O distanciamento social causado pela pandemia da Covid-19 acelerou novas políticas e formatos de trabalho. Hoje, de 387 empresas pesquisadas, cerca de 48% já adotaram o modelo híbrido no dia a dia dos colaboradores, segundo um relatório da consultoria Robert Half.
O home office – que antes era visto por muitos como algo inviável no Brasil – virou quase um pré-requisito para os profissionais aceitarem vagas nas companhias. Segundo Milena Almeida, diretora de RH da Oracle Brasil, a pergunta mais recorrente nas entrevistas de emprego atualmente é se o trabalho é remoto.
“Nem perguntam onde fica a empresa, querem saber qual é o modelo de trabalho e o híbrido ainda é um grande fator de atração para novos talentos, principalmente os jovens”, afirma a diretora, que diz que se avisar que o profissional terá que ir presencial cinco vezes na semana, ela perde o candidato. Dados da Robert Half confirmam a fala de Milena. De 1.161 profissionais perguntados, cerca de 39% buscariam um novo emprego se a empresa onde trabalham não oferecesse uma opção pelo menos parcialmente remota.
Alguns líderes até gostariam de ter o time trabalhando 100% presencial – como foi o caso de Elon Musk que enviou um e-mail para seus funcionários dizendo que ou eles voltavam ao trabalho presencial por, no mínimo, 40 horas semanais, ou eles deveriam deixar a Tesla. Mas as pessoas abraçaram o híbrido, por trazer novos benefícios para a sua rotina pessoal. “Com o híbrido, ajustei minha agenda e faço tanta coisa, sou mais produtiva no trabalho, na maternidade e em casa. Acho que as pessoas se descobrem, não vai existir mais o só presencial ou o só home office”, explica Milena.
A Oracle Brasil está com um formato híbrido flexível, também conhecido como remote first. Isso significa que a empresa não exige o retorno presencial e nem define uma escala de dias onde o trabalho é presencial. Alguns profissionais trabalham até 100% home office, como é o caso de desenvolvedores que já atuavam assim antes da pandemia. A decisão veio do corporativo do exterior.
O iFood também aderiu a esse modelo e seus escritórios continuam abertos para quem quiser utilizá-los – seja para trabalho, integração ou até mesmo happy hour entre o time. “Contamos com o alinhamento da equipe para fazer os combinados que façam mais sentido para cada área”, afirma Raphael Bozza, Diretor de People da empresa.
Para a tomada de decisão, a companhia fez diversas pesquisas e escutou a liderança e os FoodLovers – como chamam quem trabalha no iFood. A escolha veio para trazer flexibilidade e manter a contratação de pessoas por todo Brasil. O escritório principal da companhia fica em Osasco, São Paulo e atualmente 55% dos colaboradores estão espalhados por 25 estados brasileiro.
“Acreditamos que isso é muito importante e positivo, pois possibilita a atuação das pessoas de qualquer lugar, com a contribuição com seus diferentes perfis e vivências criando cada vez mais projetos inovadores”, afirma Bozza.
Deborah Abisaber, diretora de RH do Nubank, acredita que o híbrido mudou o conceito de produtividade. A empresa optou por um formato de rodízio, onde os times podem ir para o escritório de dois em dois meses – por uma semana – e se preferirem podem ir em uma cadência maior ou não ir.
Com os encontros dentro do cronograma estabelecido, o RH percebeu aspectos positivos e contínuos na produtividade e bem-estar dos Nubankers. Segundo Deborah, nos últimos 2 anos, com o trabalho 100% remoto, foi entendido que produtividade pode ser o volume de mensagens que responderemos, o número de assuntos que resolvemos e a quantidade de reuniões que soluciona problemas.
“No ambiente híbrido esse conceito é atualizado. Na semana que você está no escritório, dedica mais tempo para se conectar com pessoas, para entender melhor o outro e o negócio, é quase que um investimento para que nas semanas em trabalho remoto você tenha um rendimento ainda maior, porque seu entendimento do próprio dia a dia foi ampliado. Além de gerar resultados mais rápidos e processos de criação mais inovadores”, explica a diretora.
Benefícios para os colaboradores
No Gympass o híbrido permitiu um novo benefício para os colaboradores. Além de terem a possibilidade de trabalhar de forma presencial três vezes na semana, sem a obrigatoriedade da ida, cada funcionário tem direito de trabalhar por um mês em outra localidade. As despesas ficam por conta dele, assim como a escolha, que pode ser outra cidade, outro estado ou até outro país. A solicitação é avaliada e se aprovada, o profissional pode viajar trabalhando.
Durante a pandemia, a empresa também incorporou uma solução de pontos para ajudar os colaboradores com despesas extras. Cada setor tem uma determinada pontuação e o profissional pode escolher em qual área da sua vida irá incluir esses pontos. Ele pode melhorar seu convênio odontológico, pode incluir nos benefícios de alimentação, ou até mesmo melhorar seu plano no Gympass.
A Oracle, o Nubank e boa parte das empresas, também disponibilizaram uma assistência de valor por mês para que os colaboradores criassem seu home office durante a pandemia e continuam com a iniciativa. As corporações reavaliaram os benefícios pensando nas novas necessidades dos funcionários, como a inclusão do vale-alimentação, somado ao vale-refeição.
Práticas para conexão de colaboradores
Presencial três vezes por semana também foi a escolha do Google – conforme a natureza do trabalho do colaborador – e pensando nessa volta, a empresa criou iniciativas para aproximar os profissionais no híbrido:
Senso de pertencimento a novos funcionários: foi implementado um processo presencial e personalizado para receber mais de 400 googlers contratados em cenário remoto, com sessões vinculadas à cultura institucional, os valores da empresa e processos-chave.
Cafés virtuais com o presidente do Google Brasil: A empresa manteve sessões virtuais, quatro vezes ao mês, com grupos reduzidos e temas – como economia, produtos Google, carreira – escolhidos pelos participantes. O programa continuará em formato híbrido. Essa iniciativa também foi implementada pela Oracle e Microsoft.
Eventos internos: Eventos como o “ReconecSAO”, com foco em reconectar os Googlers não só uns com os outros, mas também com o ambiente de trabalho, a nova rotina e novos formatos. Além do “Family Day”, em que os funcionários podem trazer familiares para conhecerem o espaço de trabalho, com atividades especiais nas datas; show de talentos; ativações organizadas pelos comitês de diversidade, dentre outros.
Ambientação do escritório: Com o intuito de trazer São Paulo cada vez mais para dentro do espaço de trabalho, a empresa apostou em um visual diferente para o escritório, misturando diversos momentos da arquitetura paulistana. Além de equipar o espaço com tecnologias que permitam o trabalho híbrido.
Tendências do trabalho híbrido
Como mencionado por Milena Almeida, diretora de RH da Oracle Brasil, os colaboradores não pretendem voltar ao presencial e uma pesquisa da Microsoft – que trabalha hoje de forma híbrida – mostra que 38% dos funcionários híbridos globais dizem que o maior desafio é saber quando e por que ir até o escritório. Na América Latina, esse percentual corresponde a 39%.
A empresa de tecnologia afirma que o ideal é que os líderes criem estratégias que façam o colaborador se deslocar ao escritório, como na reformulação das salas de reunião para o trabalho híbrido, adicionando tecnologias e mudando o layout e mobiliário. Também é indicado que a empresa invista no desenvolvimento do colaborador, com treinamentos e cursos para a sua especialização – isso capacita o profissional e o mantém dentro da companhia, segundo Marilia Guedes Blotta, Gerente de Marketing para Trabalho Moderno da Microsoft.
Outro cenário avaliado pela pesquisa da companhia é o oposto da opinião de grandes líderes que dizem que o híbrido/home office diminui a produtividade dos colaboradores. Desde fevereiro de 2020, o tempo semanal em reuniões para os usuários do Teams aumentou 252%, já os chats enviados por pessoas aumentaram 32% desde março de 2020. O período de trabalho aumentou, globalmente, sendo que o trabalho pós-expediente e nos finais de semana aumentaram 28% e 14%, respectivamente.
Por fim, a reconstrução do capital social é muito citada. Segundo a pesquisa, as empresas não podem depender apenas do escritório para recuperar a conexão entre os colaboradores perdidas nos últimos dois anos. Cerca de 42% dos líderes da América Latina e 34% dos líderes do Brasil dizem que a construção de relacionamentos é o maior desafio de ter funcionários trabalhando de forma híbrida ou remota. Deles, 53% na América Latina e 39% no Brasil estão preocupados que, desde a movimentação remota/híbrida, os novos funcionários não estejam recebendo a conexão e suporte necessários para serem bem-sucedidos.
“Não há como apagar a experiência vivida e o impacto duradouro dos últimos dois anos, pois a flexibilidade e o bem-estar se tornaram inegociáveis para os funcionários. Ao abraçar e se adaptar a essas novas expectativas, as organizações podem direcionar sua equipe e seus negócios para o sucesso a longo prazo”, comenta Jared Spataro, vice-presidente corporativo de Trabalho Moderno da Microsoft.
Fazer o trabalho híbrido realmente funcionar para todos exigirá uma liderança intencional em torno de como, quando e onde trabalhar. “O escritório vai ser cada vez mais um espaço de encontro para grande parte das empresas. Não importa o modelo que as empresas adotem, elas precisarão de ferramentas flexíveis para conectar as pessoas e permitir que o trabalho necessário seja feito”, completa Carolina Priscilla, gerente de RH para o Google Brasil.