Há meses, o cenário global de investimentos em startups tem passado por uma “turbulência”. VCs estão pisando no freio, e startups – especialmente as big techs – estão sentindo os impactos dessa desaceleração.
Para entender como os investidores estão lidando com esse momento, Lucas Abreu, venture capital associate da Astella Investimentos, realizou um estudo qualitativo com 25 stakeholders do ecossistema de startups no Brasil, sendo 14 representantes de VCs e 11 fundadores. O objetivo, segundo Lucas, foi retratar o que está acontecendo com o mercado, de fato, e apontar o que os investidores estão vendo no dia a dia.
A pesquisa de Lucas se tornou um artigo assinado pelo executivo, que aponta as principais percepções de alguns dos mais relevantes investidores e fundadores do país. “O foco [dos investidores] transitou de puro ‘growth’ para entendimento dos alicerces de sustentabilidade do negócio. As empresas que mais têm sofrido são justamente as com unit-economics frágeis e margens apertadas”, diz o material do estudo.
Investimentos, VCs e early stage
Para Lucas, essa pesquisa mostrou que o sentimento recorrente do mercado é que, embora o early stage seja mais resiliente, os impactos dessa mudança brusca no mercado também está sendo sentido por essas empresas – e por quem investe nelas. “Em 2020 e 2021 tivemos uma safra muito relevante de empreendedores e empreendedoras que eram funcionários e c-levels de grandes empresas de tecnologia. O sentimento do mercado é que, de alguma forma, esses novos empreendedores, dado que o custo de empreender está maior do que era lá atrás, estão tendo um pouco mais de receio de ir pro mercado. Há uma diminuição no número de empreendedores”, conta Lucas.
Além de o mercado estar recebendo menos novos empreendedores do que há alguns anos, as buscas por novas rodadas de investimentos também estão reduzindo. Para as startups que buscaram capital recentemente, o sentimento recorrente é de que é melhor segurar as pontas. Para quem não levantou investimento, há o receio de penalização em termos de valuation. Para quem abre rodadas, o momento é de esperar o humor dos VCs, que estão agindo com calma e demorando um tempo muito maior para tomarem uma decisão.
Mão de obra
Quem levantou investimento antes do período de “seca” também está aproveitando um outro movimento: as demissões em massa das big techs. Com os investimentos dos VCs secando, valuations caindo e o caixa secando, startups de grande porte estão fazendo o que podem para reduzir custos e estender o máximo possível seus runaways. Com isso, os layoffs estão cada vez mais comuns. As startups early stage capitalizadas estão conseguindo, assim, contratar mão de obra qualificada para compor seus times de tecnologia.
“Conversei com empreendedores que contrataram times de tecnologia super seniores que foram dispensados pelos layoffs. Há uma mão de obra valiosa no mercado sendo contratada pelos early stages”, explica Lucas.
Para ele, o momento pode parecer de queda mas é, na verdade, um retorno à normalidade. “É um movimento de retorno à mediana histórica. Em 2020 e 2021, dada a situação monetária do mundo, a gente estava vivendo um momento diferente da perspectiva histórica. Agora, a gente está voltando à normalidade dos fatos, referente aos múltiplos de empresas. A gente tem agora uma nova realidade, que é o retorno à antiga realidade. Esse novo ciclo que está emergindo é diferente do que foi nos últimos dois anos devido a todo o mercado de forma macroeconômica. Há uma nova realidade e ela vai impor algumas mudanças.”
Para os próximos anos, Lucas analisa três principais cenários: o otimista, em que a inflação é controlada e os investimentos em tecnologia voltariam de forma mais rápida; o pessimista, que prevê todas as incertezas macroeconômicas no Brasil (com eleições) e no mundo (com guerra e sanções); e o cenário em que aposta: “nosso período de recessão tende a durar um pouco mais, até a gente ter uma alta nos commodities. A taxa de juros vai continuar aumentando globalmente, e isso vai fazer com que o mercado demore mais alguns anos para voltar a ter o mesmo nível de investimentos que tivemos em 2021”, diz.
R$ 18 bilhões prontos para serem aportados
Um mapeamento coletivo coordenado pela plataforma Jupter aponta uma realidade diferente e otimista para esse mercado: segundo o documento existem, hoje, aproximadamente R$ 18 bilhões de capital disponível para investimento em empreendedorismo inovador no Brasil. A pesquisa, chamada de “Rota de Investimentos em Startups 2022” foi realizada em parceria com Anjos & VCs – comunidade de investidores Anjos, Venture Capitalists, Family Offices e Corporates Venture Capitalists.
Grande parte desse montante é voltado para o investimento em early stages. Segundo Bruno Dequech Ceschin, cofundador da Jupter, o mercado está, sim, disposto a tomar riscos. “Embora exista uma certa turbulência para empresas em estágios mais maduros, nos parece que não é o mesmo cenário para as que estão em estágio inicial. Certamente, ajustes de preço, termos e condições, acontecem de tempos em tempos, e parece que voltamos a operar em outros patamares”, diz.
Para Ceschin, o cenário é positivo: além de um aumento no capital disponível, o número de investidores também cresceu. A maior concentração de investidores está concentrada nos estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Paraná. “As entidades sediadas em São Paulo dominam quase absolutas os investimentos em startups, com 87% dos ativos sob gestão e 64% do dry powder (capital comprometido e ainda não alocado)”, ressalta o executivo.
A Rota de Investimentos 2022 aponta também que é unânime que investidores estão em busca de novas startups para investir (89%). Mais da metade já investem e estão gerindo seus portfólios (59%) e um terço (56) destes estão estruturando novos fundos de investimento. A preferência dos investidores é investir em startups em estágio inicial (47%).