A pandemia do novo coronavírus trouxe consigo o chamado isolamento social, uma das várias medidas recomendadas pelas autoridades de saúde para conter a disseminação da doença. Com isso, muitas das atividades que eram feitas de forma presencial passaram a ocorrer pela internet, como o trabalho feito de casa (ou “home office”).
Entretanto, no ramo da educação, isso não é uma novidade. O ensino à distância (EAD), alternativa para quem deseja conquistar um diploma de nível superior, já é uma realidade em inúmeras instituições pelo País e vem crescendo ao longo dos anos.
De acordo com dados do último censo realizado pela Abed (Associação Brasileira de Educação a Distância), de 2017 para 2018, o número de alunos contabilizados em todas as modalidades à distância saltou de 7,7 milhões para 9,3 milhões. Boa parte deles está concentrada na região Sudeste (43%), seguida pela região Sul (23%), Nordeste (18%), Centro-Oeste (11%) e Norte (5%).
Desta forma, para que o ingresso desses alunos seja formalizado, todos eles devem passar pelo tão temido vestibular, que também teve que ser adaptado. Assim, tudo isso nos leva a um outro questionamento: essa transformação digital na educação veio para ficar de verdade?
Para responder à essa e outras questões sobre o assunto, o Cubo Live Talks trouxe Leonardo Queiroz, VP de crescimento da Cogna, grupo educacional que atua há mais de 50 anos no Brasil; Daniel Antonucci, CEO da CRM Educacional, software que ajuda instituições de ensino a revolucionarem o relacionamento com os seus potenciais e atuais alunos e Leandro Berchielli, cofundador da Blox, edtech focada na gestão curricular inovadora. O bate-papo foi mediado por Renata Zanuto, co-head do Cubo Itaú.
Desafio das instituições de ensino durante a pandemia
Com cerca de 1 milhão de alunos em sua plataforma, a Cogna teve que pensar rápido logo quando a pandemia começou: migrou 32 mil aulas em 24 horas para o ensino à distância. Apesar do pouco tempo, a mudança repentina não atrapalhou os usuários, como conta Leonardo. “Nossos alunos não sentiram muita diferença. Os cursos como Recursos Humanos e Administração migraram rapidamente para o curso de ensino à distância outros cursos que precisam de mais práticas, como os cursos de Saúde e Direito continuaram no presencial”, contou.
Já para a Blox, a surpresa foi um pouco maior, uma vez que a empresa não sabia quanto tempo a pandemia iria durar. Por outro lado, segundo Leandro, isso foi importante porque acabou acelerando a inovação. “Foi um momento de ausência de direção que depois foi se adaptando, um cenário bastante complicado. Ninguém sabia dizer se ia durar dois, três meses e não foi muito bem assim que aconteceu. Foi um ano de bastante insegurança no cenário. As instituições focaram muito mais em cortar custos. O lado “bom” é que forçou a inovação em alguns pontos, a adoção de ferramentas digitais de uma maneira muito mais rápida do que se projetava antes da pandemia”.
Daniel Antonucci citou a dificuldade em elencar qual foi o maior desafio neste tempo, destacando que a pandemia também fez com que muitos alunos desistissem de estudar. “Você pega um cliente que só tinha presencial ou que estava engatinhando no EAD, sofre muito mais para fazer essa virada, é um desafio muito maior. A evasão também foi muito grande, não só pela própria adaptação ao digital, mas também pela questão da empregabilidade”, ressaltou o CEO da CRM.
Aumento do investimento em tecnologia por parte das instituições
Durante o período de aulas remotas, muitas faculdades e universidades pelo país tiveram que aprimorar ou até mesmo implantar um sistema informatizado que atendesse às expectativas dos alunos. Daniel destacou que até então, muitas dessas instituições estavam distantes do que ele chamou de uma “realidade de digitalização”.
“Tivemos que correr atrás do prejuízo de alguns anos de não digitalização. As tecnologias já estavam aí, então foi mais uma mudança de mindset, de visão. Tiveram instituições que sofreram bem mais, porque estavam muito distantes, e outras que fizeram a virada muito rapidamente, porque já vinham se preparando”, apontou.
Para Leandro, as escolas tiveram que passar por uma mudança a qual não estavam esperando. “As instituições que não tinham isso nem como suporte do ensino presencial tiveram que se adaptar do dia para a noite. Várias empresas começaram a ceder gratuitamente esses produtos para as instituições não terem que fazer um investimento imediato, para se adaptarem. Foi meio que uma mudança forçosa”.
Ainda segundo ele, esse movimento criou uma cultura de “ensinar à distância” que não existia antes. “As ferramentas que de uma certa maneira conseguiram nos manter próximos facilitaram a vida das instituições e elas viram que não era tão complicado adotar essas ferramentas. Era muito mais uma resistência, só que o cenário tornou isso muito mais fluido”, destacou o cofundador da Blox.
Já Leonardo, da Cogna, chamou a atenção para a questão do estudante como consumidor, que procura ir atrás daquilo que mais lhe agrada. “O aluno quer aprender aquilo que quer, na hora que quer, do jeito que ele quer, pagando aquilo que ele acha que vale. E a gente ainda não está pronto para esse mundo. Enquanto a gente não estiver pronto para esse mundo, nós não vamos conseguir colocar a educação em outro patamar. Quando a gente começar a fazer isso, aí a gente vai construir realmente um mercadão”.
Como tornar o acesso do aluno mais atrativo?
A preocupação com o bem-estar do aluno durante as aulas remotas também foi trazida para a discussão. Para Daniel, da CRM, as instituições de ensino precisam estar interligadas não apenas ao seu momento de vida, mas ao que o mercado de trabalho espera dele. “A gente percebe muitos cursos desconectados. Então, as micro certificações capacitam mais rapidamente o aluno ao longo da trajetória, para que ele entre no mercado de trabalho mais pronto para o que as empresas estão esperando. Facilita e melhora essa questão”, afirmou.
Leandro também acrescentou que é preciso haver uma flexibilidade na grade curricular dos cursos para que eles se tornem ainda mais atrativos. “Da mesma maneira que os jovens não assistem mais à TV aberta, eles também passam a exigir da educação uma forma de consumo diferente. Não é só o que e quando eu vou assistir, mas se os meus anseios profissionais são correspondidos com este currículo. O primeiro ponto é trabalhar a habilidade do aluno. Ao mesmo tempo em que eu acredito que o ensino superior não vai morrer, ele precisa se reinventar por meio do currículo”, afirmou.
Por sua vez, Leonardo também acredita em um modelo de concurso mais flexível, de acordo com as possibilidades que o aluno teria no momento da realização, assim como feito pela Cogna. “A gente veio aprendendo que depois que a gente começou a ser mais leve, passamos a atrair mais as pessoas que estavam com medo. Isso funcionou bastante. Nós colocamos a hora em que ele queria fazer a prova e a redação poderia ser escrita no celular mesmo, com toda a segurança”.
Vestibular digital e inclusão
Um outro ponto abordado foi a questão da inclusão digital, que ficou ainda mais evidente durante a pandemia. De acordo com dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua) de 2018, divulgada no ano passado, uma em cada quatro pessoas não têm acesso à internet no País, o que representa cerca de 46 milhões de brasileiros.
Sobre essa questão, Daniel ressaltou que a mudança para um cenário mais favorável não se dá em pouco tempo. “Demanda investimento, planejamento, é uma política de Estado. As crianças que estão deixando de ser formadas hoje são as pessoas que não vão conseguir entrar numa faculdade adequadamente. Então essa conta vai longe ainda. Temos um problema sério de educação básica no brasil. A pandemia deixou esse problema mais claro aos nossos olhos, mas ele já existia”, disse.
Para Leandro, da Blox, é preciso criar políticas que façam com que a internet de baixo custo chegue a qualquer lugar do Brasil. “Falta muito investimento nas áreas mais afastadas dos centros urbanos. Esse é um saldo bastante preocupante e a gente deve olhar muito para isso. Se a gente olhar uma prioridade, é conseguir conectar a população para que eles possam usufruir desse benefício”. Leonardo completou. “quando a gente tiver um ambiente estruturado para isso, a gente vai democratizar bastante o conhecimento”.
Fraude nos concursos vestibulares: como evitar?
Por fim, um outro tema abordado pelos convidados foi também a fraude nos concursos vestibulares, uma preocupação a mais que os aplicadores devem ficar atentos. Para o CEO da CRM, Daniel Antonucci, as tecnologias não estão livres de serem burladas.
“Eu acho que qualquer tecnologia pode e vai ser fraudada. “Não existe nenhum tipo de tecnologia que seja a prova de qualquer tipo de hacker. Tecnologia, do mesmo jeito que elas evoluem, as pessoas que querem desafiá-las também evoluem. O que a gente procura fazer é equilibrar as tecnologias disponíveis dentro de um nível aceitável de segurança. Às vezes a gente coloca tanta tecnologia que inviabiliza a execução de uma prova ou de um processo qualquer”. E finalizou. “Eu acredito demais na universidade como um centro de transformação de pessoas, de vidas, e consequentemente do País, para um país melhor. Talvez ela não tenha o protagonismo que ela tinha, mas vai continuar sendo extremamente importante e fundamental no processo de ensino, de evolução das pessoas e do País”.
Leonardo também apontou que é preciso, em conjunto, buscar educar cada vez mais pessoas. “Essa é a única forma que a gente tem de passar para o próximo nível e continuar crescendo. Quanto mais pessoas educadas, mais renda a gente gera, mais mente aberta, mais inovação”, concluiu.
O Cubo Live Talks traz semanalmente especialistas do mercado para debater temas relevantes para o ecossistema. Todas as lives são transmitidas às 19h nos canais do YouTube do Startupi e do Cubo Itaú.