Não é todo dia que se conhece algo com um potencial tão revolucionário quanto a bitcoin. A criptomoeda, que há pouco completou cinco anos de existência, e atualmente está cotada em quase R$ 2 mil, ganhou atenção da mídia durante 2013 e ajudou a renovar toda a discussão a respeito de fundamentos econômicos há muito estabelecidos.
Com um ideal ultraliberalista, alguns arriscam dizer que a bitcoin pode representar para a economia algo como a internet foi para a cultura. Uma ruptura de tal porte pode mudar muitas regras do mercado e até mesmo nosso modo de pensar e agir. Nas últimas semanas estudamos bastante sobre o tema, conhecemos alguns dos maiores experts e agitadores deste universo e falamos com pessoas apostando na moeda aqui no Brasil. Queremos compartilhar tudo isso com vocês, e por isso, criamos um especial dividido em três matérias.
Nesta primeira matéria, daremos um pouco da visão geral da Bitcoin e explicaremos o seu potencial para o mundo das startups; depois nos aprofundaremos mais no tema e conversaremos sobre o momento que a criptomoeda vive no Brasil e como a empresa Mercado Bitcoin está ajudando a trazer esses conceitos para cá; por fim falaremos de outras moedas alternativas, também conhecidas como altcoins, que seguem a mesma ideologia, mas funcionam de uma maneira um pouco diferente.
Vamos lá.
O que é a Bitcoin
É uma moeda virtual, internacional, criptografada, semi-anônima, sem lastros, livre de regulação do governo, feita por cidadãos para cidadãos. Podemos sintetizá-la dessa maneira, mas a questão é entender por que ela é tudo isso.
A essência está no modo de criação — ou melhor, mineração — das Bitcoins. Para gerar uma é necessário colocar computadores trabalhando em um esquema colaborativo peer-to-peer para resolver algoritmos matemáticos. Cada vez que um é solucionado, é liberado um “bloco de Bitcoins” a serem extraídas.
Não é tão simples quanto parece. Esses algoritmos foram definidos para se tornarem cada vez mais complexos e, assim, autorregularem a inflação sem depender de terceiros. Vires in Numeris, do latim “Força nos Números”, diz o lema da Bitcoin. A própria Matemática faz com que seja cada vez mais difícil criar uma moeda. E a bitcoin também é limitada: só poderão existir 21 milhões no mundo (atualmente são 12,2 milhões) — é a solução para evitar inflação ou ainda o “basta imprimir mais dinheiro, oras”.
No entanto, como é cada mais complexo minerar, consequentemente é mais caro. Cada vez são necessários mais computadores mais poderosos gastando mais recursos e mais energia para gerar a mesma moeda. Com isso, a especulação e a liquidez da moeda também crescem. Ela acaba funcionando como se fosse uma ação ou ainda como o ouro. Inclusive há câmbios e até mesmo ATMs, caixas eletrônicos para trocar Bitcoins por moedas comuns. Uma ATM de bitcoin estreará no Brasil em breve, mas isso é assunto para a próxima matéria.
Vale notar também que todas as transações são feitas publicamente e a carteira de cada um pode ser vista, mas não manipulada, por qualquer um. É claro que nada disso é associado ao nome ou qualquer identificação da pessoa. Por isso, dizemos que a Bitcoin é “semi-anônima”. Ela funciona desse jeito para para promover a transparência e evitar fraudes que desequilibrem o sistema.
A Bitcoin foi criada por Satoshi Nakamoto. No entanto, ninguém sabe quem ele é ou qual o seu verdadeiro paradeiro. Não se sabe nem mesmo se ele é uma pessoa ou um grupo.
Sabe-se que fala como um acadêmico e possui conhecimentos avançados em matemática. Certa vez, ele escreveu um artigo científico explicando a visão por trás da criação da bitcoin. É fácil notar que há uma teoria acadêmica que defende, antes de qualquer coisa, a liberdade individual.
O que a Bitcoin pode mudar?
Imagine um PayPal gratuito em que cada usuário pode transferir dinheiro para qualquer país, sem precisar se identificar, e ainda sem pagar taxas ou impostos. Com a Bitcoin isso é possível.
Jed McCaleb, fundador da Mt.Gox, a primeira (e uma das maiores) exchanges de bitcoins do mundo, nos explicou, em uma entrevista exclusiva, que o potencial de toda essa liberdade é importante principalmente em países muito controlados pelo Estado. Não por acaso, o maior câmbio da moeda é na China.
Imagine, por exemplo, se existisse tal tecnologia na época de Fernando Collor, quando as contas bancárias foram congeladas. O cenário teria sido completamente diferente. No Chipre, por exemplo, onde o país vive uma grave crise financeira, a ideia da Bitcoin mudou tudo.
Já temos o caso de um grande varejista que lucrou com o modelo das Bitcoins, o Silk Road. OK, não é uma loja comum — estamos falando do maior site de venda de drogas do mundo, que vive na ilegalidade.
Mas o fato de existir uma moeda internacional e semi-anônima permite que várias outras lojas e startups legais abram seus produtos e serviços a um público muito maior.
Além disso outra vantagem de se trabalhar com as criptomoedas fica por conta justamente de sua especulação. Em janeiro de 2010 uma pizza foi vendida por 10 mil BTC. Se essa pizzaria guardou o pagamento, hoje ele é dona de uma fortuna de US$ 1,220 milhão. No escopo geral, a moeda continua se valorizando.
Nosso editor-chefe, Diego Remus, entrevista Jed McCaleb e Joyce Kim, dois dos maiores nomes por trás da Bitcoin
Don’t believe the hype?
Há muita gente que diz que a bitcoin é uma bolha. Outros ainda até a desprezam. É o caso do Banco Central Europeu, que afirma que a bitcoin funciona como se fosse um esquema de pirâmide e só quem estava no início é que pode ficar mais rico. Segundo eles, em algum momento o esquema quebra. Joyce Kim, parceira de McCaleb nos diz que muitos países nem se preocupam em regular a bitcoin porque simplesmente tratam-na como algo inexistente. “É como criar leis contra o tráfico de unicórnios — eles não se preocupam porque simplesmente acreditam que não há sequer com o que se preocupar”, explica.
No entanto, se algum dia países começarem a se preocupar com as criptomoedas, há sim a possibilidade de taxá-las e regularizá-las. Nesse momento boa parte da liberdade se vai. Por isso, há muita gente trabalhando em projetos como a Dark Wallet, que promete realmente transformar as transferências em algo completamente anônimo e, assim, evitar as possíveis medidas controladoras dos governos e bancos. Talvez aconteça algo semelhante à pirataria — instituições tentam cortá-la o tempo todo, enquanto outros tentam protegê-la cada vez mais. Há um lema que diz que a pirataria é algo como uma “hidra de sete cabeças” — você corta uma, e logo aparecem duas em seu lugar.
Há outros indícios de que a Bitcoin seja algo grande apenas para quem vive na pequena bolha do assunto. Na CES, a maior feira de eletrônicos do mundo, por exemplo, quase ninguém conhecia a Bitcoin.
Se a moeda não decolar e realmente se popularizar, ela pode se tornar algo como selos de colecionadores, que só têm valor para quem vive dentro deste mundo. E aí, quem apostou muito na moeda, terá algo que, na prática, não vale quase nada. A Bitcoin e outras criptomoedas podem ser uma grande revolução, algo que ainda vai se valorizar muito e abrir grandes oportunidades. Mas também pode ser apenas um hype, uma bolha prestes a estourar e deixar muita gente na mão. Há muito a acontecer ainda.