* Por Rafael Kenji Fonseca Hamada
Desde a gripe que assolou o mundo entre 1918 e 1920, infectando aproximadamente um quarto da população mundial, não se falou mais em pandemia. Passados cem anos, chegou a Covid-19 e novamente questões de saúde entraram na agenda global de forma enfática.
De acordo com o Our World in Data, neste começo de ano, quase 60% da população mundial foi completamente vacinada, e mais de 67% da brasileira. Ainda assim, a crise sanitária parece longe do fim. Isso traz luz sobre o legado que essa pandemia irá deixar. Nesse cenário, as healthtechs tiveram um merecido destaque, visto que fomentaram a inovação e o desenvolvimento das instituições de saúde. A BenCorp estima que o setor de saúde digital movimentou US$ 344 milhões no ano passado, representando um aumento de 329%. Diante disso, como fica o segmento de healthtechs no país?
É preciso voltar dois passos e lembrar que a pandemia da Covid-19 foi prevista por startups chinesas antes de se espalhar pelo mundo, ainda quando era um surto local, mas a comunidade científica demorou a acreditar nos resultados encontrados pelas healthtechs. O resultado foi que estamos há mais de dois anos enfrentando a doença, sem perspectiva de volta à normalidade, com uma variante que ultrapassa 70% dos casos da doença em países como Estados Unidos e Reino Unido.
Enquanto em 2019 as healthtechs mais promissoras eram as voltadas à gestão de clínicas e consultórios, além de startups de prontuário eletrônico e inteligência artificial, em 2020, com a sobrecarga dos sistemas de saúde, vimos um “boom” de soluções voltadas à telemedicina e aos planos de saúde populares. Em 2020 e 2021 foram fundadas mais de 210 startups de telemedicina, com mais de 8 milhões de atendimentos realizados virtualmente apenas no Brasil. Startups de telemedicina, anteriormente avaliadas em menos de R$ 50 milhões, têm valuation estimado superior a R$ 800 milhões devido à preparação para o enfrentamento da pandemia e à sobrecarga dos serviços de saúde públicos e privados.
Já em 2021, com a saturação de soluções voltadas ao mesmo segmento, o mercado de healthtechs mirou soluções voltadas à inteligência artificial, para diagnóstico precoce de doenças e análise de imagens, acessibilidade e inclusão, serviços para melhorar o bem-estar de funcionários de empresas, que passaram a trabalhar em modelo de home office, e realidade virtual, devido à novidade do metaverso, divulgado pela empresa Meta em 2021. Já existem healthtechs desenvolvendo atendimento médico virtual por meio de realidade virtual e educação médica. Possivelmente em 2022 teremos uma nova era da telemedicina, utilizando o metaverso.
Também haverá neste ano mais um período de enfrentamento da pandemia da Covid-19, com a expansão rápida da variante Ômicron, ainda sem saber se novas variantes serão prevalentes nos próximos meses, já que as mutações ocorrem aleatoriamente todos os dias, em pessoas infectadas. O Brasil ainda viveu um final de 2021 marcado por um surto de influenza A, com variantes das cepas H1N1 e H3N2 do vírus causador da gripe, sobrecarregando ainda mais os sistemas de saúde.
Em termos de investimentos, a expectativa é de um aumento ainda maior em healthtechs, que já receberam 2,5x mais investimento em dólares no ano de 2021 que no ano anterior, em 2020. Foram mais de US$ 400 milhões investidos em healthtechs nos últimos dois anos.
Pensando no curto prazo, as startups de telemedicina continuarão a ser criadas, devido à alta demanda, à saturação dos serviços de saúde com as novas variantes e a ocorrência de doenças sazonais como dengue e gripe. É preciso atentar para o fato de que, nesse ritmo, cada vez mais vemos startups de saúde serem fundadas por engenheiros, advogados e profissionais que não são da área da saúde, para “surfar na onda do investimento em saúde”.
Já no médio e longo prazo, a tendência é a estabilização da pandemia da Covid-19, mas com um receio do surgimento de novas pandemias, pelo menos nos próximos 3 a 5 anos. Essa tensão, apesar de aumentar os casos de ansiedade, depressão, Síndrome de Burnout, que recentemente foi incluída na lista de doenças do trabalho, e transtornos do pânico, contribui para um alerta e um empurrãozinho para o surgimento de novas soluções. Portanto, a tendência é de subida do investimento em health techs, do número de startups de saúde e educação médica, além de uma corrida acelerada pelo desenvolvimento de novos medicamentos e atualização das vacinas. Dessa forma, o assunto saúde ainda será o principal na mesa das pessoas de todo o mundo pelo menos pelos próximos 3 a 5 anos.
Com toda essa evolução, evidencia-se que o mercado de healthtechs no Brasil segue aquecido, como em todo o resto do mundo, rumo à busca da grande solução para a pandemia da Covid-19. Enquanto os grandes grupos laboratoriais e farmacêuticos desenvolvem vacinas e medicamentos, as healthtechs desenvolvem produtos e serviços para prever e evitar novas pandemias e ampliar o acesso do atendimento em saúde à população.
* Rafael Kenji Hamada é médico e CEO da Feluma Ventures, uma Corporate Venture Builder cujo principal objetivo é desenvolver soluções inovadoras voltadas ou adaptadas para as áreas de saúde e educação.