*Por Exame.com
John Chisholm entende sobre abrir empresas durante uma época difícil: ele virou dono de um negócio nos anos de 1992 e de 1997, com as companhias de pesquisa online Decisive Technology e de feedback de vendas CustomerSat. Os dois empreendimentos tiveram de enfrentar o rompimento da bolha da internet, na virada do milênio. Eles não apenas sobreviveram à crise, mas foram adquiridos pelas gigantes Google e Confirmit, respectivamente.
Hoje, Chisholm é considerado um “empreendedor serial”: aquele que abre e gere mais de um negócio. Seu sucesso na empreitada dos negócios próprios fez com que o Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), onde ele estudou, convidasse-o para ser o diretor da MIT Global Alumni Association. O grupo reúne os mais de 130 mil alunos e ex-alunos do instituto e tem como proposta conectar mentes geniais com interesses similares para elaborar grandes projetos.
Em visita ao Brasil para ministrar palestras e workshops no Cubo, espaço de coworking do Itaú e da Redpoint e.ventures, Chisholm falou com exclusividade a EXAME.com sobre como criar negócios que realmente funcionem, sobre as dificuldades impostas ao empreendedorismo pelas regulações governamentais e também sobre os benefícios que a crise econômica traz para os negócios. “Para que um país proporcione sucesso de forma geral, no qual pessoas de diferentes regiões e de diferentes classes sociais sejam beneficiadas, é preciso de mudanças estruturais”, diz o especialista. “É assim que se constrói um Vale do Silício em São Paulo.”
As dicas de Chisholm estão reunidas em seu mais novo livro, “Unleash Your Inner Company” (“Liberte sua Empresa Interior”, em tradução livre). A obra foi publicada em outubro do ano passado nos Estados Unidos e selecionada como bibliografia por seis universidades americanas, incluindo o MIT.
Confira, a seguir, os principais trechos da entrevista:
O que você gostaria de ensinar aos novos empreendedores?
John Chisholm – Muitas pessoas acham que os empreendedores nascem desse jeito, e não que eles se desenvolvem ao longo do tempo. Eu não acredito nisso. Acho que qualquer um que deseja ser empreendedor, e que se dispõe a trabalhar por isso, pode virar um.
É uma questão de paixão, que é um comportamento, e de perseverança, que é uma atitude. Um influencia o outro: se você passa muito tempo executando uma atividade, torna-se bom nela e passa a gostar do tema, temos um exemplo de perseverança levando à paixão. Se você ama algo e pode passar horas fazendo isso, temos um exemplo de paixão levando à perseverança. Quando você observa uma performance excepcional – nos esportes, no teatro, no empreendedorismo, em qualquer área –, certamente há uma combinação entre paixão e perseverança, criando um ciclo virtuoso de feedback.
A boa notícia é que qualquer um pode se apaixonar por alguma causa – basta ser perseverante na hora de se aprofundar no tema. Meu livro mostra um passo a passo, com dez itens, para descobrir o negócio ideal a se começar. E essa relação é o primeiro passo, o que mais distingue os empreendedores das pessoas comuns.
Falando especificamente sobre a situação brasileira, qual sua opinião quanto a abrir um negócio durante uma crise econômica?
John Chisholm – A parte boa é que, se você começa um negócio na crise, a partir daí só ficará mais fácil. Eu creio que, quando um empreendedor brasileiro expande para fora do país, tudo fica mais simples. Os recursos limitados que ele possui podem ser uma vantagem, porque isso força a criatividade. Se alguém tem muitos recursos, a chance de ele obter sucesso é menor – esse empreendedor pede menos a opinião dos outros e está mais propenso a correr riscos não calculados, por exemplo.
Na minha segunda companhia, nós tínhamos um investimento de um outro negócio, e não de um fundo de Venture Capital. Quando a bolha da internet estourou, não podíamos pedir mais investimentos e cortamos salários, demitimos pessoas e nadamos por conta própria. Nós ficamos muito enxutos na época – cortamos 45% da nossa equipe, por falta de alternativas.
Enquanto isso, nossos competidores, confiantes de que os fundos iriam resgatá-los, continuaram gastando dinheiro. Alguns não foram resgatados e quebraram; outros foram resgatados e sobreviveram, mas os empreendimentos ficaram diluídos entre diversos investidores, assim como o interesse financeiro e psicológico dos donos e dos funcionários pelo negócio. Isso acabou com o diferencial competitivo das empresas.
Resumindo: o fato de termos menos recursos de investidores foi uma vantagem para nós, porque nós tínhamos muita participação na empresa e isso nos incentivava a fazer dela um sucesso. O interessante é que esses anos de crise foram mais lucrativos para o negócio. Por isso, eu prefiro não indicar uma hora certa para abrir uma empresa; ao ver uma necessidade do consumidor, eu abriria o empreendimento. Janelas de oportunidades estão sempre abrindo e fechando, e talvez seja tarde demais quando a situação difícil passar.
E como melhorar o ecossistema empreendedor no Brasil?
John Chisholm – Uma vez, dei uma palestra sobre o que a Europa pode aprender com os Estados Unidos, e acho que muitos exemplos se aplicam ao Brasil. Muitos países têm a ideia de que é possível incentivar o empreendedorismo ao colocar bolsas e financiamentos. Não sou muito otimista quanto a essas ações.
Para que um país proporcione sucesso de forma geral, no qual pessoas de diferentes regiões e de diferentes classes sociais sejam beneficiadas, é preciso de mudanças estruturais. Esses requerimentos são modestos: as primeiras regras para uma sociedade de grande crescimento e qualidade de vida são o comércio livre e uma regulação mais leve, o que inclui a taxação.
É o que defende Adam Smith, que eu cito no livro. São nesses itens que qualquer país, incluindo o Brasil, deveria focar, e não em dar alguns milhares de reais para algumas empresas promissoras. Se fizer essas tarefas, é possível desenvolver até uma indústria de investimentos, o que é mais sustentável do que o próprio governo investindo. É assim que se constrói um Vale do Silício em São Paulo.
Essas regulações impostas sobre a criação de negócios são um tema que você aborda no seu livro. Por que elas são tão prejudiciais?
John Chisholm – Há três formas de as regulações danificarem o empreendedorismo: elas fazem com que abrir um negócio seja mais difícil; complicam o processo de inovação; e desaceleram a expansão. Mais e mais empreendedores são barrados na hora de criar empreendimentos, por conta da regulação.
Quando comecei minha primeira companhia, em 1992, era relativamente simples contratar um empregado para trabalhar as horas que fossem necessárias e pelo período em que ele estivesse disponível. Hoje está bem mais difícil, porque esse temporário será considerado um empregado fixo, a não ser que você prove o contrário, por meio de um formulário de seis páginas que muda de ano a ano.
Esse é apenas um dos vários exemplos que dou de regulações que não ajudam o empreendedor e que existem apenas para gerar renda ao governo e às suas agências, para impor a ideia de uma pessoa sobre um grupo ou para favorecer companhias e grupos que fazem lobby [pressão por interesses].
Porém, nem todas as regulações são ruins; algumas são boas, necessárias e até inescapáveis. Por isso, escrevo que há dois tipos de regulação dentro de uma sociedade: a orgânica ou a imposta. A orgânica é saudável: ela pode evoluir com a economia, a tecnologia e com a sociedade. A imposta permanece fixa, apesar do avanço dessas mesmas esferas. Sempre que possível, os governos devem preferir a regulação orgânica à imposta. A primeira tende a emergir da base para o topo, enquanto a imposta parte de cima para baixo.
Como reverter o quadro e criar regulações que incentivam mais o empreendedorismo e a inovação?
John Chisholm – Um problema é que a maioria dos reguladores nunca precisou cuidar de uma empresa. Então, eles não sabem o que é alcançável ou não – essa experiência é ganhada pelo empreendedor com seus anos de negócio. Eu acho que deveriam exigir que todos os reguladores fossem também empreendedores.
Outras medidas seriam, por exemplo, criar zonas livres de regulações estatais e federais para acelerar o empreendedorismo e a inovação nestas regiões. Também é possível pedir pesquisas que verifiquem a inovação dentro das empresas, da mesma forma que existem as exigências de sustentabilidade e de verificação do impacto ambiental antes de um prédio ser construído.
Por fim, catalogar o número de páginas existentes de regulação e garantir que, a cada 100 páginas de nova regulação, outras 100 deixarão de existir. Caso contrário, essas medidas crescem sem nenhum tipo de controle. E incluir a data de expiração para cada cláusula – assim, não teremos de conviver com leis que, 50 anos depois, não condizem com nosso novo cotidiano, feito de mudanças tecnológicas e sociais.
*Texto por Mariana Fonseca, do Exame.com