“Você já aprendeu em uma mesa de bar”. Assim termina o título do livro “Tudo que você precisa saber sobre o Twitter“, que o Juliano Spyer lançou há meses, fazendo muito sucesso, sem ser negativo ou diminuir a importância do produto de mídias sociais mais queridinho e gerador de prejuízo do momento – desenhado como produto por um brasileiro.
Isso só ilustra um dos pensamentos, de uma série deles que passaram pela minha cabeça – não diminui nada ou ninguém, apenas segue a linha de sugerir novos pontos de vista. Esta semana, consegui uns minutos da atenção do Marty Cagan, consultor de gestão de produtos no Vale do Silício, que veio novamente ao Brasil (Belo Horizonte/MG) para atender outro cliente.
Mr. @Cagan já tinha ajudado empresas como AOL, HP, Netscape, eBay e Locaweb a gerirem ou desenvolverem seus produtos. Nos últimos dias, ajudou outra brasileira, a SambaTech (que fornece platafoma para gestão da distribuição de vídeos na web para R7, SBT, Veja, Exame…). Eles querem lançar um novo produto e chamaram Cagan por isso.
Perguntei para ele o que exatamente ele fazia. “Eu compartilho com as empresas as melhores práticas e técnicas de negócios das empresas líderes”, ele disse. Questionei qual é a importância disso (ou o que tem de especial), já que cada empresa tem seu produto, sua estratégia, seu mercado e se elas já gostam tanto de falar sobre suas estratégias.
“Aí é que está: na verdade, nenhuma empresa de sucesso está compartilhando sua estratégia, pois é isso que as torna quem elas são”, admitiu o consultor. Uau, mas então, se elas não compartilham isso, o que Cagan teria para compartilhar? Seria um espião? “Algumas até ficam felizes em compartilhar um pouco de informações”, emendou, “e a dica mais importante é observar os clientes”.
Ouvir o seu cliente ou ouvir as outras empresas falarem sobre os seus? “Na verdade, não apenas ouvir o seu cliente, porque ele nem sempre expressa o que você precisa ouvir. Muitas vezes, as empresas precisam ir a campo, onde o cliente está, observá-lo usando seu produto e trabalhando, em geral”.
E o que se aprenderia fazendo isso, para que serve? “Assim a empresa pode facilmente se focar em desenvolver as características importantes no produto. As startups, em geral, tem menos processos, estruturas e burocracias para trabalhar. Isso as dá mais agilidade para fazer um movimento de pivot, mudar de direção. Mas isso também é mais difícil de fazer quando não se é muito experiente”.
Pedi um exemplo. “O Flickr, por exemplo, é um dos meus cases favoritos. Começou sendo um jogo, em que a parte favorita das pessoas era mexer com as fotografias. Então o Flickr deixou de ser um jogo e passou a ser especificamente um serviço de fotografias”.
Ok, mas isso significa que os produtos web do Vale do Silício fazem mais sucesso do que os brasileiros porque os norte-americanos observam seus clientes, e os brasileiros não? Mas, se em muitos casos a maioria de clientes dos norte-americanos são brasileiros, isso não implicaria que os norte-americanos viessem ao Brasil observar os brasileiros – ao invés de apenas chamarem para eventos, como o Facebook fez? E precisa um norte-americano vir dizer para os brasileiros como eles devem ouvir os clientes locais e aplicar isso nos produtos?
“O que eu diria sobre as startups brasileiras é que elas deveriam pensar mais globalmente”, conclui Cagan, o que não tem nada de novidade ou diferencial. E é claro que, bem como ele mesmo avisou no início da entrevista, as empresas não falam das suas estratégias. Então, posso entender que esse foi mais um stunt para gerar buzz sobre um possível novo produto brasileiro – de cuja possibilidade ouço falar desde outubro.
Conheço outros consultores que também trabalharam para a AOL. E trabalham para clientes em outros países e continentes – com Japão, Europa. E, quer saber? São consultores brasileiros cujo conjunto da obra me parece não perder em nada para livros com título apelativo e oportunista – como “Inspirado: como criar produtos que seus clientes vão amar”, do Marty Cagan. Ainda ontem, brasileiros muito experientes e bem posicionados no mercado comentaram para mim que não sabem mais se o eBay vai continuar sendo um bom produto (e eu nem tinha mencionado a conversa com Cagan).
Percebam que não estou subestimando norte-americanos ou parceiros desses – até porque o Startupi nasceu da visão conjunta entre um brasileiro e um norte-americano, que precisou investir do próprio bolso para proporcionar que os próprios brasileiros enxerguem suas oportunidades na web e as mostrem para os investidores norte-americanos – ao invés de vir vender seus serviços ou abrir filial para se posicionar perante nosso público (visando, é claro, também ao lucro – o que não chega a ser pecado).
Estou apenas evidenciando como o que em geral os norte-americanos sabem fazer bem é marketing! É um país que construiu sua identidade em torno disso e que sabe emprestar (ou vender) suas doses de autoestima (ou de supremacia do sonho americano) para países que eles chamam de “emergentes”, “em desenvolvimento”, “criativos”, “inovadores”.
Vale mencionar que um dos engenheiros do Facebook é brasileiro, e eu até publicaria que a empresa acabou de contratar um representante no Brasil, mas ainda não assumem publicamente nem me deixam compartilhar. Como vem sendo demonstrado, os líderes neste setor não são exatamente modelos de transparência. E talvez nem exista algo assim – apenas no mundo do hype, do buzz, do marketing, do “faça o que eu digo que faço, não o que eu faço e não digo”.
Externalizo essas observações não como crítica destrutiva – torço para a SambaTech, que acabou de completar 6 anos de vida, e pelo Marty Cagan, que certamente está em um time vencedor. Eu falaria diferente se tivesse subsídios de vocês. Compartilho dessa forma para não apenas “chover no molhado” e porque conectar pontos, conforme Thomas Friedman em “O Lexus e a oliveira: entendendo a globalização”, é o verdadeiro valor agregado por um jornalista. E quem quiser ler mais sobre Cagan e gestão de produtos, recomendo a entrevista do meu amigo e colega-de-Hubit, Diego Gomes, no RWWBR.