Claro que vocês, leitores atentos do Startupi, já estão sabendo sobre o projeto de lei 321/2012, também chamado de SisTENET, que foi ratificado no Senado Federal no começo deste mês e que agora será encaminhado para a Câmara dos Deputados para apreciação.
Já havia lido o projeto, as críticas e os comentários tecidos por muitos dos nossos leitores e, com toda essa munição, eu procurei especialistas do meio startupeiro, além de advogados tributaristas ou especializados no atendimento às startups nacionais para comentar as principais benesses e fissuras do projeto. Já adianto que a reportagem está longa, mas a ideia é dar um panorama completo, ou quase, sobre as questões que envolvem o SisTENET.
Existem muitos pontos polêmicos na redação, mas, certamente, o que causou mais agonia em startupeiros foi a estipulação do faturamento trimestral de uma startup em R$ 30 mil (ou R$ 120 mil anuais), o que é considerado extremamente baixo. Traçando um paralelo, o Simples, cujo foco é a tributação para pequenas e médias empresas, estabelece como teto o faturamento de até R$ 3,6 milhões para pequenas e médias empresas. Uma diferença abissal.
De fato, o que todos os especialistas consultados nos contam é: existe, sim, um grande mérito em esse assunto ter sido levado à pauta do Congresso Nacional – na realidade, a existência do projeto de lei faz parte de um movimento das duas casas legislativas para a redução, ainda que gradativa, da carga tributária no país. A redação, no entanto, tem falhas que precisam ser ajustadas.
Duas faces da mesma moeda
Rodrigo Menezes, advogado especialista em startups da Derraik & Menezes Associados, é taxativo: “só tem uma coisa boa: qualquer coisa que tenta melhorar o ecossistema é válida”, declarou. “Tirando isso, a limitação dela é muito grande. A maneira como a lei está escrita estipula o capital da empresa como se fosse formado de doações e de subvenções, o que é incorreto. Sem contar a questão do faturamento trimestral. Os R$ 30 mil são baixíssimos.”
Ele aponta outra lacuna esquecida no projeto de lei: a falta de incentivo fiscal ao financiamento privado. “É preciso aumentar o faturamento para essas empresas para pelo menos uns R$ 350 mil por ano e criar incentivos para investimentos privados, ou seja, é fundamental reescrever a lei”, apontou Menezes.
Endossa a crítica também o advogado especialista em startups e mentor jurídico da Aceleratech, Flavio Picchi, que comanda o blog StartDireito. “Minhas críticas são de natureza técnica. Um dos méritos do projeto é estar inserido em várias ações em prol do empreendedorismo e da redução da carga tributária. A restrição é muito grande para o conceito de startup: apenas software e hardware, e startups são mais do que isso”, analisa ele. “Falta tecnicidade [na redação]. O mérito está na iniciativa, mas, se isso passar sem revisão, é possível que a lei tenha o efeito contrário, que seja mais restritiva do que ampliativa.”
Picchi, contudo, acredita que as sugestões de mudança no projeto de lei sejam acatadas pelo autor, o senador Agripino Maia (DEM-RN). “Todas as críticas são feitas para discutir o empreendedorismo; o projeto não é o Judas da vez, ao contrário, já que desperta uma discussão muito importante”, nota o advogado.
Tanto Menezes quanto Picchi, que conhecem o ecossistema de startups a fundo, concordam que outra lacuna do projeto é não contemplar as investidoras de startups. “Todos os países europeus mantêm incentivos fiscais para as investidoras de startups, seja abatendo o imposto de renda para as aceleradoras, seja destinando um pouco do dinheiro do imposto para um fundo de investimento em ações. Esse projeto de lei abre a discussão sobre o capital investidor e quais critérios podem ser usados para aportes nas startups”, elucida Picchi.
Alterações e perspectivas
“O projeto foi aprovado no Senado e agora vai para a Câmara. É muito provável que ele sofra alterações, já que o limite de faturamento é realmente estreito. Se a ideia é estimular e incentivar as startups, esse limite tem que ser aumentado”, explicou o advogado tributarista Alexandre Freitas, da Baptista Luz, Gimenez & Freitas Advogados – que também costuma atender muitas startups. “Outra coisa importante: ele fala da isenção de impostos federais, mas não discrimina quais tributos e contribuições serão isentadas. Não está claro se startup vai ter isenção de PIS e Cofins, por exemplo, e isso terá de ser esclarecido na hora de passar”, indica ele.
“Isso tem que estimular e abranger o maior número de empresas. Pode-se usar o Simples como parâmetro já existente, cujo teto de faturamento chega a R$ 3,6 milhões. É um possível cenário a ser considerado”, reflete Freitas.
Que a redação da lei deva mudar não restam dúvidas – a questão agora é que exista uma “pressão amiga”, ou o chamado lobby/advocacy, para influência e convencimento dos parlamentares a fim de costurar as melhorias no projeto de lei para as startups. À sociedade civil organizada se delega esse papel extremamente delicado e importante.
Sob a ótica do investidor, o projeto de lei é visto com bons olhos. “É uma grande vitória para as startups que, no começo, podem estar cometendo alguma irregularidade fiscal ou trabalhista por desconhecimento ou ingenuidade. Esse risco desaparece e é um conforto para o investidor, a startup não está sujeita a essa contingência”, avalia Fernando Taliberti, diretor da TOTVS Ventures, braço de venture capital da companhia.
Às startups que serão beneficiadas – com a esperada mudança da redação ou não – ele aconselha: “Há um cuidado a se tomar: não é uma desoneração real, é uma exceção; então o empreendedor deve ter mais atenção para não recair na zona de segurança durante esses quatro anos de desoneração e observar com atenção a sobrevivência da startup. Se o modelo de negócios não for viável, só há a postergação da morte da startup. Esse período é válido para testar modelos de negócios e para se preparar ante um cenário mais complexo.”
O que a lei vai definir como startup
Veja a redação final do projeto de lei – aprovado por unanimidade – com as assinaturas dos senadores
Veja o relatório com parecer favorável
Veja na íntegra o projeto de lei original – com a justificação completa