Recebi esse artigo do Leandro Machado Cunha*, advogado responsável pela área de Contratos na Bessa Advogados, que conta um pouco sobre precauções na hora de redigir o contrato de investimento entre a provedora do aporte e os empreendedores.
Não deixe de conferir, logo abaixo, todas as orientações e cuidado nessa hora tão fundamental para uma startup.
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Segurança jurídica e a inovação: contratos entre investidores e empreendedores
O momento atual da economia tem levado empresas, principalmente aquelas que estão iniciando suas atividades, a buscar recursos de investidores mediante a formação de novas e até ousadas operações de injeção de capital. E esta dinâmica tem gerado diferentes formas de obrigação, fluxos financeiros e garantias, que são moldadas às necessidades das empresas que seguem o modelo Startup.
Como garantia para tais recursos recebidos a empresa cede aos investidores seus recebíveis que, em sua maioria, pode ser compostos por títulos de crédito por ela detidos. Desta forma, a segurança jurídica dessas operações é sempre um norte que não deve ser perdido de vista, mesmo sendo tais investidores agressivos ou moderados.
Embora existam títulos altamente personalizáveis, o mercado não pode se desvincular das características mais básicas que conferem validade jurídica às operações de dívida e, principalmente, aos títulos que podem vir a garantir estas operações.
O professor e mestre Dr. Álvaro Villaça Azevedo, em sua obra “Teoria Geral das Obrigações” (Azevedo, 2004), deixa clara a premissa de que (in verbis) “O Direito das Obrigações, dos ramos do Direito Civil, é o que menos se torna sensível às mutações sociais.” Em seguida, complementa que “…entretanto, não se pode dizer que seja ele imutável, pois o Direito não deixa de ser a própria vida social normatizada, regulamentada pelas normas.”
Muito embora o Direito busque esta mutação paralela e paulatina, o investidor deverá “fazer sua lição de casa”, avaliando se o negócio em que seu dinheiro foi aplicado conta com a segurança já instituída pelos princípios legais básicos – voltados especificamente à natureza do título que se deseja analisar.
Fundamentalmente os títulos de crédito distinguem-se das demais formas de fixação de obrigações por se referirem exclusivamente às relações de créditos. Outros documentos podem carrear obrigações diversas, o que não é característica desses títulos. Entretanto, a recíproca não é verdadeira, já que existem documentos que expressam relações creditícias, o que chamaremos simplesmente de “Contratos”. Estes Contratos, por si só, não são entendidos como “títulos de crédito” por excelência, como é o caso das Apólices de Seguros, que determinam o direito à um crédito mas, em paralelo, outras obrigações e disposições.
Outra característica fundamental é a relativa facilidade de execução desses documentos, uma vez serem tratados em nosso Código de Processo Civil, em seu art. 585, inciso I, como “título executivo extrajudicial”, conferindo ao possuidor a prerrogativa de se socorrer junto ao Judiciário sem a necessidade em percorrer um rito de conhecimento. Por si só, ele deve expressar a nítida e cristalina expressão de vontade, sem a necessidade de qualquer suprimento judicial.
Por último, o título de crédito propriamente dito traz consigo um regime de cobrança mais facilitado do que aqueles fixados por documentos representativos de obrigações (contratos). O título representa um direito que o credor detém em face do devedor e que pode ser facilmente descontados no sistema bancário. Posto isto, a liquidez torna este tipo de documento mais atrativo do que aqueles que, contratualmente, fixam obrigações de pagamento.
Essa “negociabilidade” e maior segurança no recebimento do crédito assentam-se nos seguintes princípios que dão forma aos títulos de crédito, quais sejam:
a) “Cartularidade”, ou seja, deverão ser materializados por meio de instrumentos legalmente válidos, os quais precisam ser portados para garantir e comprovar o direito de seu possuidor. Em si, os documentos devem ser suficientes para, com total certeza, definir a obrigação de pagamento que ele deve expressar;
b) “Literalidade”, já que o título deve carrear de forma clara e objetiva a obrigação para a qual ele foi criado, expressando nem a mais e nem a menos seu objetivo; e
c) “Autonomia”, não sendo estas obrigações eivadas por relações anteriores entre o credor e os devedores antecedentes, o que nos leva à segurança do negócio jurídico que possibilita a transmissão do título ao mercado sem lhe embutir vicissitudes/vícios, conferindo-lhes, portanto, mais segurança.
Nosso Código Civil Brasileiro se baseia quase que literalmente na brilhante e suficiente definição dada pelo Italiano César Vivante, que expôs: “…Título de Crédito é um documento necessário para o exercício do direito literal e autônomo nele mencionado.”
Dada esta conceituação, não é a toa que estes títulos estão inseridos sob o livro I do nosso Código Civil, estando sob a luz do Direito das Obrigações que, fundamentalmente, assenta-se no festejado Princípio da Autonomia da Vontade.
Desta forma, a mitigação do risco não está apenas em buscar as ultimas soluções atribuídas pela doutrina e pela jurisprudência em voga para as mais inovadoras estruturas criadas.
Este cuidado deve começar desde a base da fixação das obrigações, cuja inobservância pode transformar uma simples ideia de investimento, em um pesadelo de títulos inexequíveis.
* Leandro Machado Cunha é graduado pela Faculdade de Direito de Osasco (UNIFIEO), pós-graduado em Direito Civil e Processo Civil pela mesma instituição, e pós-graduado em Finanças pela Saint Paul Escola de Negócios. Ocupa a função de sócio coordenador da área Societária e de Contratos da banca Bessa Advogados. www.bessaadvogados.com.br