Não é só o Facebook (ou a Linx) que podem ofertar publicamente suas ações e arrecadar dinheiro com isso. Você e sua startup também podem, tanto em bolsas de valores (como a Nasdaq ou a BM&F Bovespa, que está receptiva a empresas pequenas) quanto por meio do Equity Crowdfunding, expressão norte-americana que anda rendendo muitas menções nas matérias sobre startups (como este artigo no TC).
Todo mundo já sabe que crowdfunding é aquele financiamento coletivo, em que cada comprador paga um pouquinho e tem recompensas em troca. No caso do equity crowdfunding, ao invés de pagar uma parte do total que um produto precisa para ser produzido, o comprador adquire ações da companhia em questão. E isso pode ser direto no site ou blog da empresa (o nome crowdfunding não significa que acontece dentro de uma plataforma de “colabore com um projeto”; significa que o dinheiro veio de muitas fontes diferentes).
Para saber mais sobre o assunto, sentei para conversar com um advogado, um representante de site de crowdfunding e com a própria CVM (Comissão de Valores Mobiliários), que coordena toda e qualquer oferta pública de ações feita no Brasil.
A visão de um advogado
Flávio Picchi, advogado mestre pela USP e dono do StartDireito, me explicou que o crowdfunding para as empresas funciona como se os investidores comprassem ações de uma companhia pela bolsa (guardadas as devidas proporções, claro).
“Quem compra fica com uma parte pequena do capital, mas, mesmo que seja feito pela internet, trata-se de uma oferta pública, que terá que ser feita de acordo com as regras da gestão do mercado de capitais”, afirma. “Em tese, não há nenhuma diferença em relação às empresas que estão listadas na bolsa.”
Segundo ele, como o empresário (mesmo pequeno) está financiando a própria empresa, o Estado tem interesse em que isso seja feito da maneira mais transparente e clara possível. Por isso, todo o processo deve ser coordenado pela CVM. “É importante deixar claro que o equity crowdfunding caracteriza uma oferta pública de distribuição de valores mobiliários e, portanto, somente pode ser realizado de acordo com as regras da CVM sobre ofertas públicas de distribuição”, diz a comissão.
Flávio lembra que esse problema surgiu, inicialmente, nos Estados Unidos, onde as empresas estavam ofertando publicamente participação societária sem autorização. O governo norte-americano se mexeu sobre o assunto e criou o JOBS Act, que deve ser implementado até o final de 2013, segundo reportagem da revista Forbes. Por meio do JOBS Act, ficará mais fácil fazer esse tipo de processo por lá.
A explicação da CVM
Aqui no Brasil, a CVM se adiantou às mudanças do mercado e já autorizou um tipo de oferta para pequenas empresas com menores restrições. “Eles suspenderam algumas necessidades, como a autorização formal da CVM, que envolve muita gente e dinheiro”, explica o advogado. “A CVM tentou fazer um novo regime, que não precisa de intervenção e facilita essa captação.” Mas a facilidade está restrita a ofertas que captam até R$ 2,4 milhões por ano e empresas que se enquadram na lei como micro e pequenas empresas.
Gustavo Gonzalez, chefe do gabinete da presidência da CVM, completa que, o que existe hoje no Brasil, é um “regime simplificado” para ofertas de empresas de pequeno porte e microempresas. “O art. 5º, III, da Instrução CVM 400/2003 prevê que as ofertas públicas de distribuição de valores mobiliários de emissão de empresas de pequeno porte e de microempresas são automaticamente dispensadas de registro”, disse Gustavo, em um texto que respondia uma série de dúvidas que enviei a ele.
Embora a oferta esteja livre do registro, ela deve ser previamente comunicada à CVM, por meio de um documento que relaciona as principais características da companhia e da oferta. Segundo Gustavo, “o documento a ser encaminhado deve seguir o formato do Anexo IX da Instrução CVM 400”.
As ofertas feitas sem o registro também deverão fornecer a seus possíveis compradores “informações verdadeiras, completas, consistentes e que não induzam o investidor a erro”. O texto também deve ser “escrito em linguagem simples, clara, objetiva, serena e moderada, advertindo os leitores para os riscos do investimento”.
Gustavo ressalva que as empresas pequenas que quiserem fazer a oferta com registro na CVM também estão livres para fazer isso, mas o processo envolve custos grandes –“os custos tendem a ser excessivos para empresas de menor porte que pretendem captar volumes reduzidos junto ao mercado”.
Com as regras mais adaptadas à nova geração da arrecadação de capitais, Gustavo conta que a CVM já se reuniu com algumas empresas nos últimos meses para falar sobre o assunto. “Elas estão estruturando portais para facilitar ofertas de ações via crowdfunding, mas nenhuma delas formalizou a consulta até o momento”, diz.
“O órgão tem discutido internamente as ofertas de ações via crowdfunding e pode, eventualmente, rever as regras existentes para se adequar a essa nova realidade”.
Nos Estados Unidos, já tem crowdfunding focado nisso, como é o caso do FoundersClub. O conceito é novo, mas já está estabelecido em países como Austrália, Suécia e Reino Unido, revela o jornal Financial Post.
A posição de um site de crowdfunding
No Brasil, um dos maiores players do mercado de crowdfunding, o Catarse, ainda não vê muita movimentação das startups nesta direção. “No máximo, [nos procuram] empresas que utilizaram projetos como maneira de alavancar suas imagens ou posicionamento de marca, mas são poucas e são processos muito mais relacionados ao marketing do que a uma efetiva abertura de capitais”, conta Rodrigo Maia, sócio do Catarse.
O site também não está muito focado nesse tipo de iniciativa. “No entanto, estamos abertos às demandas, e se elas surgirem avaliaremos caso a caso até que realmente faça sentido investirmos esforços efetivos nesse viés”, conta o sócio. Nossa equipe pesquisou e não encontrou nenhuma plataforma brasileira de crowdfunding que intermedie equity.
Hoje, os sites de crowdfunding, em sua maioria, especialmente no Brasil, trabalham intermediando apenas a pré-venda de produtos (portanto, servem como canal de promoção comercial) e apenas há poucos meses surgiram dois sites, inspirados no norte-americano Quirky, que atuam em uma zona intermediária, entre a pré-venda e o equity: no Mineo e no Coletivo Verde, os interessados não investem dinheiro nos projetos, mas suas ideias, e não recebem produtos ou ações em troca, mas royalties (direitos autorais atrelados ao desempenho comercial do produto, de acordo com a importância da contribuição intelectual fornecida, cujo percentual é definido de forma impessoal).
Entretanto, como tudo, equity crowdfunding pode ter suas desvantagens, como alguns comentaram nesta matéria do Wall Street Journal (assunto para outra ocasião).