Tem religião que proíbe o trabalho ou qualquer atividade criativa (criadora?) aos sábados, por ser o último dia na História da Criação. Tem uma outra religião, o empreendedorismo, que cultua o trabalho criativo (criador) a qualquer hora (viva a livre iniciativa). Alguns membros desta religião empreendedora também se dão ao direito de “tirar um ano sabático”, passar doze meses longe de qualquer obrigação profissional.
Há muitos anos eu não tiro férias, apenas aproveito duas semanas no final do ano para fazer um recesso (se bem que, nos últimos anos, sempre fiz algo profissional nas duas últimas semanas do ano – inclusive negociar termos de investimento). Reconheço que o trabalho é saudável e frutifica, mas também sei que trabalhar é altamente tentador, até mesmo fortemente viciante e claramente uma fuga (da realidade?).
Odeio feriado. Especialmente feriado no meio da semana. Feriado curto, de um dia, às vezes até que serve como alívio, respiro, refrigério, quando está colado no final de semana. Feriado longo, que suspende os mercados durante dois dias úteis consecutivos ou separados pelo final de semana, me deixam louco. Odeio feriadão muito mais porque não consigo lidar, não consigo me dedicar direito ao trabalho nem direito ao prazer ou descanso.
Teorias, orgulhos, ideologias, religiões e bonitezas à parte: odeio estar intoxicado pelo vício do trabalho, do qual os feriados me deixam abstinente – e em crise. Adoro criar, gerar, trabalhar, ser útil – mas não estar doente disso. Que os hipócritas não me acusem de ser hipócrita.
Prefiro férias. Eu acho. Mas tenho até receio de ficar mais de duas semanas sem vestir totalmente a camisa. O uniforme completo de empreendedor, que não sai da pele, não desgruda da alma.
Bolhas são expectativas infladas. E, para mim, tanto o vício em trabalho quanto a esperança na catarse dos feriados são expectativas infladas. As coisas boas e as más não acontecem necessariamente por causa de você estar oficialmente trabalhando ou oficialmente não trabalhando. Nem por você estar extra-oficialmente.
Você pergunta se reconheço que há relação entre trabalho e coisas boas, ou entre descanso e outros tipos de coisas boas? Reconheço que há relatividade, um tipo muito especial de relacionamento. Mas não sei se levo verdades tão a sério. Como disse Horowitz, as piores coisas que um CEO pode acabar fazendo são: 1) levar as coisas de modo pessoal e 2) não levar as coisas de modo pessoal.
Só sei que neste feriadão eu já chorei assistindo ao filme Jobs, ri assistindo ao segundo episódio da série Silicon Valley, ouvi bastante jazz lendo “Pop: why bubbles are great for the economy”, em que Daniel Gross conta como o telégrafo e o trem foram duas enormes bolhas que estouraram nos Estados Unidos nos anos 1800, mas deixaram legados importantes: comércio conectado todos os estados, comunicação em tempo real, Wall Street, transferências financeiras do tipo “wire” e todo tipo de regulamentação embasando o sistema financeiro e comercial.
Overrating tem raízes remotas e consequências vastas e profundas, independentemente de qualquer ilusão de controle ou abuso de poder. Empreender e inovar é comprometimento, mas também é desapego: o que tiver de morrer, vai morrer; o que tiver de renascer, vai renascer (mesmo que seja de outra forma).
A Páscoa me faz lembrar sim do pivot original: três dias depois de falir, Jay Cee retornou de outra forma. Aproveito e penso se o que eu faço deve continuar, acabar de vez ou “fechar para balanço” e ressurgir de outra forma. Lembro dos antepassados e dos caminhos que tomaram e que acabaram exercendo algum efeito também nos meus caminhos. O que será que pensavam sobre a bolha do telégrafo? E sobre a dos trens? Será que ouviram falar ao menos das recentíssimas bolhas pontocom e imobiliária?
Decidir o que tem a ver com você, decidir em que acreditar, é o que há. Decidir quais legados continuar. Tomar decisões ajuda a mudar o seu próprio mundo e isto é tudo que há para mudar. Lembrando que uma idéia é algo que você tem, mas uma ideologia é algo que tem você. Para bom empreendedor, coelho bota ovo de chocolate. Palmas para uma das maiores reengenharias meméticas da História da Humanidade.