Nem todo mundo termina a faculdade antes de começar a própria empresa, mas muita gente toma esse caminho. O problema é que a universidade pode não informar tudo o que você precisa saber para criar uma companhia e fazer com que ela decole. Ruy Luiz de Paula, consultor da Hirashima, me ajudou a listar quais conhecimentos o empreendedor precisa estudar por conta própria para poder tocar o seu negócio da melhor maneira.
“Geralmente, na faculdade, as pessoas aprendem muitas coisas que vão usar num nível gerencial, como estratégias de contabilidade e a conversão de práticas brasileira para a internacional, mas nem sempre os procedimentos do dia a dia são ensinados”, explica Ruy, que presta consultoria para fundos de investimento instalados no Brasil. “Existe uma parcela do negócio da startup que não se diferencia de uma padaria, por exemplo, que é a organização dos números e o controle do que entra e sai. Muita gente fica deslumbrada e é preciso se organizar e ter os conhecimentos básicos para tocar a empresa.”
O consultor separou três grandes áreas principais que precisam ser estudadas:
1) Pagamentos e contabilidade
“O empreendedor precisa entender e conhecer como funciona o seu próprio sistema de pagamento e recebimento. Muitas vezes, ele não sabe como é que entra o dinheiro e como se registra isso. O dono da empresa precisa dessa informação para poder falar, com propriedade, da receita que gera a possíveis investidores.
Às vezes, ele confunde faturamento com receita, número gerencial com número contábil… São coisas que normalmente você não aprende na faculdade. Aprende quem está trabalhando na prática nesses setores ou em consultoria. O engenheiro que está abrindo uma empresa, por exemplo, precisa correr atrás desse conteúdo para entender como funciona a contabilidade. Ele não precisa se tornar um contador, mas saber conversar com o contador contratado e poder perguntar sobre o que o seu departamento financeiro está enviando para a contabilidade. É preciso acompanhar o trabalho do contador, para não deixar acumular problemas em só descobrir isso em um momento de auditoria.
Se não cuidar dos números, pode ser que tenha que voltar anos e reprocessar tudo. Existe um caso prático de uma empresa que estava contabilizando tudo por contabilidade americana, sem pagar os impostos corretos. Eles tiveram que voltar. Todas as notas fiscais foram reemitidas, como se a empresa estivesse começando do zero… Isso custa muito caro e dá pra evitar se o profissional tem esse conhecimento básico de contabilidade. Ou ele pode contratar de fase inicial a consultoria e saber avaliar o contador que está contratando.
Um contador ruim é como um fornecedor ruim.”
2) Questões trabalhistas
“Nas universidades, o foco do ensino é nos recursos humanos. O aluno estuda o melhor perfil de profissional para cada área, tem acesso a várias teorias. Mas não adianta nada se ele não souber o impacto financeiro de um aumento de número de funcionários. O empreendedor precisa saber o que ele vai ter que pagar a mais de FGTS, INSS, etc.
Também é preciso saber qual o risco de contratar um profissional por meio de Pessoa Jurídica, o PJ. Se sofrer uma fiscalização do INSS, por exemplo, o fiscalizador pode dizer que você deveria ter recolhido INSS sobre tudo o que você pagou para o PJ, se ele considerar que aquele funcionário tem vínculo empregatício. O fiscalizador pode ver, por exemplo, se a pessoa emite notas sequenciais para aquela empresa e se tem uma linha de comando na estrutura da companhia. Existem uma série de perguntas que comprovam que, na verdade, ele é um CLT.
Isso pode render multa em caso de fiscalização. Quando um consultor vai avaliar a venda da empresa, você vê o tamanho do buraco que aconteceria com uma possível fiscalização do INSS. É uma multa a qual o comprador da empresa está exposto se houver uma fiscalização.”
3) Questões tributárias
“O ambiente tributário do Brasil é muito complexo e beira à insanidade. As leis mudam muito rápido, tem medida provisória, guerra fiscal… Mesmo um especialista precisa se manter atualizado regularmente.
Quanto aos impostos, existe o risco de fiscalização, existe os riscos de desembolso futuro. Se o empresário não está pagando um imposto, não sabe que está subordinado a um órgão regulador, em algum momento isso estoura e fica mais caro do que ter feito o pagamento normal. O investidor também vê isso como uma empresa que está “potencialmente devendo”.
Se são dois engenheiros saindo da faculdade que estão começando a empresa, dificilmente eles irão se preocupar com isso, então pode acabar criando um buraco grande para o futuro. Existe um processo de ‘check-up’ da empresa chamado Due diligence, mas isso é mais feito quando existe negociação de aquisição ou fusão. Neste processo, são analisados os últimos cinco anos da empresa, que é o período ao qual ele está submetido à fiscalização.
A gente sabe que o empresário brasileiro tem que correr riscos, mas é importante ele conhecer o risco que ele está correndo. Numa eventual discussão com um investidor, ele pode explicar porque decidiu correr esse risco, o que enriquece bastante a discussão.”
Esta matéria é a terceira (e última) feita a partir de uma tarde que passei na Hirashima. Leia as outras:
– As práticas que podem inviabilizar a aquisição da sua startup