O mercado de Corporate Venture está vivendo um crescimento acelerado no Brasil, com um total de U$3,5 bilhões aportados em 2020, um aumento de quase 30% em comparação aos U$2,7 bilhões de 2019, segundo dados do hub de inovação Distrito. Mas, apesar dessa expansão, o capital ainda segue centralizado nos “peixes grandes” da indústria: entre 2011 e 2021, quase metade do montante de investimentos em Venture Capital ficou concentrado em apenas dez empresas.
A falta de preparo e compreensão dos empreendedores brasileiros sobre as possibilidades de investimentos parece ser um dos motivos para esse resultado. Um levantamento da Endeavor apontou que 53% das startups afirmaram ter pouco ou muito pouco conhecimento sobre o ecossistema de capital. Mas embora esse pareça ser um negócio apenas para empresas gigantes, nem todas as estratégias de CV dependem de grandes cifras.
Um estudo da ACE inclusive mostrou que só 40% das empresas brasileiras que se relacionam com startups atuam nesses níveis mais avançados de investimento e aquisição. Para Guilherme Tossulino, diretor de M&A da Softplan, uma das maiores desenvolvedoras de software do Brasil, o importante é dar o primeiro passo com estratégias mais simples e rápidas de serem implementadas antes de começar a pensar em aportes. “É preciso alcançar um nível de maturidade corporativa, tanto organizacional quanto financeira, para investir em outros negócios. Mas existem várias iniciativas que demonstram uma consolidação da empresa no mercado que não envolvem grandes investimentos. É possível contratar startups como fornecedoras ou provedoras de algum serviço, por exemplo. Ou, como foi o nosso caso, começar por ações internas que incentivem o intraempreendedorismo no negócio, para desenvolver um clima organizacional voltado à inovação e mudança”, comenta.
Há 30 anos no mercado, desde 2016 a Softplan vem investindo mais efetivamente no processo de inovação da empresa. O primeiro passo foi criar uma área responsável por executar os projetos estratégicos de inovação e novos negócios. Depois de um período de estudos, benchmarkings, aplicação de novas metodologias e uma mudança na estrutura do negócio, foi elaborado um plano com base em três pilares: intraempreendedorismo; open innovation, reforçando a presença da empresa no ecossistema de tecnologia; e venture builders, com squads independentes das operações do dia a dia para trazer mais agilidade e especializar algumas competências na criação de novos produtos e abertura de mercado.
“Se antes as áreas de inovação eram vistas apenas como tendência, a pandemia acelerou o processo e fez virar uma necessidade. Hoje nós já temos uma área dedicada especificamente às fusões e aquisições da empresa, mas isso só foi possível porque nos preparamos, em todas as esferas, para adquirir esse fôlego e passar a investir mais ativamente no mercado mesmo em um momento de crise”, comenta Tossulino.
Essa é uma lição que o mercado brasileiro parece já ter entendido. Uma pesquisa da BR Angels detectou que 4 a cada 10 companhias pretendem nutrir relacionamento com o ecossistema de startups nos próximos dois anos. Dados da Abstartups também mostram que esse é um mercado cheio de oportunidades, já que 46% das startups brasileiras têm modelos B2B, e 40% são SaaS (Softwares as a Service).
Contratação de serviços: no nível mais simples de CV, todos saem ganhando
A WK Sistemas, empresa de Blumenau referência em ERP (softwares de gestão empresarial), é um dos negócios que já aposta na parceria com algumas startups. Uma delas é a Pagueveloz, fintech de pagamentos que oferece serviços financeiros customizados, que foi integrada ao sistema da companhia. A união das duas plataformas trouxe diversos benefícios para os clientes, como a emissão de boletos sem necessidade de configurar integrações, registro de pagamentos e pendências, pagamento de boletos online integrados ao módulo financeiro e baixa automática dos títulos pagos.
“Desde 2016 temos dois sistemas integrados, ‘conversando’ automaticamente um com o outro, o que trouxe benefícios como a automação da gestão de pagamentos e agilidade na gestão de conciliações. Pode parecer pouco palpável, mas isso traz um ganho gigantesco de produtividade para os nossos clientes. E em um mundo que está constantemente mudando, é essencial buscar inovação para agregar valor ao nosso produto. Trabalhando em rede, buscando parceiros que ajudem no nosso negócio, nós conseguimos facilitar a vida do consumidor, que acaba ganhando mais tempo para investir na própria inovação. Ou seja: todo mundo cresce junto”, comenta Marcio Tomelin, Diretor de Produto e Mercado da WK.
A WK também tem integrado ao ERP outros serviços financeiros, para trazer mais diversidade de produtos aos clientes, além de apps de forças de vendas e plataformas de vendas online. A empresa também segue buscando e evoluindo com outras parcerias, como para assinatura digital integrada a solução de GED (gestão eletrônica de documentos) e integradores para plataformas de e-commerce e marketplace “Nosso objetivo tem sido conectar cada vez mais produtos especialistas no nosso portfólio para trazer o máximo de opções possíveis para os nossos clientes”, destaca Tomelin.
Crescimento de iniciativas segue a passos tímidos, mas ainda há espaço para mais
Outro exemplo de parceria entre startups e empresas consolidadas é o trabalho do MITHUB, maior ecossistema de inovação na construção civil e mercado imobiliário no Brasil. Criado para fomentar o desenvolvimento do setor, ele tem a Terracotta Ventures como embaixadora da comunidade, que busca apoiar o empreendedorismo e a aplicação da tecnologia na cadeia de valor do setor. Atualmente, o MITHUB dá suporte a startups e as conecta com grandes empresas que estejam em busca de soluções e oportunidades.
Entre as grandes empresas associadas ao MITHUB estão Cyrela, Brasil Brokers e Zap+, que participam da comunidade desde a fundação. Além delas, destacam-se ainda Duratex, Sienge, B3, Gerdau, Superlógica, APSA entre outras. O público-alvo da iniciativa, segundo Marcus Anselmo, managing partner da Terracotta Ventures, são startups que estejam dando os primeiros passos ou que tenham negócios em fase de validação. O objetivo é dar suporte para que encontrem clientes, confirmem seus modelos de negócios ou que alcancem o “product market fit”, como é chamado o ponto em que uma solução é capaz de atender uma demanda importante do mercado. “Com nosso conhecimento específico e nossa rede de relacionamentos, conseguimos contribuir com a geração de valor para os empreendedores e as empresas parceiras do MITHUB”, diz o executivo.
Essas iniciativas demonstram o quanto as empresas brasileiras estão despertando para o Corporate Venture. Seja para pensar em futuros investimentos, desenvolver produtos em conjunto ou simplesmente para contratar e firmar parceria com um serviço, as conexões entre startups e grandes empresas estão cada vez mais fortes no país.
Mas ainda há muito espaço para amadurecimento e crescimento, apesar do momento de crise. Tossulino destaca a importância de seguir inovando: “Gosto muito de uma frase do executivo Marshall Goldsmith que diz que ‘o que nos trouxe até aqui, não necessariamente é o que nos levará para o futuro’. O mercado segue crescendo a passos largos, e a inovação é cada vez mais necessária nesse cenário competitivo e que muda o tempo todo. Não há mais tempo para hesitações: abra as suas portas, conheça o seu ecossistema, se envolva e aprenda com novos negócios. Mantenha a sua essência, mas sem esquecer de buscar o novo”, finalizou.