* Por Débora Feliciano Savino
A covid-19 compreende uma doença nova que não possui terapia aprovada para prevenção ou tratamento, declarada uma Emergência de Saúde Pública de Preocupação Internacional pela Organização Mundial da Saúde em razão do alto número de afetados e mortos e que tornou-se emergente o descobrimento de uma intervenção terapêutica.
Entretanto, como demonstramos no primeiro artigo da série, o desenvolvimento de um novo tratamento, desde os estágios iniciais de pesquisa por uma nova molécula ativa, até a sua otimização, desenvolvimento e testes clínicos, pode fazer com que um novo medicamento para o tratamento da doença demore anos para chegar às prateleiras das farmácias, o que não condiz com a realidade que vivemos.
Uma das estratégias que pode levar ao lançamento, de forma mais rápida, de um tratamento para uma nova doença é o repurposing, ou reposicionamento, que compreende o emprego de um fármaco, já existente, no tratamento de uma nova doença.
Tal estratégia é benéfica, uma vez que o fármaco existente já passou pelos estágios de testes em humanos e tem sua segurança comprovada, necessitando passar exclusivamente pelos testes de eficácia contra a nova doença em que será utilizado.
Uma forma eficiente de testar fármacos já existentes em doenças novas é a utilização de fármacos da mesma classe terapêutica, no caso, antivirais. Assim, os estudos utilizando fármacos antivirais como Favinapir, Ritonavir (Anti-HIV), Oseltamivir (Anti-Influenza), Lopinavir (Anti-HIV), Ganciclovir e Remdesivir, na tentativa de reposicioná-los e, assim, descobrir o tratamento de covid-19 foram desenvolvidos e mostraram que, dentre todos os antivirais testados, o Remdesivir é o mais promissor.
O Remdesivir, desenvolvido pela farmacêutica americana Gilead Sciences, é um fármaco inicialmente desenvolvido para o tratamento de pessoas contaminadas com Ebola, mas que apresenta atividade antiviral frente a vírus de RNA, como é o caso do coronavírus. O medicamento se mostrou tão eficaz em reduzir o tempo de internação de pessoas acometidas pela covid, que o FDA aprovou, em caráter emergencial, o uso deste fármaco no tratamento de casos severos da doença.
Vale ressaltar que o uso de Inteligência Artificial pode abreviar ainda mais o processo de reposicionamento de fármacos. No combate à covid-19, pesquisadores do CNPEM mapearam por meio de Inteligência Artificial e biologia computacional a nitazoxanida entre 2 mil fármacos como uma possibilidade capaz de combater a doença.
Mas onde entra a Propriedade Intelectual no reposicionamento de um fármaco que já existe e que, provavelmente, já foi patenteado antes? No Brasil, a Lei da Propriedade Industrial impede que “métodos de tratamento” sejam patenteados, entretanto, pode-se proteger o uso de um composto na preparação de um medicamento para tratar uma doença, numa construção de proteção chamada “Fórmula Suíça”.
O reposicionamento de um fármaco constitui um segundo uso de algo que já teve seu uso previsto para outra doença, e a proteção pode ser dada por um dispositivo chamado Patentes de Segundo Uso Farmacêutico, possível de ser concedida pois, apesar de o composto já estar disponível no estado da técnica, a sua utilização em uma nova aplicação não está prevista.
Outras indústrias farmacêuticas já utilizaram dessa abordagem antes, como é o caso da Pfizer com a Sildenafila (Viagra), medicamento previsto para ser utilizado no tratamento de Hipertensão Arterial Pulmonar, mas que se mostrou eficaz no tratamento de disfunção erétil.
Logo, é possível desfrutar dos benefícios da proteção patentária, ainda que a substância já tenha sido anteriormente patenteada. No entanto, os custos nesse caso podem ser significantemente menores com resultados e retornos bastante promissores.
No próximo artigo dessa série, vamos tratar do desenvolvimento de vacinas e como a propriedade intelectual pode ajudar no desenvolvimento mais célere e na proteção fruto das pesquisas.
* Débora Feliciano Savino é especialista em patentes no Vilela Coelho Sociedade de Advogados, fluente em inglês, graduada em farmácia e bioquímica pela Universidade de São Paulo – USP e mestranda em Química Farmacêutica também pela USP. Participou em diversos seminários e cursos na FIOCruz, ABIFINA e ABAPI.