Em diferentes níveis nós nos consideramos “animais racionais”, entendemos nossa habilidade de raciocinar como sendo a característica que nos diferencia dos outros animais.
Em particular, neste mundo de startups, estamos constantemente tentando responder à difícil questão de “Como demonstrar o valor do meu produto ao mundo?” Será o produto mais barato? Será o produto mais fácil de usar? Será o produto mais elegante?
Para entender a raiz desse problema, vamos retroceder alguns séculos para depois avançar ao que sabemos hoje: entender como raciocinamos.
“Penso, logo existo”
Provavelmente todos já ouviram e repetiram esta frase alguma vez na vida – normalmente com interpretações duvidosas -, mas poucos refletiram sobre o que ela significa. A frase é do matemático e filósofo francês René Descartes, um homem que duvidava e questionava tudo, inclusive seus próprios sentidos pois nós já fomos inúmeras vezes enganados por eles. Mas no mínimo o próprio fato de questionar, de pensar, define a única certeza que podemos ter: de que existimos.
O nome Descartes, em latim, é “Cartesius” de onde deriva a palavra “cartesiano”. Ela nomeia a filosofia de Descartes, ou “Dualismo Cartesiano“, a separação completa da mente e do corpo. “A Alma intangível existe a despeito corpo material”. É a introdução do pensamento matemático na filosofia e a ideia de que todo o conhecimento possível pode ser deduzido apenas pelo raciocínio, a despeito do corpo, dos sentidos e das emoções.
Vamos fazer um salto do século XVII até o século XIX e conhecer outro nome: Phineas Gage, um trabalhador de construção dos EUA que é lembrado até hoje por um episódio inusitado. Uma explosão no local de trabalho da ferrovia lançou um enorme cilindro de ferro, de 4cm de diâmetro e pesando 6kg, que entrou por debaixo de seu maxilar esquerdo, passando por trás do olho esquerdo, perfurando seu cérebro e saindo pela parte superior deixando um buraco no topo do seu crânio. Pela força da explosão o cano atravessou sua cabeça e pousou a 25m de distância. Ele permaneceu consciente, embora literalmente escorrendo cérebro pelo buraco.
O que torna o caso interessante é que Phineas sobreviveu e ainda viveu por mais 12 anos. Porém o resultado, segundo relatos da época, é que a pessoa de antes do acidente e a de depois, eram completamente diferentes. Embora não sejam confiáveis, os relatos o descrevem anteriormente ao acidente como “equilibrado, meticuloso e persistente quanto aos seus objetivos, além de profissional responsável e habilidoso”. Depois do acidente sua personalidade mudou, “era briguento, mal humorado, preguiçoso e irresponsável. Tornou-se impaciente e obstinado, passando a usar um linguajar rude nunca antes utilizado por ele”.
“Phineas não era mais Phineas”.
Esse episódio poderia ser considerado o catalisador para a moderna neurociência e efeitos na psicologia, sociologia e até mesmo na moderna economia comportamental. Em particular, o neurocientista português Antonio Damasio menciona esse caso em seu famoso livro “O Erro de Descartes“.
“Sinto, logo existo”.
A moderna neurociência já derrubou a antiga noção cartesiana de separação da mente e do corpo. Pelo contrário, hoje sabemos que o corpo influencia a mente. Para efeitos desta explicação, vamos simplificar a definição das nossas emoções como sendo a expressão do estado fisiológico do corpo e do cérebro, afetado por estímulos. V emos isso todos os dias, qualquer um que já utilizou drogas legais ou ilegais, prozac, zoloft, LSD, ou mesmo anomalias hormonais sabe o efeito devastador que isso tem na sua própria definição de “EU”.
A hipótese de Damasio é que a região danificada em Phineas foi o córtex pré-frontal esquerdo. É uma das bases para a “Hipótese dos Marcadores Somáticos” que propõe que nosso processo de tomada de decisões, longe de ser puramente racional e cartesiana, é guiada pelas emoções. Pesquisas feitas em diversas pessoas que, como Phineas, sofreram danos na região do neocórtex tem problemas na tomada de decisões e conduta social, tendo dificuldades de planejar em longo prazo, aprender com os erros, se comportar de maneira socialmente aceitável.
“Um homem tem sempre dois motivos para fazer qualquer coisa: o bom motivo e o motivo real”.
A origem deste artigo foi quando parei para refletir sobre esta frase, comumente atribuída ao gigante das finanças, que ajudou a constituir a General Electric, John Pierpont Morgan – conhecido mais como J.P. Morgan.
Retornando ao mundo da biologia sabemos que nada nem ninguém nos projetou como somos. Somos o resultado mais recente de constantes mutações e testes de sobrevivência no meio ambiente, por milhões de anos. Estamos no topo dessa cadeia, os Homo Sapiens, e graças a pensadores como Descartes, nos definimos como “Animais Racionais”.
De fato, uma das nossas características mais marcantes é possuir um cérebro dotado de córtex pré-frontal (PFC) que nos permite ter habilidades cognitivas, personalidade, expressão, capacidade de tomar decisões, moderar nossos comportamentos sociais.
Porém nosso cérebro é o resultado de uma evolução, o PFC é apenas o episódio mais recente. Mas segundo a teoria do cérebro triune, a segunda parte mais antiga é o que conhecemos como sistema límbico, a fonte das emoções, e o cérebro proto-reptiliano. Uma característica presente no cérebro de todos os animais, desde os invertebrados até nós, é possuir os mecanismos instantâneos que podemos resumir como “emoções”. Alegria, tristeza, medo, coragem, prazer.
Felizmente possuímos emoções como “medo”, é o que nos faz reagir antes mesmo de raciocinar a respeito. Pode ser o milissegundo de reação que vai fazê-lo se desviar do carro que você não percebeu conscientemente mas que iria matá-lo. O milissegundo que vai impedir manter sua mão perto demais da boca de um animal que está para mordê-lo. Tecnicamente, emoções não são somente instintos, porém emoções são instintivas.
A importância disso, e a teoria por trás dos Marcadores Somáticos, é que primeiro temos uma reação emotiva, depois é que temos uma reação racional, que demora mais para processar. Essa ordem é importante. Se nos utilizarmos de uma metáfora emprestada da psicologia de Freud, poderíamos equalizar o cérebro emocional como o “Id” e o cérebro racional, o PFC, como o “Ego”.
A ordem que estamos acostumados é que pelo menos nas nossas decisões mais demoradas, mais “ponderadas”, somos capazes de “desligar” pelo menos quase completamente nosso Id e utilizar somente a cognição do Ego, fazer análises de custo e benefício, avaliar os fatos de maneira imparcial, e tomar a melhor decisão possível.
Porém o que a neurociência evidencia é que o contrário pode estar acontecendo: primeiro seu Id já tomou uma decisão (“Eu quero isso!”), e depois seu Ego racionalizará e tentará justificar essa decisão (“Quero pelo motivo X.”). Alguns chamam isso de “gut feeling”, “intuição”, reação emocional visceral.
Ou seja, primeiro você tem um “motivo real”, a reação emocional. Depois você justifica e expressa com o “bom motivo”, a reação racional.
Isso é importante porque não pensamos nessa sequência. Sem ser rigoroso, veja o que é conhecido como “Marketing Mix” ou os 4 Ps do Marketing: Produto, Preço, Promoção, Distribuição (“Place”). Nos anos 1960, Jerome McCarthy cunhou o termo e Philip Kotler o dogmatizou na sua magnum opus, o Princípios do Marketing. Os 4 Ps já cresceram para 7 Ps, depois 4 Cs, 4 Es e continuam criando derivações.
Olhando de forma superficial, a maioria de nós está condicionada a racionalizar: comparar especificações técnicas, tentar justificar um produto como sendo superior ao outro por causa de preço, características técnicas, disponibilidade. E quando pensamos em como apresentar nosso produto ou serviço e em como diferenciá-lo estamos normalmente focados em torná-lo “melhor”, “mais rápido”, “mais barato”, todas justificativas racionais que imaginamos que mais vão influenciar os demais “animais racionais” como nós.
O papel do Marketing não é apenas ou meramente justificar um produto, não é satisfazer o Ego. O primordial é primeiro provocar o Id, criar a reação emocional visceral. As características objetivas não são dispensáveis, pelo contrário, serão ferramentas para a utilização do Ego ao tentar justificar a escolha. Mas a escolha já estará feita! Essa é a beleza da teoria.
Você pode justificar o quanto quiser sobre quantos gols seu time fez neste campeonato, quantas vitórias teve pela história, a escalação, esse é o seu córtex ventromedial pré-frontal tentando racionalizar a escolha emocional que o sistema límbico do seu cérebro já tomou. Note que se você é um amante de futebol nenhum volume de racionalização vai fazê-lo mudar seu “time do coração”.
Não é possível ajustar os níveis de noradrenalina, serotonina e dopamina diretamente via injeção de químicos nas pessoas para afetar suas emoções (só psiquiatras podem legalmente fazer isso). Mas podemos afetar essas reações por outros canais: seres humanos tem cinco sentidos que servem de interface. Por exemplo, qualquer campanha publicitária que coloque crianças tem como objetivo manipular seu sistema límbico a ter a primeira reação emocional antes que você pare para racionalizar.
Até aqui apenas raspamos a superfície do que áreas como medicina, neurociência, psicologia, sociologia, economia tem pesquisado nas últimas décadas, mas a intenção é apenas fazê-los entender que essas áreas existem, o conhecimento sobre o comportamento humano evolui o tempo todo, e podemos ter muitas novas perspectivas acessando esse conhecimento para utilizá-lo no mundo real.