Rangel Miranda se define como um “filho de Rondônia”. Nascido e criado em Porto Velho, capital do estado, Rangel é filho de um policial militar e uma cabeleireira, ambos nordestinos. Por causa da profissão do pai, estudou a vida inteira em colégios militares, “o que me ensinou muita disciplina, responsabilidade com horários e prazos”, conta. E seu apreço pela excelência foi peça-chave no impulso para garantir que a Tambaqui Valley, ecossistema de startups rondoniense, se tornasse uma força a ser reconhecida no cenário brasileiro de inovação.
Desde novo, fã e praticante de diversos esportes – era, inclusive, professor de capoeira -, queria se tornar educador físico. Com o falecimento do pai, em 1999, Rangel e seu irmão precisaram reajustar a rota e, assim, se tornou estudante de Administração. Foi aí que, na virada do século, surgiu a oportunidade de se tornar estagiário no Sebrae. “Eu ia todo sábado na casa de um amigo, e a esposa dele trabalhava no Sebrae. Um dia, dei um currículo para ela e, uma semana depois, fui chamado para a entrevista”, conta.
Foram apenas seis meses como estagiário na Instituição. Logo Rangel foi contratado e passou a integrar a coordenação de projetos de desenvolvimento regional. “Foi quando o meu diretor regional da época me chamou para trabalhar no interior. Ele disse: ‘se você não for, vai passar a vida toda pensando em como poderia ter sido’. Eu saí dessa reunião decidido”, diz.
Assim, ele se tornou gerente da unidade de atendimento do Sebrae em Vilhena, a cerca de 600 quilômetros da capital porto-velhense. Em 2004, aos 21 anos, Rangel se tornou o gerente mais jovem do Sebrae no Brasil. “Foi difícil, encontrei muitos desafios, mas meu objetivo era transformar a unidade em referência. Aos poucos, conseguimos resultados cada vez mais expressivos, era o nosso ‘padrão FIFA’”, conta.
Em 2015, depois de uma repaginada no Sebrae como um todo, ele foi convidado para voltar para Porto Velho, para assumir outros desafios na capital. “Eu estava sempre me desafiando, porque no escritório regional você pode ter time e estratégia, mas tem que trabalhar de acordo com as potencialidades e vocação do território em que você está inserido”.
Encarando desafios dentro e fora do Sebrae Rondônia
Depois de mais de uma década liderando operações no interior, mesmo com histórico, bagagem e aprendizado, a realidade na capital era completamente diferente. Ele conta que foi por volta dessa época que começou a experienciar crises de pânico e ansiedade. “Foi muito dolorido, eu não conseguia me encontrar”, relembra.
Foi quando ele percebeu que deixou de lado sua versão esportista e saudável para dar lugar a um homem que estava encaixando a vida no trabalho, e não o contrário. “Isso começou a me fazer mal física e psicologicamente. Eu percebi que precisava, com urgência, mudar meus hábitos.”
Dados da Organização Mundial de Saúde (OMS) dão conta que, somente no Brasil, mais de 18 milhões de pessoas sofrem de ansiedade. Esse dado faz com que o Brasil esteja no topo do ranking mundial do transtorno. E Rangel não foi exceção.
Diagnosticado com Transtorno de Ansiedade Generalizada e tendo vivenciado crises de pânico que o levaram ao Pronto Socorro, Rangel entendeu que sua dificuldade de adaptação à nova realidade e as auto cobranças excessivas com relação ao trabalho estavam transformando sua vida de uma forma que poderia ser irreversível.
“Já tive crise de ansiedade no meio da noite, trabalhando. Já tive crise em reunião, passei a ter pânico de coisas que nunca antes me afetaram, perdi a vontade de muitas coisas que antes eu amava. Depois que eu voltei a priorizar minha saúde, entendi que há uma diferença grande entre ser disposto e produtivo. Disposto eu estou o tempo inteiro, mas não vou parar a minha vida pessoal mais por causa do trabalho”, afirma.
O nascimento da Tambaqui Valley
Superando esses desafios – profissionais e pessoais -, Rangel conheceu, de fato, o ecossistema brasileiro de startups em 2016, em um evento do próprio Sebrae. “Na reunião com pessoas do Brasil inteiro eu ouvia eles falando sobre programas de pré-aceleração, investimento, termos em inglês… Coisas que eu nunca tinha ouvido falar na vida”, diz.
Neste dia uma informação o marcou: em um mapa com ações do Sebrae para fomento a startups em todo o Brasil, o estado de Rondônia era o único sem qualquer tipo de iniciativa. Ali, na sua vez de apresentar, Rangel prometeu que aprenderia com seus pares, estudaria o mercado e, em breve, colocaria seu estado como referência no ecossistema de startups brasileiro.
Voltou para casa com aquela história na cabeça. Dali em diante, passou a se conectar com importantes atores do ecossistema para entender sobre o setor e quais tipos de iniciativa ele poderia colocar em prática não só em Porto Velho, mas em todo o estado. Aconselhado por quem já estava traçando esse caminho há muito mais tempo, Rangel passou a ajudar no desenvolvimento de eventos e conexões dos empreendedores rondonienses.
No primeiro evento realizado, em um shopping da cidade, reunindo interessados sobre o ecossistema de todo o país, Rangel ouviu um comentário que o marcou: “um senhor que estava sentado na primeira fileira levantou a mão e disse ‘tá, mas eu ainda não entendi direito o que é essa tal de stand-up’. Ali eu entendi que a gente tinha que começar o trabalho desde a base”, lembra.
E esse evento, tanto quanto a mentalidade de começar o trabalho do começo e desenvolver uma fundação sólida para o trabalho dos talentosos empreendedores rondonienses, foi o início de uma história de sucesso que está destacando o estado no mapa: em 2020, a Tambaqui Valley foi reconhecida como Startup Revelação no Startup Awards, uma das maiores premiações do universo de startups do Brasil. Em 2021, venceu novamente, desta vez como Comunidade do Ano.
“Nossa comunidade começou como um grupo de WhatsApp, e há alguns anos não tínhamos nenhuma grande startup desenvolvida por aqui. Hoje já são mais de 50. No dia das premiações passou um filme nas nossas cabeças. Em cinco anos a gente conseguiu projetar nosso trabalho para o país inteiro ver, e eu ainda utilizo até hoje o Sebrae como instrumento para impulsionar a comunidade a qual pertenço”, completa.
Hoje, o ecossistema tem à disposição iniciativas de fomento como pré-aceleração, diversos eventos de fomento e conexão, missões realizadas por empreendedores locais nacional e internacionalmente e seu primeiro grande case local: a startup Fiscontech, como uma das mais promissoras do país.
E muito mais vem por aí.