* Por Fernando Taliberti
Com o avanço da vacinação e a sensação de maior controle sobre a Pandemia de COVID-19, 2022 marca o momento em que se tornou possível voltar aos escritórios. Em outras palavras: a hora da verdade. Os últimos dois anos terão trazido uma mudança permanente para a forma de se trabalhar ou terá sido essa apenas uma experiência passageira e tudo voltará “ao normal”?
Então, já que este retorno era possível, Elon Musk reacendeu a discussão sobre trabalho presencial versus remoto, com um posicionamento bem radical: ordenou que os funcionários da Tesla retornassem ao escritório ou fossem procurar outro emprego. Ainda no calor da discussão, em um Tweet, reiterou sua posição dizendo que “poderiam fingir que trabalhavam em outro lugar”.
A Tesla, embora um ícone da digitalização de uma indústria centenária, é uma fabricante de automóveis. Suas fábricas são o local de trabalho de boa parte dos funcionários, que não têm a opção de operá-las remotamente. Musk gosta de estar presente e entende que essa é a forma de dar o exemplo de como se deve trabalhar na empresa.
Curiosamente em uma outra titã do Hardware mundial, a Apple, o que ganhou notoriedade recentemente foi uma carta aberta de funcionários questionando a política de retorno aos escritórios. “Dizemos a todos os nossos consumidores como nossos produtos são ótimos para o trabalho remoto, mas não podemos usá-los para trabalhar remotamente nós mesmos?” questionava a carta. Lá, no entanto, a fabricação é terceirizada e portanto suas fábricas não são usadas como um ativo de comunicação da empresa como na Tesla. De fato, Tim Cook não pode usar o mesmo argumento sobre o trabalho presencial nas plantas como argumento para justificar a demanda de retorno aos escritórios.
Enquanto isso, empresas que abraçaram o modelo remoto para sempre, como a Shopify, aproveitam para comunicar sua flexibilidade como um diferencial na competição por talentos. Para essas empresas, bem como para outras que sempre adotaram um modelo distribuído de trabalho (como a Automattic e a Gitlab) o contato presencial é e sempre será essencial.
Espera, o que? Presencial?
Isso mesmo! Matt Mullenweg, CEO da Automattic e criador do sistema de gestão de conteúdo WordPress, costuma explicar em seus processos seletivos que o candidato deve esperar trabalhar ao menos 4 semanas por ano presencialmente. Em sua empresa os times têm autonomia e orçamento para se reunir com certa frequência em lugares diferentes do mundo. Além disso, a empresa também realiza eventos offsite reunindo todos os funcionários presencialmente.
Ali se constrói alinhamento, intimidade, proximidade e cultura. Esse tipo de interação é crucial para a construção do que é, na essência, uma empresa.
Mas o que então é uma empresa, senão o escritório? E não será o escritório uma parte importante da empresa?
A resposta, como sempre, é: depende. Se a empresa fizer do escritório uma parte essencial sua, corre um grande risco de perder sua identidade e coesão se não trouxer seus funcionários de volta a ele. Mas tirando todo o significado atribuído a este local ao longo do tempo, toda a bagagem, o escritório é um meio, uma ferramenta. Muito bom para algumas coisas e sem dúvida muito confortável para outras. Muito adequado para o encontro presencial.
Com suas salas de reunião, seus quadros brancos, sem dúvida, muito eficiente para provocar alinhamento. Não é o único. As empresas que citei anteriormente encontram outros locais com recursos similares para esses encontros e alinhamentos (ex.: hotéis, centros de convenção). E conforme a tecnologia avança e os times aprendem a utilizá-la, outros canais vão chegando cada vez mais perto da eficiência do escritório, em especial se colocado na balança o tempo diário de deslocamento de cada colaborador para usufruir deste.
Enquanto não havia tecnologia que oferecesse alternativas, o escritório era sim o único meio. Sem ele certamente as maiores empresas do mundo de hoje não existiriam. Mas é o escritório que as define?
Stigmata, um filme de 1999, fez uma provocação muito marcante à Igreja Católica e inusitadamente correlata com essa discussão. Ele cita uma relíquia que defenderia que a igreja está dentro de cada um de seus seguidores e à sua volta, não em “mansões de madeira e pedra”. No entanto, sem suas construções, sem esse meio para reunir seus fiéis e comunicar sua mensagem, dificilmente haveria uma religião de tamanha expressão mundial.
Uma empresa é algo muito mais intangível do que seu escritório. Sem ninguém dentro, a sede não constitui uma empresa, mas sem escritório o conjunto de pessoas, de valores e objetivos em comum, sua capacidade de trabalhar e se comunicar, ainda podem constituir uma empresa, como a Pandemia provou.
Vale para todas? Ou seria esse meio realmente essencial para algumas?
Bem, é difícil imaginar um restaurante existir sem um local físico, mesmo que só faça delivery, mas esse local pode estar mais ou menos ligado a essência da empresa. Esticando a imaginação, como a Apple, por exemplo, um restaurante de delivery poderia optar por terceirizar a operação e só cuidar das receitas de seus pratos, do marketing. Mas a realidade é que para empresas que têm a produção ou operação de bens físicos como parte da sua essência, ainda não estão amplamente disponíveis tecnologias que viabilizem que todos trabalhem remotamente sempre.
Para as outras há possibilidade de decisão. Reconhecer o escritório como um instrumento, uma ferramenta, acredito, pode ajudá-la.
Fernando Taliberti é empreendedor brasileiro, fundador, mentor e investidor de startup, escritor e palestrante com foco em modelos de trabalho inteligentes, saúde mental, intraempreendedorismo, cultura de inovação e digital. Formado em Engenharia de Produção pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), também possui especialização em Product Growth Marketing pela Tera e mestrado em e-business e Tecnologias para Gestão pela Politecnico di Torino, Itália.