* Por Erik Nybo
Foi feita uma pesquisa para analisar como as pessoas interagem com documentos jurídicos e como essa interação muda quando são aplicados princípios de design e de experiência do usuário (user experience – UX) nos documentos jurídicos. A esse tipo de prática se dá o nome de legal design.
O uso de legal design é importante para que as pessoas consigam entender os documentos jurídicos que, na sua maioria, acabam sendo muito complexos ou difíceis de ler. Isso se torna um problema maior ainda quando consideramos o número de analfabetos e pessoas com baixo nível instrucional no país. Portanto, o legal design pode ser uma maneira de inclusão social e de acesso à justiça.
A pesquisa conduzida pela Bits Academy foi realizada com 463 voluntários, cuja idade variava entre 21 e 51 anos, distribuídos em 20 estados diferentes e cobrindo as 5 macrorregiões do Brasil. Esses voluntários foram distribuídos em 3 grupos diferentes: (i) um grupo controle; (ii) um grupo de advogados; e (iii) grupo de leigos.
O grupo de controle representou o comportamento comum dos usuários de documentos jurídicos e serviu como base comparativa para as análises dos demais grupos. Esse grupo era formado por pessoas formadas em Direito, bem como pessoas com outras formações.
O grupo de advogados representa o grupo que cria os documentos jurídicos e que também recebe esses documentos quando faz transações, por isso, os advogados também são usuários e, muitas vezes, até usuários mais frequentes desses documentos. Por último, o grupo de leigos representa a população como um todo, sendo formado apenas por pessoas sem formação jurídica. Esse grupo foi composto por pessoas de diferentes profissões.
A pesquisa foi dividida em 2 fases. A primeira era baseada nas preferências que os entrevistados tinham em relação aos recursos de design apresentados para eles. A segunda fase consistia em apresentar um documento jurídico para leitura deles e analisar o padrão de leitura por meio de um algoritmo que foi instalado por trás do documento. Neste artigo, vamos discutir apenas o padrão de leitura identificado pela pesquisa da Bits Academy.
Como o grupo controle representa a situação atual da sociedade em que são utilizados modelos de documentos jurídicos tradicionais, foi apresentado ao grupo controle um contrato tradicional para leitura. Assim, seria possível entender como as pessoas no geral leem e interagem com um documento jurídico. Esse modelo teve o seguinte padrão de leitura:
Depois, foi apresentado um documento elaborado com técnicas de legal design para o grupo de advogados, cujo padrão de leitura foi:
Em seguida, apresentamos o documento elaborado com técnicas de legal design para o grupo de leigos, cujo padrão de leitura foi:
Logicamente, é possível analisar diversos aspectos nos padrões de leitura verificados pelo algoritmo em todos os casos. No entanto, é interessante verificar que no modelo de contrato tradicional o nível de interação e talvez atenção no documento é muito menor em comparação com os demais. É possível ver nos mapas de calor que há pouquíssima interação com o documento. Isso é um exemplo do que acontece hoje com os documentos tradicionais.
De outro lado, quando analisamos os dois outros grupos (de advogados e leigos) e como eles interagem com o documento elaborado a partir das técnicas de legal design é possível ver que a interação parece ser muito maior. Inclusive, existem diferenças nas interações dos advogados com o documento quando comparado com os leigos. Aparentemente, os advogados focam muito mais no início das cláusulas do que os leigos, por exemplo.
Dessa forma, embora possam ser analisados diversos outros aspectos, é possível notar que há maior interesse e interação dos entrevistados quando o documento apresentado é elaborado com as técnicas de legal design.
Um ponto curioso nessa pesquisa, no entanto, é que quando os advogados foram indagados sobre qual tipo de documento preferem, eles responderam que optam pelo documento elaborado com técnicas de legal design. Esse é um resultado surpreendente e em algum grau até irônico.
Apesar da preferência manifestada pelos advogados entrevistados, sabemos que hoje são os próprios advogados que elaboram a maioria dos documentos jurídicos utilizados na sociedade. Esses documentos são extremamente difíceis de entender. No entanto, eles tem uma preferência por documentos elaborados com as técnicas de legal design, os quais unem o uso de recursos de design e princípios de experiência do usuário (user experience – UX).
Erik Fontenele Nybo, fundador da BITS Academy. Foi gerente jurídico global da Easy Taxi. Autor e coordenador do livro “Direito das Startups” (Saraiva) e “O Poder dos Algoritmos” (Enlaw) e coordenador do curso “Direito em Startups” no INSPER. Advogado formado pela Fundação Getúlio Vargas. Email: erikfnybo@gmail.com.