* Por Exame.com
Amy Webb é considerada um dos nomes mais influentes do mundo quando o assunto é projetar o futuro. É fundadora e presidente do Future Today Institute, organização que usa ciência de dados para ajudar líderes de todo mundo a identificar riscos e tendências, e autora do livro ‘The Big Nine: How the Tech Titans and Their Thinking Machines Could Warp Humanity’ (As nove notáveis: como os titãs da tecnologia e suas máquinas podem mudar a humanidade, livro sem tradução para o português), em que discute os impactos econômico e político da Inteligência Artificial.
A especialista se apresenta hoje na HSM Expo Now!, edição totalmente online do evento anual promovido pela HSM, companhia de educação executiva que pertence ao grupo Ânima Educação. “Viveremos uma década marcada por transformações profundas no entretenimento e na forma como nos alimentamos, com quase tudo sendo criado a partir de computadores”, diz Webb, em entrevista exclusiva à Exame. Confira os principais trechos da entrevista a seguir.
Exame: Como você vê o avanço da biotecnologia nos próximos anos?
Amy Webb: Muitas pessoas pensam em biologia sintética e relacionam isso a comida à base de plantas, mas, na verdade, esse é um aspecto muito pequeno para sintetizar o potencial que o setor tem. A pandemia de covid-19 deixou isso muito claro, uma vez que observamos grande quantidade de investimentos em transformação digital sendo direcionados para empresas que atuam com biotecnologia – para que essas companhias também colaborassem na busca pela vacina. Acredito que o exemplo mais emblemático disso seja a união da Ginkgo Bioworks, uma das maiores companhias que atua com biologia sintética, com a Moderna para desenvolverem uma vacina contra o vírus.
Esse é apenas o começo do potencial que a área deve atingir nos próximos anos. Um exemplo de como essa área pode ser usada de diferentes formas está na Clear, companhia presente em aeroportos e estádios, em que você não tem que mostrar sua identidade quando comparece a esses locais, já que tudo é feito por varredura biométrica. O objetivo deles, agora, é o de se tornarem a única fonte para todos os seus dados.
Eu analiso essa tendência há alguns anos e o que eu acredito que vá acontecer é a migração de Personal Identification Information (PIIs) para um único registro de dados pessoais. Inevitavelmente, companhias já estão pensando nisso a partir de agora.
Falando um pouco mais sobre esse último tópico, como você vê o papel da regulação de novas tecnologias nos próximos anos?
O desafio com a regulação é que ela sempre parece agir reativamente e tende a não projetar o futuro. A tecnologia é incrivelmente importante e há grandes companhias nos Estados Unidos e na China que estão trabalhando todos os dias para desenvolver o que será o nosso futuro.
Nesse cenário, os reguladores vão ter que pensar de forma cautelosa sobre as vantagens e desvantagens que esse cenário traz e tentar balancear isso da melhor forma possível. Questões como: o que vai fazer com que essas companhias tenham um olhar além do lucro? Desenharem um futuro diferente? Não ter uma coordenação dos valores que devem ser atendidos é algo que terá de ser superado: as tecnologias terão de ser colocadas ao nível do interesse público e do acesso por grande parte das pessoas.
Essas transformações também devem ser potencializadas pelo uso do 5G. Quais são suas expectativas para essa nova forma de conexão móvel?
Existe um número imenso de oportunidades relacionadas ao 5G. Uma delas é, justamente, reforçar o potencial da biologia sintética, unindo cada vez mais essa área com a Inteligência Artificial. Mas, além disso, o 5G vai dar ainda mais fôlego para o entretenimento sintético, que consiste na criação 100% digital de pessoas, vozes e espaços, com um resultado final bastante realista.
O resultado final poderá ser assistido em séries ou novelas, por exemplo. O 5G contribui para isso na medida em que acelera consideravelmente o tempo de produção e desenvolvimento dessas novas formas de entretenimento. Com uma conexão exponencialmente mais rápida, será possível criar personagens, filmes animados em tempo recorde, direcionados a diferentes perfis de audiência.
Além disso, o 5G vai trazer um potencial imenso na robótica, com robôs aprendendo e colaborando uns com os outros, extrapolando a capacidade humana. Isso será especialmente interessante em setores como a agricultura, por exemplo. Com uma rede mais rápida, acessar dados padronizados e permitir o compartilhamento entre diferentes componentes vai acelerar a produtividade e a solução de problemas.
Por fim, outro setor que se beneficia disso são as grandes companhias de tecnologia, como Amazon e Google, que poderão contar com a redução significativa da latência e da maior demanda por soluções em nuvem.
Quais áreas serão impactadas pela tendência conhecida como Realidade Virtual?
A educação pode se beneficiar disso, em parte. Por exemplo: ao aprender uma língua estrangeira, estudantes de diferentes locais do mundo podem estar num ambiente que se assemelhe a uma classe única, facilitando a compreensão do idioma e acelerando o aprendizado. Contudo, acredito que matérias que exigem a escrita ou habilidades matemáticas ainda devem manter o estilo de aprendizado em sala de aula, pela demanda que exigem. Além da educação, o entretenimento também pode se beneficiar amplamente da realidade virtual. Assistir a um show usando essas ferramentas poderá ser uma forte opção nos próximos anos.
Na verdade, o potencial da Realidade Virtual é bastante restritivo. O que mais me interessa para os próximos anos são a Realidade Estendida e a Realidade Aumentada. Elas vão permitir que novas modalidades de esportes existam, por exemplo, combinando de forma híbrida o físico dos atletas e os esportes digitais. Também vão trazer a visualização de dados para um novo nível e facilitar o trabalho de pessoas que trabalham em fábricas ou em mineração – reduzindo significativamente o risco a que esses profissionais são expostos.
Quais você acha que serão as principais diferenças entre a adoção da “década artificial” em países como Estados Unidos e China ante outros, como o Brasil?
Os Estados Unidos e a China têm um longo caminho pela frente. Questões sobre tecnologias avançadas como Inteligência Artificial, chips e outras áreas como biologia sintética são alguns dos principais expoentes desse novo momento. Para avançar nisso de forma sustentável, ambos os países terão de fazer algumas concessões com a esfera pública – as tecnologias vão continuar a se desenvolver e eu espero que cheguem a algum acordo com a parte regulatória para que o melhor aconteça.
Nesse cenário, países como o Brasil vão ter que viver com a decisão que os EUA e a China fizerem. Não parece muito justo, mas é algo que vai acontecer. É claro que nada vai mudar de forma abrupta a partir de amanhã, estamos falando de tecnologias que ainda vão levar algum tempo para atingirem seu ápice. Contudo, é necessário ter atenção a alguns fatores: globalmente, estamos diante de um período turbulento de recessão pós-covid, ascensão do nacionalismo, entre outros. Isso pode modificar a percepção do país sobre o futuro e demanda atenção especial diante dos anos desafiadores que deve enfrentar pela frente.
Para ganhar protagonismo em meio a essa situação, companhias inovadoras locais podem ter uma oportunidade para participarem do debate em relação às novas tecnologias e oferecerem seu ponto de vista, entrando nesse jogo e participando dessas conversas que definirão o nosso futuro.
Falando nos rumos futuros da tecnologia, há o desafio de eliminar ou reduzir vieses inconscientes humanos refletidos em novas tecnologias. Como você avalia que as grandes companhias poderão ser mais inclusivas nos próximos anos?
Esse é um problema bastante complexo e que vai exigir a mudança do sistema de educação para uma encorajar muito mais do que pessoas não brancas e mulheres. É preciso incluir pessoas que têm identidades de gênero diferentes nessa jogada também e recrutá-las para fazerem parte dos times de grandes companhias. Há que se ter uma visão de longo prazo e tomar vários passos diferentes até atingir esse objetivo. Nós sabemos o que é necessário, basta começar a fazê-lo.
* Por Karina Souza, para Exame.com