O Hotel Urbano, que mantém uma agência de viagens online, tem se destacado como um dos expoentes dessa nova geração de startups que toma conta do Brasil. Criada em 2011 no Rio de Janeiro, a empresa apostou num crescimento agressivo para subir de cinco para 350 funcionários em dois anos e anunciar um faturamento de R$ 280 milhões em 2012. Agora, para o fim de 2013, eles pretendem expandir suas fronteiras para o mercado como um todo na América Latina.
Por trás disso tudo, existe um time forte de empreendedores, incluindo os irmãos José Eduardo e João Ricardo Mendes, sócios fundadores da companhia. Nesta semana, conversei com o João, que fica mais focado no setor financeiro da empresa. Sem rodeios para falar o que pensa, ele falou um pouco sobre os aprendizados no seu tempo de mercado de varejo e sobre por que ele queria deixar investido todo o dinheiro que recebeu do aporte da Insight Ventures Partners, para ninguém ficar acomodado com a certeza do dinheiro em caixa.
Os planos sempre foram crescer assim rápido?
Na verdade, foi engraçado isso, porque a gente estruturou a empresa tudo muito rápido, em questão de dias, menos de duas semanas. A gente tinha uma estratégia de marketing bem definida desde o início. Não era um plano de negócios, era uma estratégia de marketing. O meu irmão, o Eduardo era muito otimista num crescimento alavancado assim, muito rápido. Eu já era muito mais realista. Ele vinha com números do modelo e a gente tentava projetar o modelo, o valor do investimento uma taxa de conversão.
A gente pensava eu fazer muita coisa diferente do que a gente via no mercado, porque a gente via muita coisa errada no mercado de viagem no Brasil. Muita estratégia errada, todo mundo exportando o desenvolvimento de software que poderia ser feito em casa para entender melhor as campanhas.
Eu acho que a gente esperava, mas meu irmão era muito mais otimista nisso. Se você for analisar em viagem, não me recordo de outra agência de viagem online que tenha sido assim. Na China, teve uma que teve um crescimento bem rápido, mas ‘travel puro’ não sei. O Decolar tem 15 anos de mercado já.
Acabou superando até as expectativas dele, a gente fez o nosso modelo várias vezes. A gente refaz o nosso modelo várias vezes até hoje. Mudamos de escritório seis vezes. íamos pegando para 40 pessoas, depois para cem… Agora a gente pegou um para 500 e tem um pé direito de 15 metros e dá pra fazer um segundo andar.
Você acabou de dizer que via muita coisa errada nesse mercado. Você pode dar exemplos?
A gente via não só em travel, mas muita coisa de internet, muito empreendedor terceirizando o “core” dele. Às vezes é código, às vezes é o marketing, às vezes é a gestão de campanha de Google. Então, o cara acaba pegando o seu melhor ativo, o que era pra ele aprender, o que era pra saber melhor do que ninguém, ele acaba dando pra uma agência de um cara que trabalhou com marketing off-line a vida inteira e fez dois cursos de Google Analytics e acha que entende alguma coisa de Google. Ou contrata uma ferramenta pra fazer tudo sozinho. Não sei o que é pior.
No nosso caso não. A gente estudou quais são os drivers de crescimento, os canais que podem alavancar o nosso crescimento, como é que o Booking.com chegou onde chegou? Chegou por causa do investimento no Google. Facebook a gente foi até um pouco pioneiro no setor de viagens. Pensamos em como podemos explorar o Facebook. Vejo muita gente dizendo que investir no Facebook é rasgar dinheiro, que está todo mundo cortando o orçamento. É rasgar dinheiro se você fizer as coisas “by the book”. Se você entender que o Facebook faz parte de um ciclo de engajamento que faz parte de todo o ciclo de converter uma venda, seja em um dia, um mês ou dois meses… Você vai investir em Facebook. Se você mensurar esse investimento em “lifetime value”, você vê que o ROI é tão bom quanto o do Google.
O que eu via de errado era isso. É um gigante acomodado, na zona de conforto, e alguns empreendedores que estudaram em faculdades boas, mas esqueceram de continuar estudando. Hoje, duas horas do meu dia eu estou falando com alguém de alguma ferramenta, dos Estados Unidos, da Índia… Eu incentivo todo mundo que trabalha com a gente a fuçar, pesquisar, descobrir quem é o melhor. Também passo horas entrevistando e conversando com pessoas, incentivando as pessoas a investirem nelas mesmas. No Hotel Urbano, a gente incentiva, se quiser trazer pra dentro de casa, a gente vai trazer.
Outro erro gigante que vi está nas empresas de internet não entenderem o seu consumidor. Elas têm todos os dados possíveis para literalmente brincar e entender tudo o que aquele consumidor gosta e usar isso ao seu favor. Ou posso pegar milhões e ficar brincando de gastar dinheiro em televisão ou Google sem estruturar campanha nenhuma. A gente escolhe a primeira opção.
Durante dois anos, eu viajei toda semana pra Palmas ida e volta, gastando R$ 1 mil. Gastava R$ 50 mil por ano no Decolar e eles não sabem quem eu sou, não sabem de quem eu gosto. É você entender seu cliente. Quem faz isso bem nos Estados Unidos é a Amazon, que é uma empresa centralizada no consumidor. Tem empresa que não precisa ser centralizada no consumidor, como a Apple, que precisa focar no produto. Agora, a empresa que vem de um serviço ou produto, se você não for centralizado no consumidor e o seu concorrente for, ele vai ganhar de você. Ele vai ganhar porque ele vai acabar matando você pelo caixa.
Como é que você vê essa estruturação do investimento na empresa e o faturamento que ela gera?
O Hotel Urbano hoje não tem necessidade de oferta primária. Nós temos fluxo de caixa positivo e optamos pelo crescimento, ao invés da lucratividade, mas não opto pelo prejuízo. Essa estratégia pode contribuir para uma valuation maior, se você fizer da forma certa, usar uma forma inteligente de gastar dinheiro. O Booking.com é uma empresa da Priceline e até o ano passado, eles nunca tinham feito uma propaganda na televisão. No cenário de ser agressivo em marketing, você tem duas situações. Você precisa se dar ao trabalho de pegar os clientes que se cadastram, entender essas pessoas e distribuir isso num banco de dados. Dá pra entender o comportamento dessas pessoas. A gente se dá ao trabalho, de trabalhar em cima desses clientes.
É como um cara que estuda pra ser juiz ou promotor. Internet é tão difícil quanto. Eu vejo a galera muito acomodada. E é fácil você se acomodar, se você já tem milhões no caixa. Você já está na zona de conforto.
A gente adotou uma estratégia. A gente fez três rodadas de investimento, mas foram porcentagens pequenas. Eu prefiro ter uma empresa crescendo absurdamente com o controle meu e o financeiro vai saber que não vai ter nada no caixa sem ter o que fazer. Às vezes, eu queria pegar o nosso caixa, sumir, colocar num investimento e pedir pro financeiro se virar. A gente acaba aumentando o orçamento e ficando preguiçoso.
Agora vocês estão estruturando essa expansão internacional. Qual é a estratégia?
Estamos seguindo o modelo do Booking.com também. A gente tem uma estratégia no Google bem vencedora. O comportamento do internauta muda em cada país, mas replicar uma estratégia de Google e começar a ver o que ta funcionando ou não, pode ser vencedora no mundo inteiro. Isso, principalmente se você tem uma API forte por trás, que vai dizer o que converte em cada país melhor.
É o que o Booking.com. Eles traduzem o site, fazem um espelho da campanha de Google e começa a rodar e vai ajustando. Eu acho que o Brasil é mais de 50% do PIB da América Latina, então não era pra gente ter essa pressa toda, mas, quando a gente der o primeiro passo, vai ser bem rápido em todos os países, menos Venezuela.
Pensamos em abrir escritórios pequenos em cada país, um time enxuto. No máximo 50 profissionais de relacionamento, mas marketing e desenvolvimento fica tudo no Rio de Janeiro. A estratégia é enxuta, não vai ter necessidade de investimento alta. A gente quer que todo mundo fale a mesma língua. Equipe comercial dá pra fazer um intercâmbio, mas não dá pra espalhar os desenvolvedores pelos países.
Vocês abriram duas lojas físicas no Rio de Janeiro. Por que essa decisão de ir pro off-line?
A gente faz muita pesquisa no Hotel Urbano. A gente tem mapa de calor pra tudo, a gente muda a usabilidade do site muito. Às vezes, uma pessoa pode estar vendo um site e a outra vendo outro. A gente acaba entregando diferente, às vezes é um detalhe em cor de botão. Além disso, a gente faz pesquisa de tendência, do que as pessoas estão buscando. Eu fico sabendo o que a galera está buscando na web.
Talvez na novela tenha falado sobre a Turquia ou a Gol fez uma promoção. Certas coisas você não prevê sem os dados em tempo real. Mesmo você sendo muito assertivo nisso, tem certas coisas que só o atendimento ao cliente vai saber. Às vezes, o cara tá com dificuldade de achar o botão. A gente tem um feedback diário do nosso atendimento sobre a usabilidade, o produto, as tendências. Acabou virando um laboratório para ajudar a entender o cliente. A gente tem um faturamento legal por metro quadrado, mas o maior ativo é essa informação que não conseguimos no online.
Como você compara as suas experiências anteriores de empreendedorismo ao que você está vivendo agora?
A gente já fez uma empresa de varejo. Eu acho que o cara que toca bem um varejo no Brasil, de internet, ele pode ser bem sucedido, porque você está falando em otimizar as campanhas de marketing, entender o cliente, mas também tem que juntar com todos os impostos, o fluxo de caixa negativo. Hoje, no Hotel Urbano a gente recebe e você pode se hospedar em meses, a gente poderia fazer um banco com o nosso fluxo de caixa. O varejo é o oposto. Você recebe em 12 vezes e tem que pagar o fornecedor em 30 dias. Então, você começa a olhar cada detalhe da operação e tentar maximizar os resultados de tudo. A margem é muito baixa.
Não que o nosso modelo seja “a prova de idiota”, mas é diferente. Eu participei da melhor faculdade do mundo ao fazer um varejo da internet. Às vezes você colocar o cara no meio do tiroteio ensina bastante.