* Por Exame.com
Quem compartilha fotos, vídeos ou até mesmo capturas de tela de conversas pessoais com terceiros em redes sociais ou aplicativos na internet pode estar infringindo leis brasileiras. E, em alguns casos, o acusado pode até mesmo ser julgado e mandado para a cadeia.
Nesta semana, o aplicativo Tinder teve mais de 70 mil fotos de mulheres expostas em em um fórum na internet. A estimativa é de que 16 mil pessoas tenham sido vítimas da divulgação indevida de suas informações, prática que pode motivar casos de assédio e até o uso inadequado das imagens para diferentes fins.
O Tinder, assim como diferentes redes sociais e aplicativos tais como Facebook, Instagram, WhatsApp, entre outros, requer que o usuário permita que sua foto seja exibida publicamente – de acordo com as configurações de privacidade de cada perfil – na plataforma. É um procedimento padrão nos termos de uso das plataforma. O que não significa que as imagens podem circular livremente na web.
“É uma violação do direito autoral da imagem retratada”, explica Gisele Truzzi, advogada especialista em direito digital e CEO do escritório Truzzi Advogados. Na visão dela, o usuário não concordou com a finalidade ao qual a imagem compartilhada foi submetida.
O crime ganha outros contornos caso o conteúdo compartilhado tenha sido obtido de forma indevida, como em uma invasão de um computador ou um celular. Neste caso, a lei 12.737, conhecida como Lei Carolina Dieckmann – nomeada desta forma após a atriz ter sido vítima de um ataque virtual –, dita as regras processuais.
De acordo com o artigo 154-A do Código Penal, “invadir dispositivo informático alheio, conectado ou não à rede de computadores, mediante violação indevida de mecanismo de segurança e com o fim de obter, adulterar ou destruir dados ou informações sem autorização expressa ou tácita do titular do dispositivo ou instalar vulnerabilidades para obter vantagem ilícita” tem pena de detenção de três meses até um ano e multa.
O artigo também cita que quem “produz, oferece, distribui, vende ou difunde” esse tipo de programa está sujeito às penalidades. E caso a vítima tenha prejuízo econômico, a pena pode ser estendida de um sexto até terço.
Intimidade na rede
Conteúdo íntimo é tratado com mais rigor. Segundo Truzzi, são dois artigos aos quais o réu pode ser julgado e depende da interpretação de quem vai realizar a denúncia. O artigo 216-B, que prevê detenção de seis meses até um ano e multa, veta “produzir, fotografar, filmar ou registrar, por qualquer meio, conteúdo com cena de nudez ou ato sexual ou libidinoso de caráter íntimo e privado sem autorização dos participantes”.
A situação piora caso o réu seja enquadrado no artigo 218-C que encara como ilegal “oferecer, trocar, disponibilizar, transmitir, vender ou expor à venda, distribuir, publicar ou divulgar, por qualquer meio – inclusive por meio de comunicação de massa ou sistema de informática ou telemática” este tipo de conteúdo (além de cenas de estupro, estupro de vulnerável ou imagens que induzam à prática).
A pena para esses infratores é de reclusão de 1 até 5 anos de prisão. O tempo pode aumentar em até dois terços caso o crime tenha sido praticado por “pessoa que tem ou tenha mantido relação íntima de afeto com a vítima ou a fim de vingança ou humilhação” – o chamado revenge porn.
Uma pesquisa realizada pelo Projeto Vazou com 144 pessoas entrevistadas pelo Grupo de Estudos em Criminologias Contemporâneas, com sede em Porto Alegre, mostrou que 44% dos vazamentos de imagens íntimas ocorrem por vingança. Enquanto isso, um percentual de 35% dos vazamentos se dá pelo envio indevido sem motivação específica, ato que pode ser classificado como a prática de compartilhar conteúdo alheio.
Conversas vazadas
Quem compartilha imagens ou registros de conversas entre duas ou mais pessoas também está cometendo crime. Neste caso, de violação de correspondência. “As pessoas que estão trocando mensagens em um aplicativo entendem que aquela conversa é privada”, diz Truzzi.
Conforme descrito em trecho do artigo 151 do Código Penal, “quem indevidamente divulga, transmite a outrem ou utiliza abusivamente comunicação telegráfica ou radioelétrica dirigida a terceiro, ou conversação telefônica entre outras pessoas” pode ser condenado a detenção de um a seis meses, ou multa.
Crime sem solução?
Em nota, o Tinder afirmou que “copiar ou usar imagens e/ou os dados de perfil de qualquer usuário fora da aplicativo é uma violação dos termos de uso” do serviço e que está “constantemente identificando e implementando novas práticas e medidas para evitar esse tipo de infração”.
O Instagram, por exemplo, exibe uma notificação aos usuários que enviaram fotos temporárias no chat do aplicativo e que foram vítimas da captura de tela de seus destinatários.
Apesar de positiva, a iniciativa pode ser classificada como usar um balde para tirar água de um barco furado. Por mais que uma plataforma não permita que um usuários salve ou compartilhe as fotos diretamente usando um computador ou smartphone, é quase impossível verificar se o usuário não está usando um outro celular pra gravar a tela, por exemplo.
Melhor prevenir
Por mais que algumas leis busquem alguma segurança jurídica para vítimas de exposição indevida de suas imagens nas redes sociais, a busca por justiça pode ser difícil. O melhor a ser feito, então, é seguir a máxima de que é melhor prevenir do que remediar.
De acordo com a Safernet, organização não governamental e sem fins lucrativos que trabalha com promoção dos direitos humanos na Internet, o usuário precisa compreender que a internet um ambiente público e de fácil acesso por qualquer pessoa. E cada pessoa pode usufruir das informações publicadas da maneira como bem entender.
Explícito isso, é recomendado que o usuário não compartilhe fotos ou informações em ambientes desprotegidos de algum tipo de controle de privacidade– como perfis abertos em redes sociais, por exemplo, ou em grupos com um grande número de usuários em aplicativos de mensagens.
É também recomendado evitar o compartilhamento de informações de caráter duvidoso ou que possam ser prejudiciais para alguém recebidas por aplicativos de mensagens já que em alguns casos o internauta pode se tornar cúmplice de alguns crimes citados acima.
* Por Rodrigo Loureiro, para Exame.com