Foi ainda neste mês que noticiamos o lançamento do iRestaurante, uma plataforma para ajudar restaurantes a organizarem seus sistemas de reservas. Mas a reportagem deixou de fora uma das histórias mais legais envolvidas na criação da startup: a trajetória de Amilcar Collares, diretor-executivo e investidor do projeto. Amilcar começou sua carreira quando tecnologia ainda era “informática”, no início da década de 1990, e, de lá pra cá, passou por grandes empresas e criou e vendeu uma startup.
Confira a entrevista:
Como foi a criação e venda da sua primeira empresa?
Eu tenho empresa de informática desde 1990. Essa empresa faria um software para a área financeira e nós éramos líderes de mercado na época. Fiquei com essa empresa até 2008, quando vendi para a Datasul. Na época, eles já tinham comprado outra empresa do setor financeiro e éramos o maior fornecedor de software financeiro para a América Latina. Eu estava pensando em IPO.
Assim que eu fechei um acordo com a Datasul em março de 2008, a empresal foi comprada pela TOTVS. Mas a TOTVS não comprou o software de setor financeiro, e sim a Datasul, e foi quando os planos que a gente tinha foram congelados. Eu ainda fiquei mais três anos na TOTVS, para tentar, mas vi que a coisa não ia decolar como eu achava que deveria.
Eu tinha um [acordo de] “não compete” por três anos, que acabou em abril deste ano, e foi por isso que me dediquei ao setor de restaurantes. Inicialmente, comprei os direitos de transmitir pela internet a ChefTV, 24 horas por dia, e, dentro desse mercado, comecei a entender quais eram as falhas do setor. Foi quando começamos a desenvolver o iRestaurante e fizemos isso durante um ano e pouco, além de três meses em testes.
Como foi sua entrada no ramo da “informática”?
Hoje, um computador para muita gente é um eletrodoméstico, mas isso não tinha essa conotação nos anos 1980, quando entrei para a área. O computador era um objeto de trabalho e ninguém tinha um por hobby. Hoje, muita gente que tem computador nunca programou e, na época, isso não era verdade.
Hoje, as máquinas têm um poder de processamento enorme e eu vivi parte dessa transformação. Estava começando a informática e as empresas começaram a poder usar o computador, que antes era muito caro. A partir dai, as pessoas começaram a ter a máquina, mas tinha pouco software. Eram necessárias pessoas para desenvolver esses sistemas.
Foi quando comecei a trabalhar para um banco e depois segui para a companhia do setor do petróleo. A empresa procurava mineração e investia muito dinheiro, então eu aprendi muito. Não existia essa rede de computadores atual, então montamos uma rede de micro computadores lá dentro.
Em nenhum momento achei que fosse um mercado incerto o mercado da tecnologia. Eu tinha a visão de que não tinha como voltar atrás do que estava acontecendo. O caminho era ter o processamento distribuído, só que acontecera muitos erros.
Por que decidiu abrir a empresa?
Eu queria ter minha própria empresa e tinha a visão de desenvolver um software específico. Passei por grandes empresas e vi que existia uma carência de desenvolvimento de sistemas com processamento pesado. Para mim, era importante ter a empresa própria, porque poderia seguir o que achava que deveria ser feito.
Sou uma pessoa mais de tecnologia do que de negócio, mas numa startup você é um zelador. Tive que fazer a parte comercial. Atualmente, não estou tão focado na programação, mas me mantenho atualizado e continuo fazendo parte do desenvolvimento dos produtos.
Você pode comprar empreender nos anos 1990 e empreender hoje em dia?
Tudo hoje em dia tem mais informação. Naquela época, tinha que importar um livro e não tinha o Google para perguntar. Você tinha que pegar os manuais que conseguia ter. Eu me lembro que tinha muito xerox de tudo que podia, porque não tinha Amazon para entregar um livro na sua casa. A concorrência era menor, mas o acesso à informação era muito mais complicado.
Hoje, existe uma chuva de startups. Qualquer um consegue desenvolver um sistema e o problema fica na qualidade e na experiência de quem faz. É como construir um prédio: todo mundo pode construir, mas muitas vezes os cálculos e a estrutura são deploráveis. Existe uma chuva de empresas abrindo e de sistemas que podem até parecer similares aos olhos do usuário, mas, estruturalmente, não são. Tem também muita gente que acha que existe um glamour em cima de você ter uma empresa. A pessoa abre a empresa achando que vai ficar milionária.
Na minha época, não existia estímulo nenhum ao empreendedorismo. Teve a febre da internet e todo mundo achava que fazia um site e ia ficar milionário. Havia coisas engraçadas. Na época, eu olhava aquilo e ria. Eu até cheguei a montar um software para bancos, mas não vendi naquele momento, porque os bancos não estavam estruturados para ter acesso à internet.
Quando eu montei a empresa nos anos 90, não tinha ninguém que investia. Vejo muito pouco esforço do governo em dar capital para essas empresas.
Como foi a venda para a Datasul?
Eu procurei a Data Sul, porque tinha dois grandes projetos pra fazer. A minha empresa era super lucrativa, sempre foi, desde o início. Chegou uma época que pensei em crescer muito mais e não quis ir pegar capital de risco para isso. Preferi me juntar a uma companhia que já estava na bolsa, já tinha capital para investir. Infelizmente, a vida tem uns percalços.”
Qual o seu conselho para o empreendedor que recebe uma proposta para vender sua empresa?
Depende muito do que essa venda pode agregar. Eu aconselharia o empreendedor a não vender por vender, mas vender porque você tem um ‘Smartmoney’. Vender para alguém que pode te levar para um novo patamar.
Você pensa em voltar pro mercado financeiro?
Por enquanto, não. Eu estou com o iRestaurante e estamos numa fase de startup mesmo. Então, eu acho que ele tem que pegar um rumo e ai eu posso voltar para o mercado financeiro, que é bem atraente.
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