* Por Adam Patterson
O mercado global de SaaS tem sido nos últimos anos um dos setores premium para oportunidades de investimentos. De acordo com o Report Linker, o mercado global de Software as a Service (SaaS) estimado em US$ 68,2 bilhões no ano de 2020, está projetado para atingir um tamanho revisado de US$ 219,5 bilhões em 2027, crescendo a um CAGR de 18,2% no período de análise 2020-2027. A nuvem pública (empresas com capital aberto), deve registrar um CAGR de 18,3% e atingir US$ 88,7 bilhões ao final do período de análise. O crescimento no segmento de nuvem privada é projetado em 15,8% CAGR para o próximo período de 7 anos.
De acordo com o relatório do terceiro trimestre de 2020 do Software Equity Group – o índice SaaS atingiu um recorde de 11,2x neste terceiro trimestre. Os investidores identificaram claramente o SaaS como uma classe de ativos preferencial em 2020, uma vez que o desempenho do preço médio das ações do Índice SEG SaaS (+ 25,9% no acumulado do ano) também liderou os principais índices.
O Índice SEG SaaS de empresas de capital aberto, liderou uma recuperação impressionante nas avaliações, superando os recordes anteriores e sustentando uma nova alta no 3T20. A mediana de 11,2x EV/Revenue, um múltiplo de receita, do trimestre foi 31,7% acima da mediana de 3 anos do Índice de 8,5x e 13% maior do que o recorde anterior do 3T19 de 9,9x.
Os investidores continuam a favorecer empresas de SaaS de alta qualidade em tempos de incerteza, já que as empresas com altas margens de lucro bruto e crescimento de receita apresentaram as avaliações mais altas.
Comparando os verticais setoriais dentro do universo SAAS, o segmento de Operações de desenvolvimento e gerenciamento de TI (20,7x) e Comunicações e colaboração (19,9x) registraram os maiores múltiplos de avaliação, devido ao aumento da demanda de trabalho em casa pelo covid-19.
Segundo pesquisa da Flexera, 59% dos executivos da companhia acreditam que o uso de Cloud terá tendência de crescimento maior que a anterior à pandemia, com crescimento contínuo na demanda por serviços de infraestrutura em nuvem e acesso remoto de clientes e funcionários.
A tendência de alta em demanda para ativos SaaS globalmente também está sendo refletido nas operações de M&A, ou seja, as transações de fusões e aquisições de empresas de capital fechado, em geral companhias de menor porte.
Com base novamente nos dados do Software Equity Group, o volume de negócios aumentou 81% no terceiro trimestre, após queda de 30% no segundo trimestre. Houve 207 negócios SaaS realizados no segundo trimestre de 2020 contra 291 no segundo trimestre de 2019.
No terceiro trimestre, houve 374 negócios, impulsionados pela demanda reprimida. O recorde anterior era de 326 negócios (terceiro trimestre de 2019).
Os múltiplos médios foram 5,1x, um patamar histórico. Desde o quarto trimestre de 2015, a mediana permaneceu acima de 4x todos os trimestres, exceto um (quarto trimestre de 2016 caiu para 3,8x). Nos últimos 3 anos encerrados no segundo trimestre de 2020, quase 50% das empresas conseguiram múltiplos maiores de 5,0x a receita dos últimos doze meses (LTM) e perto de 30% venderam por acima de 7x.
Segundo Felipe Berkenbrock, da Redirection International, “podemos observar um desconto de avalições comparando empresas de capital aberta e fechada. Geralmente, ambos os tipos de empresas são avaliados de forma relativa considerando o fluxo de caixa gerado e aplicando um múltiplo ao fluxo de caixa com base no risco calculado de atingir esse fluxo”.
Essencialmente, uma avaliação de uma empresa listada geralmente fará referência a uma abordagem de mercado para a avaliação – por exemplo, negociando múltiplos em outras empresas públicas semelhantes – bem como usando outros métodos. Atualmente, vemos que existe um desconto de cerca de 50% entre as operações de public equity e M&A (de 11,3x para 5,1x em média para múltiplos de receita).
As empresas públicas são precificadas pelo mercado continuamente, com as ações sendo geralmente ativos líquidos que podem ser trocados por dinheiro muito rapidamente, enquanto as empresas privadas são geralmente menos líquidas, uma vez que leva tempo para vender ações de empresas privadas.
A liquidez e a falta de “marketability” (facilidade de comercialização), portanto, impactam o valor. Construir taxas de desconto com fatores adicionais também aumenta os custos de oportunidade teóricos e os retornos esperados (como CMPC ou MPAC). Isso pode incluir beta total, tamanho e riscos operacionais adicionais. Diferentes estruturas de governança corporativa, métricas de lucratividade e acesso ao capital também podem trazer pressões para baixo sobre os múltiplos de transações.
E isso é em nível global. Para avaliar as transações no Brasil, também precisamos ajustar o risco-país esperado. Esse grande risco percebido geralmente se reflete em avaliações mais baixas e múltiplos de receita, lucro e fluxo de caixa.
Este gráfico ajuda a visualizar essa abordagem de “drill-down” partindo de empresas globais listadas às empresas brasileiras de capital fechada.
Com base nos dados do índice MSCI, atualmente existe um delta de cerca de 40% entre os múltiplos esperados (neste caso de preço/lucro) em mercados de ações globais versus ações brasileiras, atualmente contando com valuations de 11,7x o lucro líquido no Brasil versus 19,7x globalmente.
Com base na abordagem acima um múltiplo de empresas Saas de capital aberto de 10x, o faturamento pode se transformar num múltiplo mais próximo a 2-3x para empresas brasileiros deste segmento.
Numa ótima análise realizada por Guilherme Lima, do Astella Investimentos, o autor mostra que a mediana dos múltiplos de valuation que a TOTVS, Linx e Sinqia têm adquirido empresas foi de 2,4x a receita anual, que ajuda validar a abordagem de avaliação “drill-down” descrita acima.
Em resumo, olhando para a realidade brasileira de empresas de capital fechado devemos estar cientes que os múltiplos que observamos no mercado global de empresas SaaS não são automaticamente comparáveis para startups no Brasil. Temos que ajustar para riscos adicionais, diferenças em tamanho, perspectiva de crescimento, a regra de “40” e fatores qualitativos.
Pessoalmente, gosto de utilizar o quadro analítico dos “4Ms”, sendo: o mercado, modelo de negócio, momento e equipe executiva (management). Vamos lembrar também que valuation não é só um múltiplo ou número de VPL em planilha, pode e deve ser tratado como a resposta para a pergunta “o que gera valor” na sua empresa ou startup.
Adam Patterson é economista britânico, graduado em Ciências Políticas e Estudos Parlamentares pela Universidade de Leeds e pós-graduado em Economia e investimentos pelas universidades de Londres e o Instituto Real de Investimentos do Reino Unido. Trabalhou na equipe de valuation do HSBC, escritórios de investimentos e cofundou o primeiro portal online de valuation de startups & PMEs no Brasil. Adam tem foco na modelagem financeira e valuation de startups, é professor na disciplina e mentor em várias aceleradores. Atualmente trabalha com M&A e financial advisory para Redirection International, empresa especializada em assessoria de Fusões & Aquisições para empresas locais e internacionais do middle market, que faz parte do IR Global.