As lawtechs, startups que criam soluções tecnológicas para questões do mundo jurídico, são responsáveis por agilizar toda a parte burocrática do trabalho feito pelos profissionais da área. Elas não só contribuem para acelerar e melhorar vários segmentos do direito como também tornam esses processos mais acessíveis economicamente. Segundo o StartupBase, base de dados oficial do ecossistema brasileiro de startups, atualmente, existem 91 iniciativas do tipo no país.
Desta forma, um trabalho que levaria horas por uma pessoa física pode ser feito em segundos por um sistema informatizado, como as audiências conciliatórias, por exemplo, que tiveram de ser suspensas por conta da pandemia do novo coronavírus.
A CAMES Brasil, lawtech brasileira que trabalha na resolução de conflitos de forma eletrônica, não viu sua demanda cair com a suspensão das atividades físicas nos tribunais. Pelo contrário: está sendo bastante procurada por empresas e pessoas físicas para resolver processos com mais agilidade durante a pandemia.
Ela trabalha em duas frentes principais: a mediação online e a arbitragem. Enquanto a primeira visa facilitar o diálogo entre as partes, de modo que elas apresentem as soluções para determinado problema, a segunda tem o apoio de árbitros que irão dar a solução para o caso ao invés de levá-lo ao Judiciário. O próprio Conselho Nacional de Justiça passou a incentivar o uso de soluções tecnológicas para a realização de sessões de julgamento e audiência a distância, tudo para evitar que aconteçam atrasos nas decisões judiciais, além de impactos negativos na economia.
Além da mediação e arbitragem, a startup também possui três serviços:
– Dispute Board ou “Comitê de Resolução de Disputas”: geralmente é utilizado em grandes obras de infraestrutura, permitindo que as partes envolvidas em um contrato provoquem o Comitê para se manifestar sempre que há alguma divergência na execução da obra, prevenindo, assim, o surgimento de disputas;
– Modria: fruto de uma parceria com uma empresa do Texas, a Tyler Technologies, a ferramenta é utilizada para resolver conflitos que envolvem pequenos valores e não justificam a contratação de um árbitro ou um mediador.
– Arbitragem trabalhista sumária: produto acessível voltado exclusivamente para disputas trabalhistas, permitindo que as empresas possam mitigar seus riscos e ter um maior controle do seu passivo trabalhista.
Atualmente, a startup possui 10 unidades em território nacional. Cada uma delas seleciona os profissionais que integram uma lista nacional da CAMES, composta por mediadores, árbitros e peritos. “Atualmente já temos quase 400 profissionais altamente qualificados cadastrados, que desenvolvem a mediação e a arbitragem sempre que escolhidos pelas partes em disputa”, afirmou o sócio-fundador da CAMES, Danilo Miranda. Além disso, mais de cem de escritórios de advocacia utilizam as cláusulas de mediação e arbitragem para que as disputas dos seus clientes sejam resolvidas no âmbito da CAMES.
O processo eletrônico desenvolvido pela startup pode ser feito com profissionais e partes em diferentes regiões do país, sem a necessidade de deslocamento, o que também torna o processo mais barato. Desde a criação da startup, mais de 50 casos com níveis de alta e média complexidade já foram resolvidos.
A duração média dos procedimentos arbitrais administrados pela empresa é de 11 meses, contados da assinatura do termo de arbitragem. Já os procedimentos de mediação geralmente duram, no máximo, três meses, mesmo em casos mais complexos. “Já o prazo médio para solução por meio da ferramenta Modria é de aproximadamente seis dias”, afirmou.
Para Miranda, o prazo médio para solução de casos mais complexos no âmbito do Poder Judiciário pode chegar a oito anos ou mais, o que pode gerar inúmeras consequências negativas. “Além do prejuízo emocional que isso traz, há também o prejuízo financeiro em razão dos bens que muitas vezes ficam indisponíveis, negócios que deixam de ser realizados e relações que usualmente são rompidas em razão da demora. Além disso, há todo o prejuízo decorrente da exposição da imagem dos envolvidos, o que não ocorre com a mediação e a arbitragem, em que se aplica o princípio da confidencialidade”.
Assim, para que o controle e a administração dos procedimentos ocorra com o máximo de segurança, a startup utiliza um sistema que segue uma lógica parecida com os dos tribunais, mas preservando a simplicidade e a facilidade de utilização pelo usuário. “Todas as informações que tramitam pelo sistema são criptografadas e os arquivos salvos em nuvem. Todo o peticionamento é feito pelo sistema, dispensando o envio de arquivos por email. Todos os prazos e comunicações também são abertos e controlados no próprio sistema, que registra todas as movimentações no procedimento”, explicou Miranda.
Danilo acredita que o processo de transformação digital acelerado pela pandemia vai atingir todos os setores e com o meio jurídico, não será diferente. “Basta perceber que atualmente a maior parte dos conflitos surgem hoje em ambientes online, por meio do e-commerce, por exemplo. E se já é difícil para as gerações mais antigas lidar com processos judiciais que levam com frequência uma década para chegar a uma solução, imagine para as gerações mais recentes, que querem todas as respostas para ontem e que dificilmente conseguem permanecer na mesma empresa por mais de dois anos”.
Além da negociação em andamento com três grandes empresas interessadas na implantação do Modria, a empresa deve lançar seu projeto de expansão nos próximos meses. “Nosso propósito é que a CAMES atinja o número de 50 unidades operacionais nos próximos 5 anos, tornando a mediação e a arbitragem ainda mais acessíveis para o público em geral e, especialmente, para o advogado que busca uma opção efetiva fora do Poder Judiciário”, finalizou.
KOY
Outra startup que também está colaborando para tornar o trabalho dos profissionais da área do direito mais rápido e fácil é a KOY. A empresa, localizada no Recife, usa a tecnologia para gerar eficiência e otimização nos departamentos jurídicos e escritórios de advocacia.
Por meio uma plataforma de Inteligência Artificial, a ‘Norma’, que usa a solução da IBM Watson, processos inteiros passam a ser analisados em segundos, permitindo que as empresas consigam, dentre outros serviços, antecipar bloqueios judiciais e gerar agendamentos inteligentes de providências a serem tomadas.
“Ajudamos jurídicos corporativos e escritórios a fazerem uma gestão inteligente voltada para finalização do processo e recuperação de valores. Nós fazemos isso unificando todos os sistemas judiciais brasileiros e sobre ele, fazemos inferências inteligentes, agendando prazos, indicando oportunidades de encerramentos e apontando valores que podem ser descontingenciados ou mesmo visualizados, gerando um ganho de performance quanto ao tempo e quanto ao resultado que entregamos”, destacou Karla Capela Morais, CEO e fundadora da KOY. Ela é reconhecida pela IBM na lista global Women Leaders in AI como uma das mulheres que estão liderando a implementação da IA nos negócios em todo o mundo.
Ela destaca os benefícios do uso de um sistema de Inteligência Artificial em comparação ao manual, sobretudo na área jurídica. “As vantagens são inúmeras. Um advogado leva em média 2 horas para analisar um processo manualmente, enquanto a plataforma Norma leva 6 segundos para analisar o conteúdo, trazendo insights, observando e apontando valores em tempo real. Com isso, as capacidades da equipe são ampliadas e as tarefas otimizadas”.
Atualmente, a empresa possui uma base composta por mais de 20 mil processos. “Temos crescido em ritmo acelerado e, comparando com o ano passado, crescemos 20 vezes. A pandemia acelerou a busca tecnológica da área jurídica, que ainda era muito fechada para novas tecnologias”. A CEO reforça que a empresa possui rígidos controles de nuvem e que está em compliance com a Lei Geral de Proteção de Dados, a LGPD. Para ela, as lawtechs têm um futuro promissor no Brasil. “Vejo como um mercado importante e em crescimento, embora os advogados ainda sejam retraídos, a transformação digital trazida pela pandemia veio pra ficar”.
Mesmo durante a pandemia, a empresa lançou uma sala virtual para possibilitar que o advogado, de dentro da plataforma, possa trabalhar de forma simples e segura. “Sabemos que os advogados não têm tempo a perder e precisam ser produtivos com foco em seus clientes. E é isso que oferecemos a eles, tempo para pensar na estratégia. E aqui a tecnologia é uma forte aliada”.
De acordo com Karla, a previsão é que, com a pandemia, haja um aumento na busca por novas tecnologias na área do direito. “Pelo fato de termos unificado todos os sistemas judiciais e espelharmos os autos virtuais no momento em que essas mudanças acontecem na justiça, trazemos para o cenário nacional algo inovador que tem capacidade de tornar a área jurídica menos manual e mais eficiente financeiramente”, finalizou.
Previdenciarista
Já a Previdenciarista foi desenvolvida a partir dos mais de 15 anos de experiência dos seus fundadores: Renan Oliveira e Átila Abella. Fundada em 2013, a plataforma tem o objetivo de ajudar o trabalho dos advogados especialistas em Direito Previdenciário do país.
A tecnologia desenvolvida pela empresa funciona da seguinte forma: com as informações de seu cliente em mãos sobre o Cadastro Nacional de Informações Sociais (CNIS), banco de dados do Governo Federal que registra as informações trabalhistas e previdenciárias de todos os trabalhadores, o advogado consegue elaborar um cálculo de todos os benefícios possíveis ou não do cidadão em segundos.
Ele consegue ter acesso às informações de três maneiras diferentes: manualmente, informando todos os dados na plataforma; por meio de uma extensão para Google Chrome, que se conecta no site do MeuINSS e coleta as informações do cliente do advogado necessárias para fazer o cálculo ou por meio do CNIS, um PDF extraído do MeuINSS que é lido automaticamente pelo sistema e possui todas as informações necessárias.
Todos os casos garantem a entrada dos dados no sistema e qualquer uma delas vai providenciar o mesmo cálculo. O advogado, por sua vez, pode escolher a que achar mais fácil. “Reparamos que os advogados com mais clientes preferem usar a extensão (que hoje conta com mais de 1.200 downloads na Chrome Store), enquanto advogados mais tradicionais ou com menos clientes previdenciários preferem usar o CNIS. O cálculo manual geralmente é usado quando o advogado encontra problemas no cadastro do cliente junto ao INSS”, destacou Renan Oliveira, cofundador da Previdenciarista.
Enviados os dados, o sistema calcula mais de 30 cenários diferentes para benefícios previdenciários (aposentadoria por idade, por tempo, auxílio doença, aposentadoria especial, por invalidez, etc), tanto antes como depois da Reforma da Previdência. “Esse panorama completo é apresentado ao advogado, que pode filtrar por benefícios aptos ou inaptos, benefícios antes da reforma da previdência, depois da reforma, etc. Entrando em um dos benefícios, o advogado pode baixar relatórios de como os cálculos foram feitos e, ao final, gerar petições específicas para aquele benefício selecionado”.
Já a petição e os relatórios podem ser impressos em papel ou gerados em PDF para serem usados no processo eletrônico dos Tribunais. “Para dar suporte a essa ‘espinha dorsal’ do sistema, a plataforma também permite o cadastro do cliente, busca de petições, envio de arquivos para a nuvem, cadastro do escritório e outros membros do escritório”. Neste vídeo, é possível observar na prática como é feito todo o processo.
Todos os acessos à plataforma são feitos mediante login e senha. Ela também possui diferentes níveis de permissões para diferentes grupos de membros do escritório ao qual o advogado trabalha. “O proprietário do escritório é quem define quem entra em qual grupo. Dessa forma o proprietário do escritório pode restringir acesso ao financeiro, pode restringir o acesso a pessoas não autorizadas e, até mesmo, a remoção de clientes. Um escritório não consegue ver os dados ou clientes de outro escritório, somente a equipe do escritório é que tem acesso aos dados enviados naquele escritório”, explicou o cofundador.
De acordo com Renan, os dados são mantidos e protegidos em servidores da Amazon Web Services (AWS). O acesso a eles é limitado a alguns grupos de colaboradores dentro da empresa e somente podem ser acessados dentro do ambiente e da infraestrutura criada pela Previdenciarista. “Entendemos que todo dado é sensível, uns mais e outros menos, mas todo dado de usuário é sensível. Por isso buscamos sempre empregar as melhores práticas para garantir que somente o proprietário daquele dado tenha acesso a ele”.
A plataforma também disponibiliza mais de 2 mil modelos de petições de casos reais, que servem como base para os advogados previdenciários. Todas elas podem ser acessadas no painel do advogado assinante da plataforma, tanto a partir de um cálculo (que pré-seleciona petições para o advogado de acordo com o caso) ou pela busca livre, onde o advogado pode buscar qualquer um dos mais de 2,4 mil documentos disponíveis.
O sistema abre um editor, semelhante ao Word ou ao Google Docs e o advogado pode trabalhar em cima dessa petição “base”, alterando o que desejar ou complementando informações. “Hoje notamos que há advogados que usam nossas petições como fonte de consulta, para pesquisar como estamos fazendo e produzirem suas próprias peças. Há outros que usam propriamente como modelos. E há os que usam como modelos apenas petições mais simples para agilizar o trabalho mais mecânico e as mais complexas como fontes de consulta”, destacou Renan.
Ele explica o fornecimento desse material tem como objetivo dar mais eficiência ao trabalho do dia a dia do advogado. “O processo judicial ainda é muito pouco eficiente e muitas coisas que o advogado faz no processo são fruto de retrabalho. O que queremos perseguir com as petições e outras ferramentas do sistema é ‘fazer mais, com menos’. Entregar mais resultados com menos custo, menos tempo, menos esforço. Dessa forma o advogado pode focar no que interessa: atender o cliente e se especializar na área”.
Desde sua criação, mais de 40 mil advogados passaram pela Previdenciarista. Do início da pandemia até agora, os assinantes já fizeram cerca de 360 mil cálculos na plataforma. No total, atualmente, mais de 11 mil clientes estão ativos na plataforma. Segundo Oliveira, neste período de isolamento social, eles passaram a receber uma maior atenção parte da empresa, já que muitos escritórios fecharam no período ou ainda estão fechados. “Melhoramos a comunicação por meio de redes sociais, ofertamos um curso de cálculos gratuito e online dentro da plataforma e escrevemos alguns textos no nosso blog sobre o que o advogado pode fazer nesse período”.
Por fim, Renan acredita que a advocacia está passando por uma demanda represada e que os problemas dificilmente vão se resolver de forma mágica. “A pessoa que precisava se aposentar em maio e não deu andamento ao pedido por causa da covid, vai continuar precisando se aposentar quando o mundo voltar ao ‘normal’. Nossa ideia é sempre tentar mitigar o represamento da demanda. Resolvendo assim o problema do trabalhador, que precisa se aposentar e hoje não consegue consultar com um especialista e ajudando o advogado a voltar aos poucos à sua atividade normal, por meio de novas ferramentas”. E finaliza. “No pós-pandemia, acreditamos que essas ferramentas vão ajudar a construir um ‘novo jeito de advogar’ no Brasil e, se tudo der certo, o uso da tecnologia no Direito vai ser o novo normal”.
O Startupi segue mostrando diversas ações de empresas para minimizar os impactos causados pela pandemia do novo coronavírus. Quer saber mais? Clique aqui.