Quais são as alternativas para se financiar uma empresa de tecnologia? Onde/como se pode arrumar dinheiro? Certamente, qualquer um que já criou e tentou fazer uma empresa crescer já se defrontou com essas questões.
Diego e Bob, aqui do Startupi, escreveram um ótimo artigo sobre o assunto, simples, claro, útil. Está incluído no livro “Empreendedorismo Inovador: como criar startups de tecnologia no Brasil” (veja aqui). Vale ler, fica a dica! Uma das possibilidades que indicam no artigo é o client financing, modalidade que ainda é pouco explorada no Brasil, mas comum em mercados de tecnologia mais maduros.
Como funciona? A empresa obtém com clientes os recursos para financiar o seu crescimento e até mesmo o desenvolvimento de produtos, através do adiantamento de pagamentos, empréstimo, apoio financeiro etc. É justamente esse um dos pilares da operação International Entrepreneurship Center (IEC), localizado em Newton, Massachussets, EUA. Acho que é um modelo que vale ser conhecido.
Conversei com Enio Pinto, sócio do IEC, sobre modelo dessa ‘aceleradora’ (aceleradora?). Veja aqui o vídeo da entrevista e encontre no final deste post uma síntese das perguntas e respostas, incluindo uma lista de empresas brasileiras que já passaram pelo IEC.
O IEC foi criado em 2011 por profissionais de tecnologia e negócios oriundos do Babson College, uma das mais reconhecidas escolas de negócios dos EUA voltadas à educação e treinamento com foco em empreendedorismo. Trata-se de uma aceleradora para médias empresas de tecnologia (que preferencialmente devem deter propriedade intelectual – patentes), na qual um grupo experiente de profissionais (sócios e mentores) com backgrounds em negócios intensivos em tecnologia (equipamentos médicos, processamento de imagens, energia, robótica, química, software etc.): (i) faz a mentoria de empresas que querem desenvolver seus negócios nos EUA e (ii) utiliza sua rede de relacionamentos para abrir contatos comerciais e gerar negócios. “É uma aceleradora com um viés um pouco diferente. Somos uma outsourcing de marketing & sales”, contou Enio.
É através da rede de relacionamentos corporativos dos seus sócios e mentores que é feito o customer development para as empresas baseadas no centro. Se o produto/tecnologia da empresa baseada no IEC tiver ‘tração’ com corporações (potenciais clientes), podem ocorrer negócios que viabilizem o desenvolvimento final do produto e/ou a expansão/crescimento da empresa ‘acelerada’. É o client financing na prática!
Um diferencial do IEC para o que normalmente conhecemos de aceleradoras é o seu foco em negócios B2B: “99% das empresas que trabalhamos são B2B” – veja comentários sobre as diferenças dos mercados de empresas de tecnologia e startups das costas oeste e leste nos EUA no vídeo da entrevista. Nesse caso, a ideia de ‘tração’ do produto/negócio não tem a ver as métricas de conversão no site…. mas sim com a realização de negócios concretos com grandes clientes. Demonstrar product-market fit não depende da aquisição de milhões de clientes/usuários individuais, mas, talvez, de uma única venda/cliente.
Esse modelo acaba conectando duas pontas: (i) empresas pequenas/médias que desenvolvem novas tecnologias e (ii) corporações que tem capital e interesse em novas soluções/tecnologias. É um casamento do client financing com open innovation. No meio, como conectora, uma equipe que reúne expertise em negócios e tecnologia e muitos, muitos contatos.
As empresas participantes do programa pagam os custos operacionais (espaço, viagens etc.) e o IEC ganha dinheiro com o sucesso dos negócios que gera/oportuniza (success fee). Atualmente, trabalha com 30 empresas, sendo 20 empresas dentro do seu ‘processo padrão’. Dessas, 4 ou 5 são do Brasil – algumas estão listadas na síntese de perguntas e respostas.
É um modelo que pressupõe a existência tanto de (i) um conjunto de corporações interessadas em incorporar novas tecnologias em seus produtos e processo – é necessário um ‘mercado corporativo’ para novas tecnologias, como de (ii) empresas de pequeno/médio porte que desenvolvam novas soluções tecnológicas. É atrativo em áreas/aplicações/setores intensivos em P&D (tecnologias para energia, transporte, saúde, defesa etc.) e que tem produtos complexos. Por outro lado, depende de um time com experiência e negócios intensivos em tecnologia.
É um modelo que vale acompanhar de perto. Talvez seja a hora de termos coisas desse tipo por aqui. Tem sentido? O que você acha?
Transcrição das perguntas e respostas.
Qual é a história do IEC? Quando e como surgiu? Qual foi a motivação/lógica da criação do IEC?
O IEC foi fundado no inicio de 2011 por seis empresários bem sucedidos que juntos tem, vários anos de experiência em trazer inovação tecnológica para uma série de mercados diferentes. As raízes foram fundamentadas na educação de empreendedorismo. A maioria dos seus fundadores vieram da Babson College que é considerada por vários rankings como a melhor escolar de empreendedorismo dos US.
O IEC surgiu através de uma demanda do mercado. Depois de vários anos em contato com empreendedores do mundo todo, os sócios acabaram se envolvendo com várias empresas para ajuda-las de diversas formas e o International Entrepreneurship Center foi o caminho natural.
O modelo de negocio do IEC vem da experiência dos fundadores e mentores como criadores de várias empresas de tecnologia e também da experiência acadêmica. Durante os anos envolvidos com ensino os sócios tiveram acessos a milhares de modelos de negócios vindo de estudantes de varias partes do mundo e com isso eles começaram a entender o dilema não só de empreendedor mas também de empresas já estabelecidas na difícil tarefa de trazer empreendedorismo e inovação para dentro da corporação.
Qual é o modelo do IEC? Trata-se de uma aceleradora? Uma incubadora? Um co-working? É possível enquadrá-lo em algum ‘modelo’ ou é uma ‘coisa nova’? No que o modelo do IEC difere de outros?
O IEC é uma rede de conexão de negócios que está centrado em crescimento. O IEC funciona como um outsource de marketing e vendas. A função do time do IEC é trabalhar com parceiros estratégicos que funcionem com canal de distribuição para produtos e serviços das nossas empresas.
Como funciona o processo do IEC para as empresas? As empresas passam por um processo de seleção? Existem ‘turmas’ como em muitas aceleradoras ou as empresas podem ‘aplicar’ em fluxo contínuo? Quais são os requisitos para uma empresa participar do IEC?
O IEC esta interessado em empresas de medio porte (receita anual de $2 – $200M) que tem interesse em se estabelecer no mercado americano (ou em outros paises onde trabalhamos). O processo normalmente dura um ano e pode ser cancelado a qualquer momento.
O Processo tem três fases: Pré-qualificação, pré-estudo, e tática.
A fase de pré-qualificação consiste em uma hora de call com o time do IEC. Nessa fase será analisado o modelo de negocio da empresa e o potencial de haver uma boa parceria entre os serviços que oferecemos e as necessidades do cliente. A segunda fase, pré-estudo tem o proposito de determinar a probabilidade de sucesso no mercado, onde várias entrevistas são feitas com possíveis parceiros estratégicos. A fase tática consiste em fechar parcerias ou vendas com clientes.
Há algum foco setorial, em alguma tecnologia ou tipo de aplicação? Com quais áreas/aplicações/setores as empresas baseadas no IEC trabalham?
A equipe da IEC tem experiência nas indústrias de energia, medicina e produtos para a saúde, alta tecnologia, SaaS, mobile, serviços financeiros, design eletrônico e mídia.
Durante o último ano, a nosso portfolio de empresas mais que dobrou, e esperamos um crescimento forte vindo dos EUA, Brasil e Israel. No momento, estamos aceitando aproximadamente três novos clientes por mês. A maioria das nossas empresas têm IP protegido (Propriedade Intelectual), na forma de patentes internacionais.
Qual é a proposta de valor do IEC para as empresas? O que as empresas ganham com o programa? Quais são os serviços instalações e atividades?
O IEC oferece os serviços padrões de aceleradoras (espaço físico, ajuda administrativa, contábil, legal etc.). Porém, o principal serviço que a IEC oferece é propiciar às empresas oportunidade para entrarem no mercado americano com um risco muito baixo.
E as propostas de valor para outros stakeholders? Quais?
Um exemplo de stakeholders são grandes corporações.
As porcentagem de sucesso de desenvolvimento de novos produtos na maioria das empresas são excepcionalmente baixas, semelhantes aos de ventura capital.
Nosso objetivo no IEC e’ trazer para grandes empresas (que não são particularmente qualificadas em tecnologia) inovação para aumentar as suas receitas e lucros. Isso e’ feito através de produtos inovadores das empresas que fazem parte da IEC.
Outro exemplo de stakeholders são órgãos governamentais que trabalham com importação e exportação, onde a função da IEC é receber e enviar empresas. No Brasil, nos temos um time local para receber as nossas empresas.
As empresas ganham apoio financeiro? Pagam pela sua participação?
O IEC trabalha com órgãos governamentais que ajudam essas empresas no processo inicial. Além disso, temos relação com alguns fundos de investimentos que tem interesse nas nossas empresas. A vantagem para esses grupos de investimento é que as nossas empresas tem um modelo de negocio bem sucedido, com clientes e receita, vindo dos países de origem.
O IEC não alavanca as empresas hospedadas com venture capital e trabalha muito com client finance. Por que? É uma opção ‘conceitual’, uma crença, ou uma realidade dos mercados e tipos de negócios das empresas abrigadas? Falando nisso…. Quais são os prós e contras do venture capital para as empresas? Por que uma empresa deve ou não pegar recursos de venture? Funciona mais ou menos para algum tipo de empresa/tecnologia/negócios?
Muitos economistas da indústria e especialistas têm observado que venture capital (VC) junto com o conceito de incubadoras de tecnologia não é um modelo de negocio bem sucedido. Eles têm encontrado dificuldades para manter retornos saudáveis a longo prazo.
Os números do modelo de VC mostram que apena um em cada trinta investimentos irão atender as suas métricas financeiras e, assim, serem empresas bem-sucedidas em seus portfolios. O empreendedor tem a oportunidade em média de iniciar duas ou três empresas durante sua carreira e portanto o modelo de VC é de enorme risco para o empreendedor.
O IEC acredita que o capital pode desempenhar um papel forte em diferentes fases ou etapas do ciclo de vida de uma empresa. Tentamos fazer parcerias com empresários para ajudá-los a encontrar a fonte e o tipo de financiamento certos na hora adequada, para o momento do seu desenvolvimento. Nosso processo tem como objetivo melhorar o retorno para o empresário e para o VC.
Esse modelo de client finance funciona em mercados menos desenvolvidos/sofisticados como o brasileiro?
Sim. Esse modelo funciona também no Brasil mas o que temos observado é que o processo de venda no Brasil é diferente. Enquanto nos US as vendas são muito mais “value based” no Brasil ela é muito mais “relationship based” e portanto ainda é importante no Brasil saber com quem você está fazendo negocio. Em virtude dessas diferenças que nós temos times locais em cada país.
Como o IEC ganha dinheiro? Com fees das empresas abrigadas? Com exits de deals? Essa é uma das grandes vantagens para os empreendedores. A IEC cobra das empresas um pequeno fee mensal que é basicamente para cobrir os custos de marketing e vendas. A forma que a IEC ganha dinheiro é através de “sucess fee” em revenue e “exit deals”. Portanto, a motivação da IEC é a mesma que a do empreendedor.
Quantas empresas brasileiras já passaram pelo IEC?
Algumas das empresas brasileiras que já passaram pelo IEC estão abaixo (outras podem ser encontradas do site do IEC).
eCurv: Possui tecnologia patenteada que pode reduzir o custo operacional de ar condicionado em instalações comerciais em até 30%.
Logon: Oferece o sistema de software DX para a gestão de conteúdo de vídeo on line através de tecnologia IPTV.
Subsin: Aplica o conhecimento técnico elevado de engenharia e robótica, tenacidade e inteligência prática para resolver desafios relacionados à exploração de petróleo e gás e sua produção onshore e offshore.
Sedi: Oferece on-stop shopping para as empresas que tentam obter as licenças federais, estaduais e municipais que precisam para se tornar operacionais.
Getrack: Desenvolve soluções personalizadas para acompanhar o movimento de veículos e produtos de diferentes indústrias, tais como caminhões de cimento, táxis, veículos militares.
Ebanx: Fornece um método de pagamento na internet, criado para simplificar ao máximo as compras na rede e que prioriza as transferências bancárias em tempo real.
Como uma empresa brasileira pode ‘aplicar’?
Para aplicar, as empresas podem entrar em contato pelo website www.iecpartners.com ou pelo email enio.pinto@iecpartners.com.
Foto: Marcela Beltrão