Sanderson Pajeú, cresceu na comunidade: Itaim Paulista, localizada na Zona Leste de São Paulo, portanto, muito mais do que ver e/ou ouvir falar, ele sentiu na pele o que é morar em uma região em que muitos serviços não chegam, o que dificulta a vida dos moradores que gostariam de receber suas encomendas no conforto de sua casa mas por causa da restrição de CEP, são obrigadas a se locomover até os Correios ou outros pontos de entrega.
Unindo a sua experiência, vontade de mudar a sociedade e democratizar o acesso a entregas em periferias, ele se juntou com mais três pessoas que tinham o mesmo propósito: Katrine Scomparin; Rodrigo Yanez e Leonardo Medeiros e então, em 2022, nasceu a startup naPorta, que tem como principal objetivo levar as encomendas na porta das casas da periferia.
O Startupi conversou de forma exclusiva com Katrine, cofundadora e CMO do naPorta, nascida na Zona Norte de São Paulo, formada em publicidade e propaganda — escolha de curso com base na sua vontade de criar e inovar, segundo palavras da própria, que conta sobre como decidiu trocar o seu emprego CLT para empreender.
“Eu nunca morei numa periferia, vim de uma área lá da Cachoeirinha, em São Paulo, que era uma região suburbana, menos desenvolvida, na qual a minha situação inicial de vida não era muito fácil. Minha família não nasceu em berço de ouro, ao contrário, tivemos que ralar muito para obter conquistas. Me conectei muito com a causa e por isso decidi largar meu emprego e trabalhar com algo que promovesse impacto real”, comenta Katrine.
O naPorta ainda não possui um aplicativo específico para o consumidor final acessar. A startup se conecta com grandes empresas, como Riachuelo e Americanas, que não conseguem fazer entregas nas comunidades e faz essa frente de operação sem cobrar taxa extra do cliente por isso, ou seja, eles são uma extensão dos varejistas.
A plataforma funciona como um White Label. A Riachuelo, uma das parceiras da startup, entrega para a plataforma todos os pedidos localizados em uma base de CEPs onde a empresa não atua, mas o naPorta sim.
A startup possui parcerias com grandes empresas e, segundo Katrine, “cada parceria tem um formato diferente. Por exemplo, o iFood começou a trabalhar conosco através de um projeto chamado iFood Na Quebrada. Tínhamos problemas com acessibilidade de entregas de alimentos nas comunidades, então nós começamos a trabalhar juntos. Mas varia de acordo com cada empresa”, comenta.
Em dezembro de 2021, antes de iniciar sua operação, a startup foi acelerada por duas aceleradoras: WOW – que além de aceleradora também é fundadora de uma comunidade de startups, cujo, o naPorta faz parte, e LGA Ventures. O aporte foi de R$ 300 mil, mas a empresa já está estruturando a sua segunda rodada de investimentos.
Área de risco ou Preconceito?
“A qualificação de área de risco não é neutra. Quando acessamos, por exemplo, o site da prefeitura, você entende que ela tem alguns pilares, como: recorrência de violência; riscos de desabamento; doenças e questões de educação, mas, muitas vezes as entregas não ocorrem porque o CEP aponta para a comunidade, mesmo que ela não seja uma área de risco”, comenta Katrine
Segundo uma pesquisa realizada pela “Economia das Favelas – Renda e Consumo nas Favelas Brasileiras”, desenvolvida pelos institutos Data Favela e Locomotiva e encomendada pela Comunidade Door, o Brasil tem 13,6 milhões de pessoas morando em favelas e seus moradores movimentam R$ 119,8 bilhões por ano. As favelas movimentam um volume de renda maior que 20 das 27 unidades da federação.
De acordo com Katrine, a própria comunidade abraça as empresas quando as atuações dentro dela são realizadas de forma conjunta, porque isso traz empoderamento e empregabilidade para dentro das periferias. Ela ainda ressalta que a startup, em sete meses de operação, nunca teve nenhum sinistro (roubo) dentro das regiões, o que faz com que, segundo a própria, os dados das estatísticas caiam por terra.
naPorta promovendo impacto social e ambiental
Segundo a Katrine, a startup foi fundada com um olhar de impacto, a princípio econômico com o objetivo de gerar economia local, expandir o comércio na região, gerando um impacto social através da empregabilidade de pessoas que moram na comunidade. Por isso, não de início, mas a princípio a empresa também começou a focar no impacto ambiental, por este motivo todas as entregas são realizadas de bike ou veículos elétricos, para diminuir os efeitos de gás carbônico e estufa.
A startup além de democratizar as entregas nas favelas, tem como objetivo gerar empregabilidade na região. Para ser um entregador do naPorta, é preciso estar com a documentação em dia e ter uma conta MEI, processo este no qual a startup ajuda na abertura da conta, por meio de uma parceria que possuem com uma startup local. “Não é porque está na favela que as coisas devem ser feitas de qualquer jeito. Não é porque está na favela que não precisa-se de organização e cultura de empresa”, ressalta a empreendedora.
Os trabalhadores não precisam ter um modelo de veículo específico, podem fazer as entregas de carro, moto, bicicleta ou a pé. Além de benefícios, a startup também possui um programa de incentivo aos colaboradores, que os recompensa por baterem determinadas metas. A recompensa varia entre uma premiação em dinheiro ou reconhecimento. “Neste ano, quem obtiver o melhor resultado vai para Maceió, com tudo pago e com direito de levar um acompanhante”, diz Katrine.
Dificuldades e conquistas
Katrine revela que a maior dificuldade que a startup tem enfrentado é conseguir escalar, porque para conseguir crescer é preciso de um alto investimento. Além disso, ela também ressalta que o trabalho desenvolvido pela plataforma não é apenas um plugue, e sim uma curadoria, acompanhamento, desenvolvimento e cuidado,este último ponto relacionado a comunidade, com foco em entender o contexto local.
Diante dos desafios, também existem conquistas e uma delas para a cofundadora é ter participado de um evento realizado pelo Brazil Conference em Harvard, no qual o naPorta foi uma das selecionadas para ir a Boston se apresentar e competir com outras startups, ficando em primeiro lugar dentre as concorrentes.
Sonhos e Metas
“Com o naPorta queremos entregar mais conveniência e digitalização para as comunidades, então consegui conectar a periferia ao mundo digital. Quando olhamos para essas regiões, percebemos que é uma realidade muito diferente das demais, incluindo as questões de entrega. Por isso, o nosso objetivo é trazer cada vez mais acesso às favelas e promover impacto social e ambiental”, comenta Katrine.
“O naPorta começou com uma frente de logística, mas não queremos ser conhecidos apenas como uma empresa de entregas. Estamos desenvolvendo CEPs virtuais para todas as comunidades que hoje não tem. Esse endereçamento vira um documento, uma identidade, que os moradores poderão levar consigo, independente do lugar que residir”, completa a CMO.
Uma dica para as empresas e um conselho para os moradores das favelas
“Para as empresas, eu indico começarem a realizar entregas em comunidades e/ou regiões mais afastadas. 70% da população brasileira é Classe C, quando não entregamos os produtos para essas pessoas, estamos assumindo que a maior parte dos nossos consumidores estão sendo ignorados, e isso só mostra que as campanhas na TV não transmitem a realidade da sua marca. A experiência para todos os clientes deve ser completa desde a compra do produto até a entrega, na porta”, diz a empreendedora.
Para os moradores o conselho de Katrine é: “não desista, procure meios e canais para começar o seu negócio. Agora, as indústrias privadas estão cada vez mais falando sobre aceleração e colocando isso em prática. Uma das empresas que fez isso é o Google, que vai investir mais de R$ 8,5 milhões em startups fundadas e lideradas por negros. É claro que as empresas podem fazer mais. Porém, sempre procure meios de dar voz aos seus sonhos e objetivos”, finaliza.