“Digitalização, resiliência e continuidade dos negócios: o que aprendemos com a pandemia de covid-19”. Este foi o tema de um estudo da Cisco, líder mundial em tecnologia, em parceria com a Delloite, organização de serviços profissionais, cujos resultados foram apresentados ontem durante uma coletiva de imprensa online.
Rodrigo Uchoa, diretor de transformação digital da Cisco no Brasil e Heloísa Montes, sócia de Consultoria Empresarial e Líder de Estratégia e Operações da Deloitte, destacaram os pontos principais da pesquisa, que faz parte do programa Cisco Brasil Digital Inclusivo, lançado em março deste ano e tem como principal objetivo conduzir iniciativas e projetos de aceleração digital no país.
O estudo
Foram investigados os impactos da pandemia em quatro setores da sociedade: educação, saúde, justiça e governo, buscando entender como o uso de tecnologias permitiram a continuidade das operações durante a crise no Brasil e deverão ser fundamentais para a retomada ao novo normal.
“Por volta dos 100 dias de crise, até um pouco antes, estava claro para a Cisco o papel da tecnologia e do digital na gestão da crise e na infraestrutura necessária para que a gente pudesse, durante a pandemia, manter os negócios. A gente foi atuar muito forte com nossos clientes que precisavam realmente de tecnologias e plataformas para continuar seus negócios, e dali surgiu a grande pergunta: quão resiliente somos? A gente está preparado para isso que estamos vivendo?”, questionou Rodrigo.
Para isso, os pesquisadores se basearam em entrevistas com especialistas dos setores público e privado, além de pesquisa secundária − a partir de notícias, relatórios, dados públicos e diversas análises acadêmicas – sobre como os brasileiros lidaram com a pandemia, em comparação a outros países, bem como a aceleração da digitalização ajudou a manter o funcionamento de muitos serviços essenciais.
O levantamento contou ainda com uma fonte primária: uma pesquisa online para coletar insights a partir de respostas de alunos, pais, médicos e pacientes dos setores de saúde e educação. No total, foram mais de 700 entrevistados durante o mês de julho deste ano. “Foi um dos projetos mais interessantes que a gente fez, até para pode entender o que a gente vai levar no pós-pandemia, como uma semente para transformação que a gente vai ver cada vez mais aceleradas nas empresas e obviamente, nas esferas de governo”, destacou Heloísa.
Educação
Na área da educação, o estudo mostrou que o ensino à distância durante a pandemia acelerou a transformação digital do setor, acentuou a adoção de novas tecnologias e fez com que professores pudessem flexibilizar suas práticas e, até mesmo, gerar renda extra com cursos online.
“As pessoas estavam muito mais abertas, independente de ser um professor, aluno, pai, de tentar aprender um pouco, de se desenvolver dentro desse mundo digital. Então muitas das resistências psicológicas e bloqueios, acho que a maioria das pessoas acabavam tendo que enfrentar e essa adoção tecnológica em escala acabou facilitando o processo dentro da educação”, disse Uchoa.
O levantamento também revelou que, nos próximos anos, a educação básica poderá não ser mais totalmente presencial, mas sim um modelo híbrido entre o presencial e o online. Além disso, alguns modelos apontam para o ensino colaborativo, baseado em projetos e salas de aula ‘invertidas’, usadas pelos professores para levantar discussões e fornecer explicações em maior profundidade. Os alunos, por sua vez, aprenderão parte do conteúdo em casa.
“Segundo a pesquisa, 87% dos professores da rede municipal não se sentiam nada preparados para dar uma aula nesse ambiente digital. Na rede estadual e privada, esse percentual era de 81%. Depois disso, é como se a gente tivesse “arrancado o band-aid”. Agora eles estão mais preparados. Minimamente, eles tiveram a experiência. Então a gente já sai com uma perspectiva diferente daquela que a gente entrou. E isso acontece também com médicos e com as pessoas que passaram a aceitar a teleconsulta como sendo uma possibilidade”, apontou Heloísa.
Saúde
A liberação da telemedicina durante a pandemia, cuja prática foi autorizada em lei no mês de abril, aliada à ampla disponibilidade de soluções no cenário brasileiro de tecnologia em saúde, foram essenciais para facilitar a adoção de recursos tecnológicos no setor e garantir sua continuidade. Assim, as teleconsultas se tornaram uma ferramenta de apoio à continuidade dos serviços de saúde durante o período.
“Essa liberação, durante a pandemia, teve um impacto muito grande. O Hospital Einstein saiu de 80 consultas no começo da pandemia para 600, 700 consultas por dia acontecendo através da tecnologia digital”, salientou o diretor de transformação digital da Cisco. Com isso, a tendência é que, nos próximos anos, a medicina à distância seja potencializada por outras tecnologias, como dispositivos vestíveis que monitoram a saúde de pacientes, crescimento de mercado das ‘health techs’ e redução de gastos de saúde ao priorizar acompanhamentos e cuidados básicos.
Justiça
Já no setor judiciário, o elevado grau de digitalização dos processos na pré-pandemia permitiu que o setor mantivesse as operações internas nos últimos meses, e a disponibilização de uma plataforma de videoconferência foi essencial para garantir a continuidade de audiências. “A gente já vinha acompanhando a digitalização de processos, de documentos. Então não era um setor que já não vinha se preocupando com a sua digitalização, com objetivos de acelerar, e melhorar, otimizar todos os processos”, segundo Rodrigo.
Consequentemente, a transformação digital aponta para tendências como processos judiciais 100% eletrônicos, além do uso de dispositivos de inteligência artificial para automatizar e acelerar processos que hoje são feitos por humanos. “Eu acho que agora a gente fala realmente numa nova etapa na justiça, com mais adoção e otimização de todos os processos, a necessidade de transformar todos esses processos em um modelo eletrônico”, destacou Uchoa.
Governo
Antes da pandemia, a digitalização já estava presente em diversos programas conduzidos no setor público federal e dos maiores Estados da Federação, ainda que a maior parte deles e os municípios menores encontrassem dificuldades. No entanto, a existência de programas de digitalização prévios e os investimentos realizados nessa frente foram essenciais para que garantissem um bom nível de resiliência durante a crise, como lembrou Rodrigo.
“O Brasil, desde 2016, lançou sua estratégia de governança digital; 2018, uma estratégia de transformação digital, e agora, esse ano, a nossa estratégia de governo digital. Muitos serviços tiveram que ser rapidamente digitalizados por causa da pandemia, do plano de emergência que foi estabelecido. Eu acho que foi um acelerador o fato de que a gente já vinha discutindo sobre muito a digitalização do governo, mas a gente ainda enfrenta um alto grau de fragmentação dos sistemas, das bases de dados do governo, de todas as plataformas”.
Conclusões
Por fim, Rodrigo destacou que o mais importante neste momento é conseguir manter o processo de digitalização impulsionado pela pandemia. “O novo normal é aquele que a gente vai construir daqui para a frente, entendendo como as pessoas mudaram, como a estrutura de governo precisa mudar, como o setor privado e cada um dos diversos segmentos tiveram que se transformar e que precisam mudar para essa fase, que é de recuperação”.
Para ele, esse é justamente o momento exato para utilizar o aprendizado para conseguir construir um Brasil melhor, mais digital e inclusivo. “Que a gente consiga, através da tecnologia, produzir um ambiente econômico, social, um ambiente de governo e de governo e serviços públicos mais eficiente e para todos”.
Heloísa concluiu dizendo que a pandemia trouxe a necessidade de novos modelo de negócio. “Quando a gente fala de competitividade, a gente tá falando de país, políticas públicas, da economia como um todo, de regulamentações e normas e a possibilidade de recursos e principalmente do movimento das empresas. E as empresas também tiveram que passar por uma transformação na marra. E essa transformação aconteceu não só pela tecnologia, mas também aconteceu muito pela mudança de comportamento do consumidor”.
A sócia de Consultoria Empresarial e Líder de Estratégia e Operações da Deloitte também chamou a atenção, dentro do assunto de digitalização, para os pequenos negócios que foram encontrar marketplaces oferecidos por grandes varejistas. “A gente sabe que é ruim para todo mundo quando a gente tem uma onda muito grande de empresas que saem do mercado. Isso não melhora a competitividade para ninguém, isso piora de maneira absoluta a circulação de renda e é ruim para todo mundo do ponto de vista econômico”, disse.
Ela acredita na possibilidade de continuar observando esse movimento de digitalização nas quatro esferas aprofundadas pela pesquisa. “Pela experiência da Delloite, a gente tem visto isso muito nas empresas de todos os portes. Eu vejo que a gente vai começar a perceber esses reflexos não só nas grandes dimensões, de mudança e de modernização do país, mas também muito como fruto dessa aceleração que foi feita de digitalização “na marra”, finalizou.