O crescente número de startups tem colaborado também para o surgimento de várias iniciativas que visam fomentar e incentivar os empreendedores e seus negócios em diferentes fases de crescimento. Entre as mais conhecidas, atualmente, estão as venture builders e corporates ventures. Mas você sabe quais as principais diferenças entre elas e qual o melhor modelo para o atual estágio do seu negócio?
Em poucas linhas, as ventures builders são como uma fábrica de startups, pois são conhecidas por construir startups usando recursos e ideias próprias. Enquanto as corporates ventures são empresas que têm como foco investir em startups ou ideias ligadas à atuação da companhia.
Para falar melhor sobre suas performances e conceitos, o Startupi conversou com executivos de organizações que seguem esses modelos. Confira!
Venture Builder
Segundo um estudo realizado em 2019, existem no mundo mais de 200 ventures builders. Pelo mapeamento, 13 delas são da América Latina. Ele também apontou os anos em que essas organizações foram fundadas, sendo a primeira mapeada em 2004. O ano de maior pico foi 2015, com 39 venture builders criadas naquele ano, mostrando assim, como é recente esse modelo no ecossistema.
A FCJ Venture Builder, com sede em Minas Gerais, está no mercado desde 2013 e possui modelo de licenciamento para venture builder. O empreendedor Anderson Arcenio tornou-se sócio da organização em 2019 levando-a para Bauru, interior de São Paulo. Anteriormente, Arcenio já tinha tido contato com venture builder, através da Digital Labs, organização fundada por ele que também operava com esse modelo de negócio, entre 2016 e 2018.
O empreendedor conta que, durante esse ciclo, 3 startups nasceram dentro da empresa, realizando, posteriormente, seus spin-offs. Entre elas, Arcenio destaca a Protarefa, ferramenta de gestão e produtividade que ajuda as empresas a serem mais organizadas e a reduzirem seus custos através da automação de atividades e tarefas.
Para o empreendedor, a maior diferença entre venture builder e corporate venture está no tipo de relacionamento com cada startup. “Em um geral, mais do que um investidor, com uma venture builder a startup adquire um sócio operacional para atuar com ela em seu dia a dia”, destaca.
Anderson Arcênio, sócio da FCJ Bauru
Existem também diversos tipos e modelos de venture builder, que operam conforme os recursos disponíveis e o objetivo final. Entre eles, pode-se destacar:
– Fábrica de produto: aqui o foco é em um bom time de produto, onde a venture builder atua em conjunto com o empreendedor em busca de uma solução para uma dor do mercado até alcançar o Product Market Fit, estágio no qual o produto satisfaz a forte demanda na qual a solução pretende atender. Nele, a organização fica com uma pequena participação do negócio, que continuará sua jornada sozinho;
– Venture capitalista: nesse modelo, as ventures builder focam em validar os estágios iniciais de uma startup, lançar um produto e posteriormente, impulsioná-las para investimentos externos;
– Eficiência operacional: seguindo, geralmente, como acionistas majoritários, esse tipo de venture builder busca criar múltiplas startups que compartilhem recursos como financeiro, marketing, administrativo, contabilidade, desenvolvimento, assim os fundadores mantêm o foco em validar modelo de negócio e produto.
– Fábrica de exits: nesse modelo a startup é criada já pensada para sua venda após um ciclo de 4-5 anos.
Para Arcenio, a principal característica de uma venture builder é o compartilhamento de recursos entre as startups do portfólio. “Não só dos serviços ou recursos financeiros, mas também das oportunidades e conhecimento gerado em cada uma delas”, complementa.
O empreendedor também falou sobre as vantagens desse modelo. “Sob a perspectiva do investidor, é a diversificação do investimento e a diluição do risco através do acompanhamento próximo de cada startup e dos recursos compartilhados com o portfólio.
Já sob a perspectiva da startup, o pacote de serviços que permite acelerar a maturidade do negócio e os resultados financeiros para buscarem os próximos níveis”, destaca.
Segundo ele, apesar do impacto causada pelo novo coronavírus nos negócios, o momento pode ser de oportunidade para algumas empresas crescerem. “Para uma venture builder, que seleciona startups para investir, a grande mudança é na própria análise dos negócios, além dos requisitos já considerados em sua tese, existe agora o complemento de como aquela startup conseguirá se posicionar e crescer dentro do contexto atual”, finaliza.
Corporate Venture
Com uma rápida evolução no Brasil e o no mundo, o mercado de corporate venture tem ganhado ainda mais espaço no empreendedorismo. Segundo um relatório divulgado pela CB Insights, esse modelo de negócio atingiu a marca de US$ 57,1 bilhões investidos em 2019, o que corresponde a um crescimento de mais de 200% nos últimos 5 anos.
Cassio Spina é fundador da Altivia Ventures, empresa de consultoria em fusões e aquisições (M&A), investimentos, inovação e corporate venture, e para ele esse movimento é o resultado da busca de grandes empresas por inovação, mas adverte. “Ainda é necessário que criem consciência que resultados significativos dependem de uma visão de longo prazo, incluindo investimentos consistentes”.
Ele explica que existem diversas formas de uma empresa desenvolver ações de corporate venture, “desde programas de coinovação, transformação de cultura até investimentos em startups, o chamado corporate venture capital”. Entretanto, Spina reforça a importância de um planejamento estratégico com visão a longo prazo para que não haja frustração com resultados posteriormente.
“Para se ter sucesso em programas de corporate venture são necessários inúmeros requisitos, desde engajamento da alta direção, até dos colaboradores de todos os níveis hierárquicos de diversas áreas da empresa, para isto trabalhar a cultura para inovação é fundamental. Além disto, alocação de recursos deve ser vista como um investimento de longo prazo, ficando fora das metas de resultados trimestrais”, diz.
Cassio Spina, Fundador da Altivia Venture
Segundo Spina, o corporate venture se difere do venture builder pela amplitude de atuação, já que uma iniciativa de corporate venture tende a pensar de forma global. “Um erro comum de várias iniciativas é justamente confundir uma ação específica como aceleração ou venture building, com sendo ‘o programa’ de corporate venture. Deve-se primeiro pensar um plano estruturado que englobe todas ações necessárias para atingir-se os objetivos estratégicos da empresa. Por exemplo, não adianta acelerar startups sem ter perspectiva de como a corporação irá trabalhar e investir na mesma, sem isto o resultado do trabalho será perdido”, afirma.
Ele também concorda sobre a atual crise ser um momento de oportunidade. “Apesar desta crise ser inédita para todas gerações vivas, pela nossa experiência em ter passado por inúmeras outras crises, sabemos que ela irá selecionar quem tem resiliência para superar os desafios que a mesma impõe. Continuamos com os projetos e esperamos que as empresas vejam cada vez mais a importância de inovarem e continuem investindo para isto”.
Dentre os trabalhos realizados pela Altives Ventures, o fundador destaca a parceria com o Bradesco na criação do InovaBra, que, para ele, é um dos grandes cases do Brasil em corporate venture. Além disso, a empresa já assessorou a Cyrela e o sistema FIEP/SENAI-PR desenvolvendo o programa de coinovação em Inteligência Artificial com empresas como Ambev, Bunge, Duratex, Klabin e Nestlé, além de ter colaborado com outras empresas em seus programas de corporate venture como a Positivo Tecnologia e Atento.
De aceleradora a corporate venture
Ainda segundo o estudo Corporate Venturing LATAM 2020, desenvolvido pelo IESE Business School em parceria com a Wayra, hub de inovação aberta da Vivo no Brasil e da Telefônica no mundo, os investimentos de venture capital no Brasil e na América Latina quadruplicaram entre os anos de 2016 e 2018, alcançando a marca de US$ 2 bilhões.
Entre as startups latinas, o Brasil um dos líderes da captação de investimentos, atraindo 73% do investimento em dólares. Entre 2011 e 2018, 56% do volume total de investimentos de venture capital na região foi angariado pelo País e, em 2019, 115 startups brasileiras arremataram juntas um total de R$ 7,4 bilhões advindos de fundos de capital de risco, entre aportes de venture capital e private equity.
“Com o mercado amadurecendo e empreendedores cada vez mais preparados, existe um vasto mercado local para comportar startups de tamanho e crescimento exponencial, isso atrai capital e faz a roda girar ainda mais rápido. Iniciativas como a Wayra têm colaborado também para conectar essas empresas com grandes corporações e facilitar ainda mais o escalamento”, destaca Carolina Morandini, Head de Portfólio e Startup Scout da Wayra Brasil.
Sendo uma das primeiras aceleradoras corporativas do Brasil, fundada em 2012, a Wayra, em 2018, mudou sua estratégia no mercado, passando a atuar somente como corporate venture. Segundo Carolina, a mudança aconteceu naturalmente acompanhada pela maturidade do ecossistema brasileiro que começou a ganhar forma e força, assim como o surgimento de mais aceleradoras no mercado e um número, cada vez maior, de startups.
“Com o ganho de maturidade do ecossistema, entendemos que nós também precisávamos pivotar e usar o que tínhamos de forte em casa: a corporação. Foi nesse momento que começamos a ficar mais e mais próximos das áreas da empresa e a trabalhar muito em conjunto, até a virada em 2018 com o reposicionamento da marca Wayra como uma iniciativa da Vivo no Brasil e da Telefônica no mundo”, relembra ela.
Para ela, a mudança fez muito sentido, já que a empresa sempre atuou, de certa forma, como corporate venture, investindo dinheiro da própria corporação, além de sempre ter como objetivo conectar startups com disruptores da inovação em grandes empresas. “O foco é o desenvolvimento do negócio para alavancar as empresas, fechar grandes contratos, ganhar clientes, novos investidores e ter retorno sobre o investimento lá na frente”, explica.
Carolina também conta sobre o aprendizado adquirido durante essa mudança. “O que aprendemos ao longo do processo foi como selecionar empresas, como focar no que buscamos, como trabalhar com grandes empresas e conectá-las ao mercado e como atrair ótimos empreendedores e empreendedoras. Entendemos também que a única constante da vida é a mudança. Por isso, mudamos de aceleradora para um hub de inovação aberta, e faremos novas mudanças se o momento econômico, o desenvolvimento do ecossistema, o acesso ao capital ou qualquer outra variável nos mostrar que devemos. O importante é continuar inovando e se reinventando”.
Carolina Morandini, head de Portfólio e Startup Scout da Wayra Brasil
Entre os cases da empresa, ela destaca a Teravoz, startup que foi recentemente adquirida pela Twilio, tornando-se uma das maiores saídas de uma startup do portfólio da Wayra. “ Além do excelente resultado financeiro (retornou mais de 30 vezes o investimento inicial), a saída da Teravoz também demonstra o sucesso da estratégia de inovação aberta realizada por uma grande corporação. A startup faz negócios com a Vivo. Outros cases muito importantes são: Netshow.me, bem.care, Docket (recém-investida), Iotag (em agro), Cinnecta, entre outras”, complementa.
Acerca da escolha de um empreendedor sobre a iniciativa melhor para seu negócio, ela explica que depende muito do estágio no qual a startup se encontra. Normalmente o ciclo de investimento começa com família e amigos ou FFF (Family, Friends and Fools), seguido por investidores-anjo e aceleradora. Negócios que já estejam rodando bem, com clientes e receita, passam para outro estágio, onde buscam por investimento maior, através de um venture capital ou corporate venture capital, por exemplo, que possam agregar valor no segmento, com conselheiros e levando à empresa abertura de mercado.
“Minha dica é que entendam seu momento, os custos que possuem, o quanto precisarão para chegar até o próximo estágio da empresa, e que pesquisem muito bem o veículo certo de investimento, as áreas que investem, as empresas que já investiu e que, com isso, conversem com outros empreendedores que já trabalharam com o mesmo investidor. Investimento é um comprometimento a longo prazo, por isso é preciso ter sinergias e estar muito bem alinhado com quem será também seu sócio”, aconselha
Para chamar a atenção da Wayra, Carolina revela os aspectos analisados, que vão desde a equipe (pessoas) até o potencial de escalabilidade do negócio. “Queremos investir em startups com grande potencial de ganhar o mercado nacional e, quem sabe internacional, que tenham uma tecnologia interessante e que possam fazer negócios com a Vivo, seja para resolver uma dor interna para melhorar a eficiência da empresa ou para ser parceiro de negócios contribuindo para a geração de receitas. Nesse momento de pandemia, estamos olhando também para como estão trabalhando um plano de contingência, segurando o caixa e planejando usar o dinheiro do investimento”.
A Wayra, que continua com seus investimentos durante a pandemia, criou um estudo global com as startups de seu portfólio para entender como essas empresas estão superando a atual crise e quais suas expectativas. Segundo ele:
– 57% das startups estão otimistas quanto ao futuro;
– 72% das startups planejam manter ou aumentar sua equipe nos próximos três meses;
– Menos de 20% planejam demitir e apenas 9% vão reduzir as horas de trabalho;
– Os setores mais favorecidos são das edtechs, fintechs, healthtechs e telecomunicações. E os setores mais afetados são os de viagens, varejo e serviços domésticos;
– 1 em 4 startups considera que que a crise teve impacto positivo em seus negócios;
– 54% das startups estão buscando capital;
– 85% das startups tiveram sucesso ao implementar o trabalho remoto;
O estudo completo pode ser acessado no link.
O Startupi também já explicou as diferenças entre venture debt e venture capital. Outras matérias e entrevistas com informações úteis para o ecossistema de startups neste momento de crise podem ser acessadas aqui.