Não faltam cursos, workshops, palestras, intensivões… Estão borbulhando pelas cidades brasileiras as oportunidades para quem quer se capacitar e abrir sua própria startup. Mas dá mesmo pra ensinar empreendedorismo, especialmente para startups? No último mês, conversei com professores, empreendedores e investidores para saber a resposta e o consenso geral é que dá sim, mas dá pra colocar todas as fichas num cursinho qualquer. Os entrevistados deram dicas de que tipo de programação é melhor e falaram do esforço que precisa ser feito por quem quer aprender.
Reunimos (falo no plural, porque o Diego foi vital na confecção desta reportagem) aqui informações sobre os tipos de curso, a questão do aprendizado na prática, o lado que tem que vir do empreendedor, os erros que precisam ser cometidos e algumas “lições básicas” que todo mundo precisa saber antes de começar a própria empresa.
A boa notícia é que dá sim para ensinar empreendedorismo, mas não pode ser só com teoria, é preciso ter bastante prática, segundo Marcelo Pimenta, que idealiza uma série de atividades do Sebrae Nacional pela sua consultoria Laboratorium e foi o idealizador do Laboratório de Startups da ESPM. Ele dá aulas desde 1996 – mesmo ano em que fundou, com seus 3 sócios, a empresa de tecnologia Conectt. “Além do conhecimento, é preciso desenvolver atitudes e habilidades empreendedoras”, diz ele. “Talvez o mais importante seja a vontade de aprender ”.
Mas não é qualquer um que pode entrar no grupo de empreendedorismo do professor Almir. Ele conta que, antes de admitir os alunos, existe uma conversa franca para saber se a pessoa tem realmente o perfil. “Se ele não está disposto a abrir mão de férias ou atender um cliente de madrugada, por exemplo, ele não é um empresário”, explica. Segundo ele, algumas vezes os próprios alunos dizem que aquilo não é pra eles. Os que são aceitos passam por entrevistas com consultores do Sebrae para saber mais sobre a abertura da própria empresa. No final do ano, os projetos criados são submetidos a uma incubadora em São Caetano, região metropolitana de São Paulo.
As características e a disposição que vem do aluno também são importantes para o professor Claudio Carvajal, responsável pela disciplina de empreendedorismo e coordenador do custo de administração da Fiap. Claudio, que ensina o assunto há seis anos, afirma que “é possível desenvolver competências importantes para que as pessoas atuem como empreendedoras, com maior facilidade e segurança”. “Entretanto, a motivação de empreender depende de cada pessoa”, ressalta.
O professor também afirma que parte da educação de empreendedorismo precisa ser feita na prática. Ele conta que, com projetos reais, os alunos tem a mente aberta pra pensar ‘fora da caixa’. “As empresas e os investidores precisam se aproximar mais das escolas de negócios e outras instituições que ensinam empreendedorismo, para criar sinergia e otimizar a criação de startups”, diz. Por outro lado, Eduardo Endo, que também dá aula na Fiap e coordena MBAs na área de tecnologia, afirma que “dizer que dá pra ensinar é complicado. Acredito que o que nós podemos fazer é influenciar a ‘alma empreendedora’.”
Sean Lindy, CEO da aceleradora Aceleratech, também vê um pouco da ‘alma empreendedora’. “Existe um tipo de personalidade que se encaixa melhor com a criação de uma startup. Se você é conservador, pode ter dificuldades de largar seu emprego para criar a empresa”, observa.
E quem já tem a ‘alma empreendedora’, deve aprender o que?
Eduardo, da Fiap, conta que, pelos cursos que ministra terem foco no empreendedor digital mobile, muitos casos de sucesso são mostrados, além dos fracassos. “Falamos sobre aplicativos que tinham tudo pra dar certo, mas foram um fracasso e dos apps que, em uma análise simples, não tinham nada pra ter sucesso e acabaram dando certo”, exemplifica. Além disso, eles ensinam o caminho das pedras para vender aplicativos nas lojas disponíveis hoje no mercado.
Claudio também diz que dá pra ensinar a identificar oportunidades de negócios, marketing e vendas, princípios de finanças, gestão de pessoas e liderança, estratégia de negócios. “Esses conteúdos são ferramentas importantes, que aumentam as chances de sucesso quem pretende empreender”, explica. Segundo ele, as pesquisas do Sebrae dão conta de que a falta desses conhecimentos é responsável em grande parte pelo fracasso e mortalidade de empresas no Brasil.
Pimenta completa que, com o conhecimento que pode ser ensinado hoje, não dá mais pra ter um plano de negócio sem modelo claro. “Há dez anos, não se dispunha de metodologias disseminadas e simplificadas para modelagem de negócios”, conta. Hoje, diz ele, o Canvas mudou essa realidade e é possível desenhar e iniciar a validação do modelo a partir de 9 blocos rabiscados num guardanapo.
Quem deu certo conta: Qual parte do sucesso veio da educação?
Fernando, Bruno e Allan, da equipe fundadora da Kekanto, têm um background de ensino forte. Bruno e Allan fizeram USP e Fernando estudo na Universidade de Stanford, nos Estados Unidos e também se formou pela USP. “Pelo menos pra mim e pro Bruno, que somos técnicos, uma faculdade forte é vital, porque você aprende muito da parte técnica para se virar nos desafios tecnológicos e você constrói uma rede de contatos”, conta Allan.
Os times de tecnologia da Kekanto são, basicamente, formados por engenheiros da USP e da Unesp, tudo graças aos amigos que os fundadores fizeram na faculdade. “Temos essa filosofia de ter somente pessoas altamente capacitadas, apesar de elas serem difíceis de achar e custarem um pouco mais”, completa Allan.
Apesar de a USP ter dado um diferencial técnico ao time, Bruno afirma que faltou um pouco do aspecto empreendedor ser ensinado. “A faculdade poderia incentivar, mas vai muito da pessoa também. Tem que ser um cara curioso, não é pra todo mundo”, afirma. Desde que saíram da USP, Bruno conta que houve uma certa atualização da universidade, que tem criado grupos de empreendedorismo e desenvolvimento de novas tecnologias.
Fernando fez a graduação e o mestrado nos Estados Unidos e notou algumas diferenças na abordagem de ensino. “Lá, o sistema educacional é um pouco mais participativo. Aqui, as universidades tendem a ser mais expositivas e, nos EUA, eles têm uma metodologia que estimula muito o debate e a expressão individual”, lembra. O currículo norte-americano também é mais flexível, diz ele. “A oportunidade da interdisciplinaridade é muito grande. Fiz aulas de biologia, por exemplo, e essa base diversificada me ajudou a aprender a me comunicar com pessoas de backgrounds diferentes”, explica Fernando. Também ajudou no sucesso da Kekanto, segundo ele defende, o fato de a companhia não ser o primeiro empreendimento de nenhum dos três.
Flávio Pripas, sócio da startup brasileira Fashion.me, fala que sua formação foi “extremamente importante”. Hoje, a companhia dele e de seu sócio Renato Steinberg já se expande para os Estados Unidos. “Você conhece muita gente e acaba criando uma rede de relacionamento muito rica”, conta Flávio, que é formado em ciências da computação pela PUC e fez um MBA na FGV.
Flávio lembra que chegou a ter aulas de empreendedorismo, mas a realidade mostrou outro cenário. “É bem o lado acadêmico, o plano de negócios, o plano financeiro, o plano de marketing. Na realidade, foi diferente e agora nós seguimos o Effectuation [lógica de pensamento usada por alguns empreendedores]”, disse.
Segundo o cofundador da Fashion.me, o Effectuation se baseia em pilares como o das perdas suportáveis (“O empreendedor vê o que ele vai perder se tudo der errado e ai você perde as amarras”) e o de que o futuro é imprevisível (“Ele testa as possibilidades e cresce através de parceiras, já que o futuro é imprevisível”).
Enquanto o Effectuation ensinou a lidar com o negócio, Flávio conta que a faculdade deu a base para que as atividades da Fashion.me pudessem ser como são hoje: “Tenho que fazer contabilidade hoje, por exemplo, e isso veio da faculdade.”
Flávio entra para o coro dos que “pregam” que que aprender a programar é essencial, já que a linguagem da programação ensina muito além da criação do programa, ela traz uma lógica diferente. Neste coro, ele se junta a Mark Zuckerberg e Bill Gates:
“A questão é que a partir do momento que você tem uma base sólida, você vê oportunidades onde as pessoas não enxergam e ai precisa da coragem e estar no momento certo da vida”, completa Flávio. Ele afirma que a formação básica do empreendedor deve incluir tudo: a educação, as pessoas que conhece, o lugar em que se trabalha. “Empreendedor é quem vai atrás das coisas. Ele pode fazer a aula, mas tem que estar no evento, fazer alguma coisa”, conta.
As lições que todo empreendedor precisa saber (segundo nossos entrevistados)
Marcelo Pimenta
“Se quer moleza, deite numa piscina de sagu. Empreender não é fácil”;
“Não prometa o que não possa cumprir”;
“Não gaste o que ainda não tem”;
“Não crie expectativas demais. O caminho é longo e tortuoso”;
“Informe-se pelas melhores fontes, mas não esqueça que a decisão final é sua”;
“Have fun! Tudo vai ter fazer mais sentido se no final se o caminho tiver sido divertido”;
“Aproveite cada oportunidade para aprender algo. Se não há mais nada para ser aprendido, caia fora”.
Almir Meira Alves
“É preciso conhecer o mercado em que se quer abrir uma empresa”;
“É preciso conhecer seus concorrentes e ter um bom relacionamento com eles. Pode surgir uma parceria”;
“É bom que já se tenha alguma experiência de mercado, que ajuda a fazer os primeiros contatos comerciais. Uma empresa onde você foi bem como funcionário pode ser a primeira a contratar seus serviços como empresário”.
Equipe da Kekanto
“Foco na execução! Você tem que focar em executar as coisas de maneira rápida. Coloca o protótipo no ar, vê com as pessoas usam e vai adaptando”;
“Foco nas pequenas atividades e funcionalidades que geram muitos resultados”;
“É preciso saber montar um time de pessoas que agregam na área em que se está trabalhando. A área técnica é importante, mas é preciso cobrir todas as áreas”;
“É preciso ter a noção de que você não consegue montar um negócio sozinho e isso é diferente da experiência acadêmica que todo mundo tem. No âmbito acadêmico, só depende de você”;
“No ambiente escolar as pessoas são punidas por errar. Isso cria um raciocínio contra o erro e o fracasso. Se você tiver muito medo de errar, você deixa de empreender”.