No comecinho de março, divulguei aqui pra vocês um caso interessante que envolvia a startup de direito YouLaw e a OAB Rio. Em 2010, a OAB entrou com uma ação judicial para tirar do ar uma das funções da YouLaw, alegando que ela feria o código de ética dos advogados brasileiros. Na ocasião da publicação da matéria, a sentença do caso estava para sair e os ânimos já estavam menos “animados” entre os envolvidos no caso, já que eles haviam tido conversas e chegado a uns pontos em comum, mas só consegui entrar em contato com o pessoal da organização de advogados.
Não tivemos o posicionamento da startup, que é bastante importante nesta história, e fiquei feliz quando recebi o contato de Dhaniel Chveid, um dos idealizadores do projeto. Como o assunto envolve brigas na justiça e não estou aqui para julgar ninguém, pedi que ele montasse para mim um texto, explicando o lado da YouLaw nessa história. Vejam:
“Quando o Youlaw foi idealizado, só tínhamos em vista uma única proposta: conscientizar os consumidores (população) sobre a possibilidade de acessarem a Justiça (especificamente os Juizados Especiais Cíveis) sem a necessidade de contratação de advogados, conforme autorização legal prevista no artigo 9o. da Lei 9.099/95, e em observância sobretudo ao direito constitucional fundamental de acesso ao Poder Judiciário (Constituição da República, artigo 5o., inciso XXXV).
Assim, para que o cidadão pudesse exercer esse direito, nos inspiramos na abertura prevista no artigo 14 também da referida lei 9.099/95, que prevê a utilização de formulários para que a reclamação do consumidor chegue formatada para a apreciação do juiz.
O YouLaw, nesse contexto, virou uma ferramenta tecnológica que possibilita qualquer pessoa inserir as informações sobre sua reclamação em nosso sistema, de acordo com o passo a passo indicado no site, para ao final emitir uma petição formatada de acordo com as exigências legais. Tudo foi criado refletindo os aspirações legislativas. Com a petição nas mãos, os documentos que comprovam os seus direitos, bem como uma xerox da identidade e outra do comprovante de residência, basta que o consumidor se dirija ao juizado mais próximo de sua residência para dar início ao processo judicial. Isso tem evitado que nossos usuários aguardem uma hora, no mínimo, nas filas de atendimento dos juizados, onde é feito exatamente o que o site faz. Pois nos Juizados um servidor é quem reduz a escrito a reclamação do consumidor, o que também demora muito.
Todos os nossos objetivos foram levado ao conhecimento da OAB/RJ. Fizemos uma consulta formal, que recebeu o protocolo de número 15-108/2011, questionando se poderíamos criar o site. A resposta da OAB/RJ, no sentido de que a atividade que o Youlaw desempenharia consubstanciaria matéria estranha à advocacia, o que inclusive fez com que ela deixasse de analisar com maior profundidade a nossa consulta, nos deu a certeza de que não entraríamos em conflito com a entidade, o que sempre acreditamos não fosse mesmo acontecer, até por querermos o apoio da Ordem.
Fato é que foi por zelo profissional a decisão de obter o pronunciamento formal da OAB/RJ, o que para nós rechaçaria eventuais dúvidas. Talvez não devêssemos ter depositado a confiança que depositamos na consulta, e a ação intentada pela OAB/RJ depois de o site ter sido lançado, confirma isso. Duas coisas ficaram caracterizadas: a consulta formulada perante a OAB/RJ parece ter de nada valido para nós, e nos sentimos desprestigiados por isso, e a propositura da ação na Justiça Federal sem nossa prévia comunicação, para explicações extrajudiciais se fosse o caso, revelou a postura da entidade de judicializar casos que não se mostram complexos e que somente servem para assoberbar o Poder Judiciário, em desalinho com as recomendações do CNJ.
Mas o que importa dizer é que após o primeiro ano de nossas atividades, já com o site no ar, identificamos novos produtos, o que deixou nossa motivação em alta. Percebemos que o Youlaw é um grande captador de dados e o seu potencial para transformá-los em informações é enorme. Temos o perfil completo do consumidor em nosso sistema (idade, cpf, identidade, residência, sexo, profissão e etc.), o teor integral da reclamação do usuário, e profissionais na equipe que conhecem a lei, o direito, e a jurisprudência do país.
Diante disso, oferecer gratuitamente para o cidadão uma ferramenta que irá ajudá-lo a perseguir sozinho os seus direitos, e sem ter que custear honorários advocatícios, e, a partir daí, coletar informações preciosas para empresas que estejam dispostas a entender as falhas de seus serviços, é o que tem traduzido o nosso maior diferencial e garantido a nossa existência.
Isso faz com que o Youlaw seja impulsionado para o interior das empresas que oferecem produtos e serviços para um grande volume de consumidores, seja para atuar em colaboração com os seus departamentos jurídicos, seja para subsidiar suas ouvidorias a partir dos dados que somos capazes de coletar. Incrivelmente, os profissionais do direito são capazes de contribuir para a melhora da imagem corporativa, a partir de um relacionamento mais especializado com seus clientes. Entendem com profundidade as reclamações recebidas e conseguem discernir bem se de fato houve a falha no serviço por parte da empresa, aconselhando-a, ou se há exagero pela parte do consumidor. Tudo sob a ótica jurídica.
Como mencionei em e-mails anteriores, infelizmente a OAB/RJ teve uma postura deselegante ao subverter a atividade realizada pelo site. Embora saibamos que foi negativamente influenciada por queixas de advogados descontentes com a bandeira que erguemos, absolutamente aceita pelos Tribunais Superiores que defendem a facilitação do acesso à Justiça, poderia ter sido mais cautelosa e analisar todos o site, todos os nossos textos informativos, como funciona e etc. Isso não aconteceu, não temos dúvidas.
A preocupação foi proteger o mercado dos advogados, do qual, aliás, faço parte. Apenas não compartilho da ideia de que todas as ações, inclusive as de menor complexidade jurídica, necessitam da participação de nós profissionais do Direito. Porque, na minha opinião, o desenvolvimento de uma sociedade perpassa pela conscientização jurídica coletiva, mínima que seja, e aprender a exigir os seus direitos nos Juizados é um ótimo exercício. Isso não irá reduzir a clientela dos meus colegas, que possuem conhecimentos maiores do que o necessário para uma pequena causa.
O “modelo de negócios” que teríamos para apresentar a OAB/RJ com a finalidade de obtermos o seu apoio envolve, por conta disso, apenas os estagiários e paralegais (estes últimos são aqueles profissionais que cursaram a faculdade de Direito, porém não passaram no exame da OAB). Seriam beneficiados os usuários do YouLaw, de um lado, e estudantes cadastrados na OAB/RJ, do outro. A OAB/RJ poderia levantar recursos a partir das ações judiciais que seus estudantes vencessem, para gerar novos benefícios à classe dos advogados, e o estudante em formação ou recém formado, poderia obter uma pequena renda. O viés social é inegável. Mas, ainda não sabemos o por quê, a ideia não foi analisada pela entidade…
Fato é que confiamos no nosso trabalho e o site tem ajudado consumidores mais engajados de todo o Brasil a obterem na Justiça os seus direitos. É por isso que aguardamos uma sentença favorável para Youlaw para que sejam resguardados também os direitos desses consumidores, de sozinhos submeterem suas lesões ao Poder Judiciário.
O cenário que vivemos e que temos vivído é mais ou menos esse!”
Foto: Zé.Valdi/Flickr (Acesse o original)