* Por Rafael Kenji
Você já deve ter ouvido falar do open banking pelo menos nas propagandas de televisão. Uma estratégia que utiliza a tecnologia para compartilhar os dados bancários dos usuários com os bancos de forma integrada, para facilitar a aprovação de crédito e melhorar a transparência com os dados, facilitar a abertura de contas bancárias e uma maior praticidade ao usuário e às agências, que passam a fornecer serviços personalizados.
Agora o assunto é o open health, estratégia que passou a ser estudada recentemente pelo Governo Federal, com muitas semelhanças com o Open Banking, funcionando praticamente nos mesmos moldes, mas com a diferença de que o compartilhamento de dados é entre pacientes e empresas de plano de saúde e hospitais.
Um uso prático do open health é a situação em que o paciente vai à consulta médica agendada com alguns meses de antecedência e esquece de levar um exame de imagem importante. Com a tecnologia, o médico poderia acessar o exame, após a validação através de um token ou outra tecnologia que permita essa aprovação. Isso também é válido para prontuários eletrônicos antigos ou de outras instituições, através do prontuário eletrônico único, já em estudo há pelo menos dez anos no Brasil.
Com esse compartilhamento de dados, ficaria muito mais fácil para pacientes fazerem a portabilidade de planos de saúde, ou até mesmo uma integração entre as informações do atendimento do SUS com a rede privada, podendo contribuir para a diminuição do tempo de carência com a troca de planos.
Imagine um paciente que sofreu um acidente de trânsito e precisa ser levado imediatamente para a emergência ou precisa ser operado. Com o open health, qualquer hospital poderia ter acesso ao prontuário do paciente, medicamentos em uso, alergias, procedimentos cirúrgicos prévios e demais informações, mas apenas após autorização e validação do paciente. Essa facilidade colaboraria para uma melhoria da qualidade da assistência ao usuário, que tem suas informações guardadas em um único lugar, além de agilizar o atendimento, por acelerar as triagens e a busca de informações, chegando-se a alguns dos objetivos do Triple Aim, estratégia que tem como objetivo melhorar a qualidade da saúde.
Com esse tanto de benefício, fica fácil aprovar o open health, correto? A resposta é: não é bem assim. Apesar das semelhanças com o open banking, na saúde existem pontos delicados de discussão, que ainda precisam ser mais bem esclarecidos:
Os dados em saúde seguem as regras da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), que recentemente se tornou direito constitucional do cidadão, aumentando a segurança no tratamento dos dados. Porém, os dados em saúde devem seguir também outras leis e princípios, como o sigilo entre paciente e profissional de saúde, além dos códigos de ética que envolvem as profissões em saúde. É muito mais sensível o vazamento de uma informação em saúde, como uma doença ou condição que o paciente tem e que pode prejudicá-lo nos aspectos pessoais, profissionais e de demais relacionamentos, que o vazamento de dados pessoais. Imagine só um paciente portador de uma doença que tem essa informação compartilhada com colegas de trabalho ou seu chefe.
Outra preocupação é o uso de dados pessoais por operadoras de planos de saúde para desenharem os perfis do usuário e negarem a cobertura com base no seu histórico de saúde e adoecimento. Esses pacientes podem ser excluídos de algum benefício que teriam devido à sua condição de saúde, ou então ser-lhes cobrado um valor mais alto, até mesmo abusivo, por planos e operadoras de saúde.
A falta de segurança nas bases de dados, que são alvos frequentes de hackers, pode colocar em risco informações sigilosas dos pacientes, como aconteceu com a invasão do aplicativo conecte-SUS, recentemente.
Ao contrário do open banking, os dados em saúde são descritos e guardados de forma diferente em cada hospital, sem nenhuma padronização ainda no Brasil. Os prontuários são diferentes, os campos de preenchimento, bem como as descrições de cada doença, comorbidade, procedimento ou demais informações variam de lugar para lugar.
Mesmo com todos os benefícios que o open health pretende trazer, melhorando a qualidade do serviço prestado, existem grandes desafios que precisam ser superados, desde a maior segurança dos dados, como o uso do blockchain para garantir a segurança e o sigilo que precisamos ter com os dados em saúde, além da adaptação dos prontuários e modelos de registro das informações. Essas adaptações são urgentes e necessárias antes mesmo da implantação dessa nova ferramenta, principalmente porque, depois de processar e autenticar a transação, seria impossível alterar ou excluir as informações.
Com 727 operadoras médico-hospitalares registradas no Brasil, de acordo com a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), o open health ainda precisará passar por diversas instâncias antes de ser aprovado, além de um estudo maior, com a participação dos Conselhos Federais e demais órgãos fiscalizadores e reguladores.
Rafael Kenji é Médico, investidor-anjo e CEO da Feluma Ventures; Fundador da Academy Abroad; Intercambista da Harvard Medical School; Speaker do TEDx FCMMG; Associado Efetivo do Colégio Brasileiro de Executivos em Saúde; Professor do MBA de Gestão em Saúde 4.0 do BBI of Chicago; Mentor e palestrante sobre os temas inovação, empreendedorismo, healthtechs, telemedicina e gestão em saúde; Ex-Gerente Médico da Conexa e Ex-Diretor Comercial do Jaleko; Former Associate Development Director da Junior Enterprise USA; Fundador e Ex-presidente da Medic Júnior Consultoria em Saúde.