* Por Lucas Mantovani
Startups são empresas que, por sua própria natureza, trabalham com inovação constante e desenvolvimento de soluções com base tecnológica. Por vezes, o core business está diretamente relacionado à tecnologia criada e validada através dos ciclos de interação que já conhecemos.
Partindo dessa premissa, é evidente que a proteção da tecnologia precisa ser uma prioridade para os fundadores em todos os estágios do negócio, seja através do registro ou por cláusulas contratuais que garantam à empresa o resguardo desse ativo.
A tecnologia desenvolvida pela empresa ou mesmo qualquer outra criação autoral que tenha estreita relação com a sua atividade principal é protegida pela legislação de propriedade intelectual.
Em síntese, propriedade intelectual é tudo aquilo que é objeto da inventividade humana, que pode ou não ser tangível. Os direitos autorais sobre um software ou a titularidade de uma marca, por exemplo, são tipos de propriedade intelectual protegidas pela legislação brasileira.
Do ponto de vista prático, a propriedade intelectual da sua startup pode – e eventualmente, deve – ser protegida através do registro. No Brasil, a autarquia responsável por cuidar desses registros é o Instituto Nacional de Propriedade Industrial – INPI.
Falando especificamente da parte de tecnologia, o registro mais importante é o de software ou programa de computador – definição bem limitada, mas utilizada pelo INPI. O registro garante maior segurança jurídica ao seu titular, caso haja demanda judicial para comprovar a autoria ou titularidade do software.
O processo é totalmente administrativo e você não precisa de advogado para fazer o registro. Entretanto, o registro no INPI é só o primeiro passo para proteção da tecnologia da sua empresa.
No artigo de hoje eu quero entrar mais na “toca do coelho” e mostrar para você três diferentes formas – independentes, mas complementares – de proteger a tecnologia da sua startup nos contratos assinados e utilizados diariamente no seu negócio.
1 – Obrigação de confidencialidade
A primeira forma de proteger a tecnologia nos contratos da sua startup é através das cláusulas de confidencialidade. Essa é a parte do contrato que vai desestimular o vazamento de informações importantes sobre o projeto, a tecnologia desenvolvida ou os números que são levantados durante o processo de validação.
É fundamental em uma cláusula de confidencialidade que a definição do que é considerado “confidencial” seja expressamente prevista já no início. Para o nosso exemplo, informações sobre a tecnologia que está sendo desenvolvida ou mesmo o planejamento que está previsto para a empresa devem ser consideradas confidenciais.
Outro elemento importante dessa parte do contrato é o prazo. Geralmente, a obrigação de confidencialidade dura enquanto o contrato for válido e por um período a mais após o seu encerramento. Esse tempo precisa estar previsto expressamente no contrato.
Por fim, a depender da relevância da tecnologia ou da sensibilidade das informações que são consideradas confidenciais, é válido prever uma multa em caso de descumprimento.
2 – Obrigação de não concorrência
Outra parte do contrato que também é fundamental e complementa bastante a obrigação de confidencialidade é a obrigação de não concorrência, a segunda forma de proteger a tecnologia da sua startup dentro dos contratos.
Obviamente, existem outras diversas implicações e motivações para adoção desse tipo de cláusula em contratos, mas ela tem um peso relevante na proteção do uso da tecnologia, já que a concorrência desleal costuma estar diretamente atrelada à exploração de soluções iguais ou semelhantes à da empresa prejudicada.
Ao estabelecer uma cláusula de não concorrência, é válido especificar em qual área ou setor de atividade econômica a outra parte fica proibida de atuar. Em alguns casos, é importante detalhar se a abrangência da não concorrência, de modo que essa cláusula não inviabilize o livre exercício da profissão.
Assim como no caso da confidencialidade, a obrigação de não concorrência precisa ter um prazo determinado e costuma se estender por um período posterior ao encerramento do contrato. A adoção de multas, neste caso, é mais facultativa e precisa ser avaliada caso a caso, considerando as melhores práticas de mercado.
3 – Transferência automática de direitos de propriedade intelectual e autoral
Por fim, a terceira forma de proteger a tecnologia da sua startup nos contratos é através de cláusulas de transferência automática de direitos de propriedade intelectual e autoral.
Aqui, a ideia é garantir que tudo o que for desenvolvido pelas partes durante a vigência do contrato pertence à empresa e não ao criador. Em contratos de prestação de serviço com desenvolvedores, por exemplo, esse tipo de cláusula é o que garante que, com a eventual saída do desenvolvedor do quadro da empresa, a tecnologia vai ficar com a empresa.
Esse tipo de cláusula do contrato abrange não somente o software desenvolvido, mas também qualquer outro tipo de criação da mente humana. Um exemplo disso são os conteúdos ou cópias de ações de marketing, que são desenvolvidas por pessoas da equipe (criadoras), mas que pertencem à empresa – caso isso esteja previsto no contrato.
Empresas de tecnologia precisam cuidar da… tecnologia!
As três formas que indiquei neste artigo podem ser utilizadas individualmente ou em conjunto nos contratos. A aplicação de cada uma delas, o peso das penalidades ou o prazo precisam ser cuidadosamente pensados para que não se tornem excessivas, causando a nulidade do contrato.
De qualquer modo, o recado que quero deixar para você é: cuidar da tecnologia da sua startup não significa apenas registrar a propriedade intelectual, mas também proteger a sua exclusividade dentro dos contratos que são utilizados no dia a dia da sua empresa.
Lucas Mantovani é especialista em Direito da Tecnologia, sócio fundador do Cunha Mantovani Advogados e cofundador da Legaltech Marquei. É advogado e mentor ativo do programa Inovativa de Impacto.