O ano foi 2001. Um grupo de programadores sêniores se reuniu numa estação de esqui em Snowbird, Utah. Estavam ali os principais nomes da programação dos Estados Unidos. Kent Beck, Alistair Cockburn, Ward Cunningham, Martin Fowler, Jim Highsmith, Ron Jeffries, Brian Marick, Bob Martin, Ken Schwaber, Jeff Sutherland, Andy Hunt, Dave Thomas, Mike Beedle, Arie van Bennekun, James Greening, Jon Kern, Steve Mellor. É uma lista de “quem é quem” da programação.
Desse encontro histórico surgiu um manifesto de 4 valores e 12 princípios. Ele ficou conhecido como o “Manifesto Ágil”.
Treze anos depois, Dave Thomas, o senhor “Pragmatic Programmer” – que inclusive foi um dos mais diretamente envolvidos na redação propriamente dita do texto do manifesto -, publicou um artigo de desabafo chamado “Agile is Dead, Long Live Agility”.
A intenção dos agilistas originais foi causar uma quebra na forma antiquada de se pensar e executar a engenharia de software – o mesmo tipo obsoleto que ainda é ensinado hoje na maioria da universidades do país. Isso causou um enorme furor na indústria. Criaram-se derivações, treinamentos, ferramentas, certificações, conferências, consultorias. Um enorme portfólio de opções para qualquer tamanho a qualquer preço. E no meio de todo esse circo esqueceu-se o que é de fato ser um agilista.
E como bem resumiu Dave Thomas em seu desabafo, você não “faz” Ágil ou “compra” Ágil. Agilidade é uma qualidade, um adjetivo. Para ser ágil temos que voltar aos princípios, citando:
Descubra onde você está.
Ande um pequeno passo em direção ao seu objetivo.
Ajuste seu entendimento baseado no que aprendeu.
Repita
Como fazer isso:
“Quando se deparar com duas ou mais alternativas que entregam mais ou menos o mesmo valor, escolha o caminho que facilite modificações futuras.”
E é apenas isso, 4 linhas e 1 prática.
Treze anos depois que algo simples foi publicado pela primeira vez parece que o mundo se tornou extremamente complicado. Scrum, Kanban, Scrumban, Lean Programming, Lean Six Sigma, Agile PMI. E num momento onde o caos reina, quem “parece” conseguir explicar o caos se torna um guru. E assim surgem as associações, certificações, treinamentos, conferências. Funciona assim para dietas, funciona assim para terapias, funcionou assim para engenharia de software. E é isso que Dave Thomas lamenta. Mas é um resultado inevitável. As pessoas são fáceis de se enganar, elas sempre procuram alguém ou alguma coisa para seguir e raramente questionam – foram dogmatizadas a nunca questionar a autoridade e torcer para times de futebol sem nenhum critério.
Em 2010, eu estive numa conferência em Baltimore, onde tive a oportunidade de conversar com Bob Martin, que organizou o encontro em Snowbird. Foi no seu escritório da Object Mentor que se deu o primeiro treinamento de certificação Scrum do Ken Schwaber. Eu já era imune ao “Agile Hype”. Mas eu queria dizer ao Bob Martin o que achava disso. Para quem não sabe o treinamento “oficial” de Scrum Master é um curso de 2 dias e no final você é certificado. Não precisa nem comparecer, basta pagar pelo curso. Eu lhe disse, cinicamente, que provavelmente a ideia do Ken saiu pela culatra. “Provavelmente o Ken pensou ‘puxa, como convencer essas grandes corporações a adotar práticas ágeis?’ e aí ele pensou ‘claro, empresas grandes gostam de certificações’, e então criou um Cavalo de Tróia, um curso-piada de dois dias onde pessoas sérias saberiam que não dá para aprender nada sério em dois dias mas aí ele poderia inserir a ideia nas empresas. Porém todo mundo levou isso a sério, e é aí que o tiro saiu pela culatra.”
Aprendendo a Aprender
E o que isso tem a ver com nosso tema de “startups”? Esse mundo tem seu próprio “Agile” no que se chamou de “Lean Startup”. Eric Ries, tornou o termo famoso em 2009, em seu livro de mesmo nome, e é derivado direto dos princípios de Lean da Toyota. Não é uma idéia nova, só uma nova embalagem. Esse Lean tem origem nas mesmas ideia de W. Edwards Deming sobre PDCA – “Plan, Do, Check, Act” – “Planejar, Fazer, Checar, Agir”. Você vai notar a semelhança com os quatro princípios de Dave Thomas que citei acima.
Não importam nomes pomposos, celebridades, gurus, ferramentas caras, cargos de destaque. Os princípios básicos de Agile e Lean são os mesmos: entregar valor o mais rápido possível causando o menor desperdício possível, aprendendo e usando esse aprendizado no processo, planejando e replanejando para atingir objetivos que se tornam mais claros durante o processo. É só isso.
O maior problema é quando um programador amador pensa: “qual o próximo passo?” E a resposta é: “o objetivo é montar um Kanban.” Ou quando um empreendedor amador pensa: “qual o próximo passo?” E a resposta é: “o objetivo é montar um Business Canvas.”
Não, esses não são objetivos, são meios. E se esses meios não colaboram para atingir os fins, de entregar valor ao cliente, conseguir lucro no seu empreendimento, então eles são descartáveis. Seu objetivo não é criar um MVP/protótipo, criar um Lean UX, criar um Business Canvas. Seu objetivo é ter lucro. Quais os meios para se obter lucro?
Se quiser aprender qualquer coisa os passos para começar são simples:
Não crie ídolos, nunca “idolize” ninguém, pelo menos não seriamente.
Ignore tudo que você vê ou ouve em grupos. Faça anotações, mas não leve tudo a sério.
Ignore conselhos e mentorias. É como gerente de banco aconselhando em ações de investimento: se eles fossem bons seriam ricos. Mas não são. São apenas vendedores com outro nome.
Tudo, absolutamente tudo, começa com poucos princípios. Você nunca vai ser um cirurgião cardíaco querendo aprender primeiro a cortar a aorta sem nunca ter aprendido a lavar as mãos primeiro. Procure os princípios. Ignore os títulos pomposos.
Assuma que você sabe pouco, sempre. Você não sabe nada. Encare qualquer coisa com os olhos de um ignorante. Se achar que já sabe alguma coisa, não vai aprender mais nada. Mas não precisa ser um ignorante idiota, seja um ignorante esperto.
Aprenda a questionar. O monumental mundo geral das ciências, que vai do absolutamente pequeno mundo quântico, até o infinito e imenso mundo cosmológico só existe se você aceitar seu único princípio: o Método Científico. Ele é basicamente o PDCA: defina o problema, faça hipóteses, faça experimentos controlados, descarte hipóteses provadas erradas, repita. Ou sendo mais exato: o PDCA de Deming é diretamente inspirado pelo Método Científico. Eis o princípio de tudo, de Agile a Lean a PDCA, voltamos a Karl Popper e sua filosofia de “Racionalismo Crítico” que nos ensina que tudo deve ser aberto a ser racionalmente criticado.
Por isso mesmo Lean, enquanto guarda-chuva de venda de produtos e serviços que você não precisa, está morto. Longa vida ao princípio: alcançar valor evitando desperdícios com aprendizado contínuo, ou seja, Eficiência. Não existem fórmulas mágicas. Se as dietas mágicas funcionassem não existiria obesidade no mundo.