Gleison Fernandes nasceu com paralisia cerebral devido a complicações no parto, o que comprometeu suas funções motoras. Estudou Ciência da Computação, na Universidade de Itaúna, Minas Gerais, onde usou um capacete adaptador para utilizar os computadores da instituição.
Ao notar sua dificuldade com uso do aparelho, Fernandes focou em criar um produto mais acessível para que pessoas com limitações funcionais, como as dele, pudessem usufruir da tecnologia sem dificuldades – esse foi o tema da sua monografia de conclusão de curso.
Outras centenas de histórias semelhantes a de Gleison, entre as 17 milhões de pessoas no mundo vivem com paralisia cerebral, deram origem à TiX, startup criada com o objetivo de gerar soluções inclusivas tanto do ponto de vista tecnológico quanto econômico.
No Brasil há uma carência de estudos que investiguem especificamente a prevalência e incidência da paralisia cerebral no cenário nacional, os recursos não são economicamente acessíveis, e as pessoas com deficiência, que necessitam de aparelhos motores, usam recursos improvisados.
“Os relatos nos fizeram pensar sobre a quantidade imensa de pessoas com deficiência que não tinham acesso a quaisquer desses recursos. Ao identificar o problema, vimos que era possível ampliar o potencial delas, desde que existissem soluções inclusivas na tecnologia e na economia”, afirma Adriano Assis, CEO da TiX.
Produtos inclusivos
Fundada em 2009, em Belo Horizonte, a TiX possui diversos produtos inclusivos no seu portfólio. O TiX – Teclado Inteligente Multifuncional – é um recurso que dá autonomia para pessoas com limitação motora controlarem qualquer computador. São apenas onze teclas sensíveis ao toque, que podem ser acionadas até mesmo pelo piscar dos olhos.
“Ele foi criado para ser usado com mãos ou pés, detecta o toque da pele em seus 11 grandes botões, de forma parecida com o que acontece quando tocamos uma tela de celular. Como ele é usado por pessoas com pouca coordenação motora fina, este teclado também é capaz de filtrar toques involuntários”, explica Assis.
Além disso, em conjunto com o aplicativo Expressia e seus acessórios, o TiX compõe uma plataforma de inclusão escolar e reabilitação, capaz de desenvolver o motor e o cognitivo de alunos e pacientes com deficiências físicas e intelectuais. Produtos importantes, uma vez que, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), grande parte das crianças com deficiência têm menor probabilidade de frequentar escolas e uma das razões para isso acontecer é o uso de recursos inadequados ou limitados para garantir o aprendizado.
“A partir do momento em que identificamos que a maior necessidade das escolas, com relação a inclusão, está na alfabetização e no letramento de crianças com dificuldades de aprendizagem, começamos a pensar em soluções para incluir o TiX nas escolas”, diz o CEO.
Mais de 1.000 escolas já fazem uso das soluções TiX para inclusão dos alunos com deficiência na rede pública de ensino de cidades como Guarulhos, Osasco, Santo André, Olinda, Contagem e em capitais como Recife, Vitória, São Luís e Boa Vista.
O Expressia, já citado, é outra solução da empresa, voltada principalmente para profissionais que trabalham com pessoas não verbais ou com dificuldades na fala. Foi criada em parceria com profissionais da inclusão escolar, fonoaudiologia e terapia ocupacional, para ajudar esse grupo a se comunicarem de forma mais fácil.
A ferramenta também possibilita a criação de atividades de Estimulação Cognitiva com finalidades pedagógicas ou terapêuticas. Em poucos minutos, é possível montar pranchas de Comunicação Alternativa e atividades de associação e contação de histórias com imagens, sons, texto ou voz, e funciona em qualquer computador, celular ou tablet.
Ainda pensando em facilitar a comunicação, a empresa criou o aplicativo TelepatiX. Quem tem limitações de movimento severas, que interferem na fala, podem se comunicar com as pessoas ao redor usando a ferramenta. O app é inteligente, completa palavras e frases e aprende sozinho o vocabulário frequente.
Mais acessibilidade na tecnologia
O mais novo produto da empresa, que ganhou destaque recentemente por ser apresentado no reality “Ideais à Venda” da Netflix, é o Colibri, objeto que capta movimentos intuitivos da cabeça para controlar o ponteiro do mouse com precisão.
Em 2018, a TiX percebeu que havia um tipo de deficiência que não conseguia atender com nenhum dos seus produtos até o momento: a tetraplegia. A premissa era que, para atendê-la da forma correta, era preciso criar um recurso que pudesse aproveitar eficientemente toda a capacidade de movimento de cabeça das pessoas tetraplégicas. Mas na época, ainda não era possível focar em validar essa hipótese.
Dois anos depois, surgiu o desafio de resolver o problema de um garoto de 8 anos chamado Mikael que, por ter nascido com artrogripose, não conseguia mover os braços, e por isso, jogava no celular usando a boca.
“Motivados, construímos em 30 dias o protótipo de um mouse de cabeça para o garotinho, que se adaptou ao recurso imediatamente. Nos 16 meses seguintes, o projeto seguiu evoluindo, sempre sendo testado pelo Mikael e, posteriormente, por outras pessoas com condições de movimento semelhantes, até chegarmos a uma versão robusta, que batizamos de Colibri e teve seu primeiro lote industrial pronto em outubro de 2021”, conta Adriano Assis.
Mas como ele funciona?
Em cerca de três meses desde a finalização do lote inicial, mais de 200 pessoas já se beneficiam do Colibri, que possui um conjunto de sensores parecidos com os dos celulares, capazes de identificar movimentos em qualquer direção, convertendo-os em deslocamento do ponteiro do mouse na tela.
O produto também tem um sensor de luz infravermelha, que detecta mínimas variações na distância entre o sensor e a superfície (computador, celular, tablet) que está diante dele. Dessa forma, quando o Colibri está posicionado diante das pálpebras, ele é capaz de detectar piscadas de olhos. Da mesma maneira, se estiver posicionado diante das bochechas, ele consegue identificar contrações como pequenos sorrisos, e convertê-los em cliques do mouse ou roladas de tela.
O Colibri é leve, sem fios, tem bateria recarregável e pode ser preso a qualquer armação de óculos, tiaras de cabelo, headsets, bonés, bandanas, etc. Apenas é necessário ter um computador ou algum modelo de celular ou tablet com Bluetooth.
Serviço por assinatura
Desde o início da sua fundação, a equipe da TiX estuda o mercado que atua e no quesito econômico foram observados alguns pontos: a) as pessoas com deficiência e suas famílias trazem, frequentemente, um histórico de frustração e prejuízo tentando comprar diferentes produtos assistivos (a maioria importados e caros), sob a promessa de que seus problemas de acessibilidade serão resolvidos; b) por definição, cada produto de tecnologia assistiva é destinado a um nicho muito específico, por isso, é impossível obter ganho de escala na fabricação; c) o sucesso da pessoa com deficiência com qualquer tecnologia depende diretamente da maneira como essa tecnologia lhe é prescrita, e da forma como a implantação desse recurso é feito.
Pensando nisso, em 2019, a TiX criou a Acessibilidade por Assinatura. A tecnologia adequada é prescrita para cada indivíduo, que passa a ter acesso ao produto por um valor mensal acessível, sem precisar comprá-lo. O cliente conta com o atendimento de profissionais da área da reabilitação (Terapia Ocupacional e Fonoaudiologia), por videoconferência, para garantir que conseguirá usar o aparelho.
A pessoa ainda pode cancelar a assinatura a qualquer momento, sem multa. Ademais, a TiX passa a contar com a previsibilidade da receita recorrente e reduz a necessidade de produção. A empresa também dá a opção do cliente adquirir o produto.
Investimentos na TiX
A empresa nunca recebeu aporte financeiro. De início a TiX começou a operar em bootstrap – se financia quase exclusivamente com recursos advindos de suas próprias receitas comerciais. Em 2017, a participação nos programas de aceleração Fiemg Lab e SEED MG também ajudou a desenvolver a startup, mas sem a necessidade de ceder participação societária.
Ao longo desses 13 anos, a empresa conquistou inúmeras premiações, várias delas em dinheiro, como o Prêmio Finep de Inovação em 2013, de R$ 100 mil, e a Krypto Labs Edtech Startup Competition em Abu Dhabi em 2018, de US$ 150 mil, entre outras. “Tudo possibilitou que pudéssemos investir em pesquisa, desenvolvimento, industrialização e marketing para além do que teria sido possível apenas com as receitas comerciais”, finaliza o CEO.
* Foto destaque: Da esquerda para a direita, de pé: Bruno, Esdras, Laissa, Nathália e Polly. Agachados: Henrique, Vívian e Adriano