* Por Fernando Taliberti
Já escutei empreendedores falarem do sócio ou sócia em diferentes tons, de admiração a raiva, ressentimento. Já ouvi a mesma pessoa levar seu sócio do céu ao inferno em alguns meses. Não é à toa que boa parte das empresas acabam por causa de brigas entre sócios. Mas a solitária jornada empreendedora frequentemente parece uma expedição por uma floresta fantasma, fria, escura e cheia de neblina em que é melhor não estar só.
O que aprendi sobre a origem destes problemas é que ela está nas expectativas alinhadas com a clareza de um rio enlamaçado e na tremedeira nas pernas que conversas sobre cenários adversos causam, fazendo com que sócios dificilmente se preparem para eles.
No início quase sempre é uma lua de mel, talvez com planos compartilhados em um guardanapo ao invés de beijos sob o luar. Ainda assim, aquele momento em que ninguém quer pensar sobre como será se (ou melhor, quando) acabar a relação.
No mundo das startups um “divórcio” de sócios pode até ser fatal se a empresa não estiver bem resolvida na gestão das participações societárias (a chamada Cap Table). Uma divisão da empresa combinada no calor de uma garagem quando tudo estava começando pode resultar em dois sócios desistindo do negócio e levando dois terços da empresa enquanto um permanece querendo fazer acontecer, mas só tem um terço. Essa é uma situação em que, se a startup precisa de capital de risco, está em maus lençóis. Isso porque um investidor quer ver uma boa parte do capital ainda na mão dos sócios que estão comandando a operação. Ninguém quer colocar dinheiro para que dois sócios que não estão na operação levem mais de metade do benefício. Essa situação pode levar a empresa a acabar.
O instrumento mais consagrado para resolver este problema é chamado de vesting. Através deles, os sócios conquistam a participação combinada ao longo do tempo em que se dedicam integralmente à empresa, conforme a relação vai se fortificando, e a empresa também. Por exemplo, se eu tenho direito a 20% da empresa com vesting de 4 anos posso “ganhar” 5% a cada ano. Se alguém desistir antes deixa participação na mesa.
Embora estes mecanismos sejam populares para startups, recomendo seu uso por empreendedores de qualquer setor, pois a lógica societária não muda. Atualmente recomendo inclusive que o vesting não seja linear, ou seja, se conquiste menos participação nos primeiros anos do que nos últimos. É claro que o começo é crucial para o destino da empresa, mas depois de cinco anos, quando estiver maior, ela vai precisar ainda mais de gente boa e comprometida na operação e o fato de um sócio que não está mais presente ter participado do seu primeiro ano de vida pode valer pouco.
Dado que este é um casamento de longo prazo, também recomendo que o instrumento de vesting seja de cinco anos, ao invés de quatro, que é o prazo comum para executivos recompensados com stock options. Esse instrumento pode alinhar a expectativa de dedicação ao negócio com o direito à participação como mágica.
E se o sócio for um anjo? Este tipo de investidor pode ser muito valioso para a empresa, se tiver conhecimento ou conexões que de fato a ajudem a ter sucesso. É muito comum os fundadores buscarem investidores anjos apenas pelo dinheiro que podem aportar e se verem em uma relação societária azeda. Um investidor financeiro em uma posição de cobrança de resultados pode custar mais que o valor que investiu para uma startup ou para qualquer outra empresa.
Outro tipo de sócio que pede cuidado na escolha são os advisors, conselheiros recompensados pelo conhecimento que aportam na empresa. Minha dica sobre estes é pedir que invistam também, tornando-os anjos. Já experimentei ter (e ser) anjo e advisor de startups, e hoje dou mais peso a esse conselho. Nada gera tanto comprometimento como colocar dinheiro na empresa, mesmo que seja pouco.
Todo investidor é sócio, mesmo os de risco (Venture Capital, Private Equity). Antes de se associar a eles deve-se conhecê-los e entender se a química vai funcionar, caso contrário a relação pode atrapalhar e muito. A história das startups está repleta de relações complicadas com investidores.
Por fim, só recomendo trazer sócios quando realmente valer a pena. Vale ter sócios para não empreender sozinho? Sem dúvida. Mas é como um casamento, precisa ser bem escolhido. Um “test drive” com candidatos por alguns meses antes de assinar a entrada na sociedade pode diminuir muito o risco de errar e é uma boa dica.
Para quem vai captar investimento, é importante ter a consciência de que este é um meio para um fim. Só faz sentido se a sociedade ajudar a chegar no objetivo. Anjos e advisors valem pelo valor que agregam à organização, não só pelo capital que aportam. Capital de risco pode ser a única forma de chegar a certos destinos. Qualquer sociedade, seja com um investidor ou não, precisa de um bom relacionamento, mas o sócio certo pode ajudar, e muito.
Fernando Taliberti é empreendedor brasileiro, fundador, mentor e investidor de startup, escritor e palestrante com foco em modelos de trabalho inteligentes, saúde mental, intraempreendedorismo, cultura de inovação e digital. Formado em Engenharia de Produção pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), também possui especialização em Product Growth Marketing pela Tera e mestrado em e-business e Tecnologias para Gestão pela Politecnico di Torino, Itália.