Depois de um buzinaço em abril em São Paulo e um protesto na Avenida Paulista no início do mês de junho, entregadores de aplicativos de delivery afirmam que vão paralisar as atividades no próximo dia 1 de julho em todo o Brasil.
Os motociclistas reivindicam várias questões junto à algumas empresas que trabalham com o serviço de entrega, como o aumento no pagamento das corridas e taxa mínima, seguro de vida para roubos e acidentes, fim do sistema de pontuação (que delimita as entregas que o motoboy pode atender), além de um voucher para compra de equipamentos de proteção individual, os EPIs, essenciais na proteção contra a covid-19.
Vários grupos de motoboys pelo Brasil apoiam a paralisação chamada de #BrequedosApps, como o “Entregadores Antifascistas”, que possui representantes em todo o país. Um dos membros, Paulo Roberto da Silva Lima, conhecido como “Gallo”, compõe o movimento paulista e conversou com o Startupi. Ele lamenta as condições de trabalho dos entregadores, que viram o rendimento cair durante a pandemia. “Aumentou a demanda para os restaurantes. No caso dos entregadores, o aplicativo triplicou a oferta, colocou o triplo de entregador na rua, então a demanda caiu”.
Paulo explicou como é feito o cálculo das entregas. “É R$1 real por quilômetro. É isso. Quando chove, quando tá acidentada a pista, quando tem enchente, eles colocam promoção do tipo assim: faça 10 pedidos em 2 horas e ganhe R$ 40 reais a mais. O pessoal sai correndo, a maioria não consegue bater essa meta e acaba ficando ali fazendo 9 pedidos, faltando uma e não consegue bater a meta. Mas é aí quando o pessoal tenta fazer um pouco a mais”.
De acordo com dados fornecidos pelo Ifood, de fevereiro para março de 2020, o número de entregadores da plataforma saltou de 131 para 171 mil em todo o país. Com mais motociclistas nas ruas, o número de acidentes de moto também acabou subindo. De acordo com dados do Infosiga SP, sistema do Governo do Estado gerenciado pelo programa Respeito à Vida, houve 179 mortes de motociclistas em maio de 2020 contra 167 no mesmo período do ano passado, um aumento de 7,2%. “Pessoal está correndo mais. Quanto menos você ganha, mas você corre”, lamentou Paulo.
Franklin Lacerda, Diretor de Estudos da Análise Econômica Consultoria e mestre em Economia Política pela PUC-SP, destaca que desde a crise de 2008, há uma conturbada relação entre instituições, reguladores, empreendedores e sociedade na busca por um caminho para a retomada do crescimento econômico. Segundo ele, manifestações como as da próxima quarta fazem parte de uma onda de reajustes no desenvolvimento tecnológico mundial.
“Em primeiro lugar, esse movimento não é de hoje. As manifestações são reflexo de uma onda de mudanças mais amplas. Em segundo lugar, nesta conjuntura, esta manifestação reflete uma situação que pode abrir novas pressões que devem se manter pelos próximos meses e pressionar mudanças de gestão e até de modelo de negócios no médio prazo”, disse.
Lacerda destacou que, dependendo de sua força, a paralisação do dia 1º pode abrir caminho para a recomposição institucional, que define, dentre outras questões, como se estabelecerão as relações de trabalho e remuneração, por exemplo.
“Na atual conjuntura política e econômica, parece-nos pouco provável uma mudança mais significativa em termos de lei, afinal, já estamos sob a égide de uma reforma trabalhista que alterou bastante as possíveis relações. Cabe destacar que os entregadores sequer atuam nesses formatos, mas como “micro empreendedores”. Desse modo, a variável chave será o quão organizados estarão os entregadores para efetivamente pressionar as plataformas de tal modo que consigam colocar todos na mesa para negociar”, afirmou.
Segurança dos entregadores em relação a covid-19
O Ministério Público do Trabalho emitiu uma nota no último dia 12 de junho em que afirma que “as empresas devem fornecer aos profissionais kits de higienização das mãos e equipamentos de trabalho, composto por soluções de água e sabão, álcool em gel 70% e toalhas de papel”. O MPT ainda afirma que os profissionais que apresentarem sintomas de covid-19 devem ser afastados por duas semanas, ou até que saia o resultado do teste, orientando os funcionários a procurarem o serviço de saúde.
Paulo Lima destacou que o grupo de entregadores o qual participa fez um petição para solicitar às empresas equipamentos de segurança necessários de proteção contra o novo coronavírus, como álcool em gel e máscara. O documento, segundo ele, já possui mais de 350 mil assinaturas.
Sobre a expectativa em relação à paralisação do próximo dia 1 de julho, ele acredita que apenas uma sequência de manifestações pode fazer com que as empresas aceitem às reivindicações. “Minha expectativa é de que os aplicativos não vão ceder nada, porque o aplicativo tem essa postura de não ceder nada. Eu acredito que a greve vai mexer mais com o coração dos companheiros do que com o coração dos donos dos aplicativos. E outras greves virão. Acredito nisso. Depois de uma sequência de greves, aí eu acho que a gente vai conseguir fazer algum deles dobrar os joelhos”, apontou.
Respostas dos aplicativos
Sobre a manifestação do próximo dia 1 de julho, o Ifood enviou a seguinte nota:
“Antes de mais nada, o iFood apoia a liberdade de expressão em todos as suas formas. Em nenhuma hipótese entregadores são desativados por participar de movimentos. Essa medida é tomada somente quando há um descumprimento dos Termos & Condições para utilização da plataforma e é válida tanto para entregadores, como para consumidores e restaurantes.
É importante frisar que desativar indevidamente um entregador que atua de forma correta é ruim para o iFood. Os principais casos de desativação acontecem quando a empresa recebe denúncias e tem evidências do descumprimento de regras, que pode incluir, por exemplo, extravio de pedidos, fraudes de pagamento ou, ainda, cessão da conta para terceiros.
Em casos identificados, o entregador recebe uma mensagem via aplicativo e é direcionado para um chat específico para entender o motivo da desativação e pedir análise do caso. Se comprovado o erro, conta é reativada. A empresa também não adota nenhuma medida que possa prejudicar aqueles que rejeitam pedidos. Ao rejeitar muitos pedidos, o sistema entende que o entregador não está disponível naquele momento e pausa o aplicativo, voltando a enviar pedidos, em média, 15 minutos depois.
A empresa esclarece que o valor médio pago por rota é de R$ 8,46. Esse valor é calculado usando fatores como, por exemplo, a distância percorrida entre o restaurante e o cliente, além de uma taxa pela coleta do pedido no restaurante e uma taxa pela entrega ao cliente, além de variações referentes a cidade, dia da semana e veículo utilizado para a entrega. Todos os entregadores ficam sabendo do valor por rota antes de aceitar ou declinar a entrega ofertada. A empresa passou a oferecer um valor mínimo de R$5,00 por pedido, mesmo que seja para curta distância.
Em maio, 51% dos entregadores recebeu R$ 19 ou mais por hora trabalhada. Para fins de comparação apenas, esse valor é 4 vezes maior do que o pago por hora tendo como base o salário mínimo vigente no país. Esses entregadores foram responsáveis por 74% dos pedidos. Pelos dados do iFood, os ganhos médios mensais do grupo que têm a atividade de entregas como fonte principal de renda (37% do total) aumentaram 70% em maio quando comparados a fevereiro.
Quanto a seguros, desde o fim de 2019, o iFood oferece a todos os entregadores cadastrados em sua plataforma o Seguro de Acidente Pessoal. A iniciativa é operacionalizada pela MetLife e pela MDS. Com ela, estão cobertas despesas médicas e odontológicas e contemplada uma garantia financeira para a família em caso de acidentes. O seguro não representa nenhum tipo de custo para os parceiros. O benefício é válido durante o período no qual eles estão logados na plataforma da empresa e também no “retorno para casa” – válido por uma hora e até 30 km do local da última entrega realizada de moto, ou por duas horas e até 30 Km do local da última entrega para quem realiza entregas com bicicletas, patinetes ou a pé. O iFood possui ainda parceria com a Prefeitura Municipal de São Paulo para promover boas práticas de conduta no trânsito.
Sobre medidas de enfrentamento do Covid-19, desde o início da pandemia, em março, foram implementadas medidas protetivas que incluem fundos de auxílio financeiro para quem apresentar sintomas e para aqueles que fazem parte dos grupos de risco. Também foi disponibilizado gratuitamente até o final do ano um plano de benefícios em serviço de saúde. Até o momento, foram destinados mais de R$ 25 milhões a essas iniciativas.
Em abril, a empresa iniciou a distribuição de EPIs (álcool em gel e máscaras reutilizáveis) em kits com duração de pelo menos um mês. O iFood desenvolveu uma logística específica para retirada desses materiais, para evitar aglomerações. O entregador recebe um convite no aplicativo, como se fosse um pedido, e é pago pelo deslocamento até o ponto de retirada.
A empresa já comunicou todos os entregadores ativos sobre a retirada e está focada grande parte dos seus esforços para atingir toda a base de entregadores nas cidades em que operamos. Também continuamos avaliando alternativas para atingir mais pessoas de forma segura e controlada, considerando a distribuição mensal para que todos tenham materiais sempre
De acordo com pesquisa do Instituto Locomotiva realizada em abril, as medidas adotadas pelo iFood tiveram nota média de 8,9, melhor avaliação entre as ações realizadas por empresas do setor que operam no Brasil. Oito em cada dez entregadores avaliam muito positivamente as iniciativas. A pesquisa mostra ainda que, mesmo após o fim da crise, 92% dos entregadores pretendem continuar na atividade de entregas por aplicativo”.
A Rappi também enviou uma nota:
“A Rappi reconhece o direito à livre manifestação pacífica e busca continuamente o diálogo com os entregadores parceiros de forma a melhorar a experiência oferecida a eles. Antes da pandemia, eram realizados focus groups presenciais – cancelados naturalmente por ora – e, em virtude do momento, aumentamos nosso time de atendimento, com priorização do contato com o entregador, oferecendo suporte 24×7 por meio do aplicativo. Além disso, a empresa já oferece, desde o ano passado, seguro de vida, parcerias que possibilitam desconto na troca de óleo e na compra de rastreador de veículos, e inaugurou Rappi Points (que são bases físicas para descanso, que estão fechados devido à pandemia). Novos benefícios devem ser adicionados e comunicados em breve.
Fruto dessa comunicação constante, a Rappi também criou um mapa de demanda para ajudá-los a identificar as regiões com maior número de pedidos de forma a orientá-los sobre os locais com melhores oportunidades. O frete varia de acordo com o clima, dia da semana, horário, zona da entrega, distância percorrida e complexidade do pedido. Dados da empresa mostram que cerca de 75% deles ganha mais de R$ 18 por hora, quando ativos em entregas, e quase metade dos entregadores parceiros passam menos de 1 hora por dia conectados no app. Ainda, a Rappi possibilita que os clientes deem gorjeta aos entregadores por meio do aplicativo de forma segura. Entre fevereiro e junho, a empresa identificou um aumento de 238% no valor médio das gorjetas e de 50% no percentual de pedidos com gorjeta. Todo valor pago no aplicativo a título de gorjeta é integralmente repassado ao entregador.
Ainda, estamos sempre procurando maneiras para melhorar os nossos serviços, enquanto reconhecemos os entregadores parceiros com melhor nível de serviço. Pensando nisso, criamos o programa de pontos para que os entregadores parceiros com um maior número de pontos possam ter preferência para receber pedidos, criando mais oportunidades para eles e uma melhor experiência para nossos clientes.
Além disso, – tendo em vista o momento que estamos atravessando – desenvolvemos e colocamos em prática diversos protocolos visando a segurança dos entregadores parceiros. Entre eles estão:
– Desenvolvemos e colocamos em prática a entrega sem contato – em que os entregadores deixam o pedido na porta do cliente e se afastam, para evitar a proximidade -, e estamos incentivando o pagamento via app, para evitar o contato com cédulas de dinheiro (já não operávamos com máquinas de cartão);
– Compramos álcool em gel e máscaras para entregadores parceiros, e estamos intensivamente distribuindo, assim como os orientando quanto aos procedimentos de uso – via pushes no aplicativo, blog e canal no YouTube voltados exclusivamente à eles. Semanalmente, disponibilizamos máscaras e álcool em gel e seguimos repondo esses itens;
– Reforçamos as medidas de segurança em nossas Dark Kitchens, onde desenhamos faixas de distanciamento – para que os entregadores parceiros aguardem em segurança os pedidos – e estamos fazendo a desinfecção e sanitização de carros, motos, bikes e bags, com produtos recomendados pela ANVISA;
– Disponibilizamos no aplicativo do entregador parceiro um botão específico para que ele notifique a Rappi caso apresente sintomas compatíveis com Covid-19 ou confirme o diagnóstico, para que deixe de prestar serviços no aplicativo e seja imediatamente orientado;
– Criamos um fundo que apoiará financeiramente os entregadores parceiros com sintomas ou confirmação da COVID-19 pelo período de 15 dias em que eles precisarão cumprir a quarentena. No Brasil, o fundo está sendo gerido pela Cruz Vermelha Brasileira;
– Estamos realizando uma forte campanha de educação, autocuidado e prevenção, comunicando massivamente e diariamente todo o ecossistema – entregadores parceiros, usuários e estabelecimentos – para que sigam as orientações de segurança das autoridades antes, durante e depois da entrega;
Reiteramos, ainda, que os entregadores parceiros têm total liberdade para se conectar ao nosso aplicativo sem restrições de tempo e sem exclusividade, e que não são bloqueados em decorrência de participação em manifestações no exercício de seus direitos. Os bloqueios na plataforma são restritos ao não cumprimento dos Termos e Condições e podem ser revistos por meio do aplicativo do entregador – abrindo um ticket dentro do seu app na seção Centro de Ajuda / Suporte / Minha Conta / Estou Desativado.
A Rappi segue atenta a melhorias operacionais para todo o ecossistema e às recomendações das autoridades competentes para melhor apoiar todos”.
Entramos em contato também com a Uber Eats que afirmou que “Por ora, não há posicionamento”. As empresas Loggi e James não se manifestaram até o fechamento da matéria.