considerar essa questão antes do ok final.
Ouvi, ainda, depoimentos sobre o equity crowdfunding. Trata-se de um setor que também bateu recordes, tanto de investimentos como em casos de saída, e veio para ficar, afinal, se tudo digitalizou, a forma de investir em startups também está seguindo esse caminho. O lado positivo é a agilidade no acesso ao capital, a segurança, a regulamentação da Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Já os pontos frágeis são o avesso: plataformas operando fora da regulamentação, base de investidores pouco qualificada ou com contratos específicos que podem ser complexos para o evento de saída. Então, é preciso selecionar bem a plataforma em que vai operar.
De maneira geral, seja lá qual for o caminho de captação, antes de fechar com um investidor ou com uma instituição de investimento (ou que o viabiliza), a recomendação é que o empreendedor se salvaguarde juridicamente, tenha um planejamento futuro e alinhe sua tese de investimento junto ao investidor, seja pessoa física ou jurídica. Ouvindo e entrevistando empreendedores e investidores ao longo de mais de dez anos, afirmo com tranquilidade que todos se definem como pragmáticos, mas nem todos agem assim na prática. O investidor mal intencionado sabe disso. E, depois do contrato assinado, não tem para onde correr.
Eduardo Cosomano é jornalista, fundador da agência EDB Comunicação, e coautor do livro Saída de mestre: estratégias para compra e venda de uma startup, publicado pela Editora Gente.